Acórdão Nº 08052055520158205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 10-09-2020

Data de Julgamento10 Setembro 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08052055520158205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0805205-55.2015.8.20.5001
Polo ativo
ANTONIO NETO DA SILVA
Advogado(s): MARCOS CESAR MAURICIO DE SOUZA JUNIOR, LILLYANE GONCALVES RODRIGUES DE OLIVEIRA
Polo passivo
PAIVA GOMES & COMPANHIA S/A e outros
Advogado(s): THIAGO JOSE DE ARAUJO PROCOPIO, GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA, JOSE ALMIR DA ROCHA MENDES JUNIOR

EMENTA: DIREITO CIVIL. PRELIMINAR: ILEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA ANALISADA E DECIDIDA NA SENTENÇA. TRANSFERIDA PARA O MÉRITO. MÉRITO: COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ENQUANTO CREDORA HIPOTECÁRIA. CONTRATO DEVIDAMENTE ADIMPLIDO PELO COMPRADOR. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE. HIPOTECA REALIZADA EM FAVOR DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA QUE FINANCIOU A CONSTRUÇÃO DO EMPREENDIMENTO. INEFICÁCIA PERANTE O COMPRADOR. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N° 308 DA SÚMULA DO STJ. LIBERAÇÃO DO GRAVAME. DEVER DA CONSTRUTORA DE ADOTAR MEDIDAS PARA CANCELAR A HIPOTECA. PRECEDENTES DESTA CORTE. DESOBEDIÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA À REFERIDA SÚMULA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR ARBITRADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRETENSÃO DE INVERSÃO DA MULTA PREVISTA NO CONTRATO EM FAVOR DO ADQUIRENTE. IMPOSSIBILIDADE POR NÃO SE TRATAR DE ATRASO NO PAGAMENTO OU NA ENTREGA DO IMÓVEL. RECURSOS DAS RÉS DESPROVIDOS. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO PARCIALMENTE.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em transferir para o mérito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e desprover os apelos das demandas e prover parcialmente o da parte autora, nos termos do voto do relator.

Apelações Cíveis interpostas, respectivamente, por ANTONIO NETO DA SILVA, pelo BANCO BRADESCO e pela PAIVA GOMES & CIA LTDA em face da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial para: reconhecer a obrigação dos réus adotarem as providências administrativas necessárias à baixa da hipoteca existente sobre o imóvel descrito na inicial (aptº 803, Torre “A”, do empreendimento Condomínio Residencial Luis de Barros), bem como de fornecerem toda a documentação necessária para a efetivação da Escritura Pública do bem para o nome do demandante ANTÔNIO NETO DA SILVA, nos termos já delineados na decisão de Id. 4157991, a qual fica mantida em todos os seus termos. Por fim, considerou que cada litigante foi, em parte, vencedor e vencido, determinando que sejam proporