Acórdão Nº 08048734420228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 28-04-2023

Data de Julgamento28 Abril 2023
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08048734420228205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0804873-44.2022.8.20.5001
Polo ativo
1TELECOM SERVICOS DE TECNOLOGIA EM INTERNET LTDA
Advogado(s): GUILHERME MOURA DE ARAUJO, DEBORA DA SILVA ALVES
Polo passivo
DIRETOR DA COORDENADORIA DE ARRECADAÇÃO, CONTROLE E ESTATÍSTICA - CACE e outros
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE BENS DO ATIVO FIXO E PARA FINS DE USO E CONSUMO ENTRE ESTABELECIMENTOS PERTENCENTES AO MESMO TITULAR/CONTRIBUINTE. MERA CIRCULAÇÃO FÍSICA DE MERCADORIAS E PRODUTOS. NÃO-CONSTITUIÇÃO DE FATO GERADOR DO ICMS. AUSÊNCIA DE ATO DE MERCANCIA. SÚMULA 166 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IRRELEVÂNCIA DA LOCALIZAÇÃO FÍSICA DOS ESTABELECIMENTOS. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRETENSÃO INICIAL VEROSSÍMIL NESTE SENTIDO. NECESSIDADE DE JULGAMENTO DE TOTAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO SOMENTE QUANDO HOUVER MUDANÇA NA TITULARIDADE SOBRE A COISA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a Segunda Turma da Primeira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e julgar desprovido o reexame obrigatório, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Remessa Necessária da sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara de Execução Fiscal e Tributária de Natal que, em sede de Mandado de Segurança impetrado pela TELECOM SERVIÇOS DE TECNOLOGIA EM INTERNET LTDA. em face de suposto ato ilegal e abusivo perpetrado pelo COORDENADOR DE ARRECADAÇÃO CONTROLE E ESTATÍSTICA (CACE) DA SECRETARIA DE ESTADO DA TRIBUTAÇÃO DO RIO GRANDE DO NORTE,” concede a segurança pleiteada, “para declarar a ilegalidade da exigência de ICMS/DIFAL sobre a transferência de mercadorias de entes federativos diferentes, entre estabelecimentos de titularidade da empresa impetrante, matriz e filial, cabendo ao Fisco Estadual a devida averiguação.”

Em sua petição inicial de ID 18800248, a parte impetrante relata que “atua no ramo de telecomunicações e soluções digitais para o público corporativo, provedores de internet (atacado), consumidor final (varejo), governo (licitação), na comercialização de serviços de internet e soluções de infraestrutura de TI em todo o Nordeste.”

Alega que “Muito frequentemente promove operações interestaduais de circulação de mercadorias originárias de Pernambuco (sede da Requerente) sendo que um dos Estados destinatários dos seus produtos é o Estado do Rio Grande do Norte, local onde possui uma filial, ou seja, realiza puramente a remessa/transferência de ativos de sua sede para algumas filiais.”

Explica que “Nessas circunstâncias, em que realiza a comercialização de mercadorias a produtores do Estado do Rio Grande do Norte são contribuintes do ICMS e em operações interestaduais, a impetrante tem se defrontado com lançamentos de diferença do ICMS/DIFAL nesta operação, violando a Súmula 166 do STJ, não havendo tributação no simples deslocamento de mercadorias entre sede e filial do mesmo contribuinte, é o caso em tela.”

Registra que “Assim no mês de junho do corrente ano, a Requerente procedeu com a transferência de ativos, conforme 04 notas fiscais em anexo (nºs 1899/1901/1902 e 1903), sendo tributada pelo fisco estadual na diferença de alíquota, gerando uma cobrança indevida na importância de R$ 54.580,13 (cinquenta e quatro mil quinhentos e oitenta reais e treze centavos), conforme o extrato fiscal em anexo.”

Discorre sobre seu direito líquido e certo quanto a não incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimento do mesmo contribuinte.

Pugna pela concessão da segurança.

Em decisão de ID 18800254, foi deferida “a medida liminar requerida, para suspender a exigibilidade do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre matriz ou filiais da empresa impetrante localizadas em outros Estados da Federação e as filiais que possuam sede no Estado do Rio Grande do Norte, bem como para que sejam emitidas em seu favor as certidões negativas ou positivas com efeito de negativas decorrentes de tais operações.

Devidamente notificada, a autoridade coatora presta informações em ID 18800262, pugnando “pela suspensão do presente processo até o final do julgamento dos embargos declaratórios na ADC nº 49, quando finalmente estará definido o alcance da eficácia da decisão.”

O Estado do Rio Grande do Norte apresenta defesa do ato coator em ID 18800266, aduzindo que "em que pese a Impetrante ter indicado como base jurídica, na petição inicial, o julgamento da ADC 49, ressalta que, apesar do Supremo Tribunal Federal ter fixado a tese de que "o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual", o acórdão foi objeto de embargos de declaração opostos pelo Estado do Rio Grande do Norte, no sentido de modular os efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da LC n° 87/96, com efeitos prospectivos, havendo divergência dos Ministros quanto à citada modulação.”

Assevera que “a tramitação da ADC 49 revela que vários Ministros já se pronunciaram no sentido da modulação mas há séria controvérsia no que tange ao mérito da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o que resta evidente da analisa da respectiva tramitação, disponível no site do Supremo Tribunal Federal”.

Requer que seja negada a segurança.

Sobreveio sentença no ID 18800269, conforme relatado.

Não houve interposição de recurso voluntário pelas partes (ID 18800322), ascendendo os autos a esta instância para reexame obrigatório.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, por meio da 16ª Procuradoria de Justiça, declina de sua atuação no feito, assegurando inexistir interesse público (ID 18850365).

É o que importa relatar.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, voto pelo conhecimento da remessa necessária.

Cinge-se o cerne meritório na análise da potencial ilegalidade no recolhimento de ICMS sobre operações de transferência de bens e materiais do ativo fixo entre os estabelecimentos recorrentes.

Neste contexto restrito, necessário consignar que a mera circulação física de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo titular não caracteriza fato gerador da obrigação tributária, na medida em que não houve transferência de propriedade sobre o bem em referida operação.

Para que ocorra o fato gerador do ICMS sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadoria é imprescindível que tal circulação seja motivada por um contrato mercantil, ou seja, uma operação de compra e venda de mercadoria que acarrete na transmissão de titularidade.

Este é o entendimento que encontramos consignado na doutrina pátria: "tal circulação só pode ser jurídica (e, não, meramente física)", a qual pressupõe "a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria" (Roque Antônio Carraza, in ICMS, 9ª Ed., Malheiros Editores, 2003, São Paulo, p. 36).

Ademais, a Súmula nº 166 do Superior Tribunal de Justiça assevera que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

A argumentação pacífica dos julgados do Superior Tribunal de Justiça se orienta no sentido de que não há ato mercantil na operação entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e, portanto, não ocorre o fato gerador do ICMS, mesmo que essa transferência se dê entre estabelecimentos situados em estados diversos.

Neste diapasão, válida a transcrição, a qual se refere a Recurso Especial Repetitivo representativo da controvérsia:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS. DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO FIXO. UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. O deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS, porquanto, para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade. (Precedentes do STF: AI 618947 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/03/2010, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-07 PP-01589; AI 693714 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 30/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-13 PP-02783. Precedentes do STJ: AgRg nos EDcl no REsp 1127106/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; AgRg no Ag 1068651/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 02/04/2009; AgRg no AgRg no Ag 992.603/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 04/03/2009; AgRg no REsp 809.752/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 06/10/2008; REsp 919.363/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/06/2008, DJe 07/08/2008) 2. "Não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte." (Súmula 166 do STJ). 3. A regra-matriz do ICMS sobre as operações mercantis encontra-se insculpida na Constituição Federal de 1988, in verbis: "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;" 4. A...

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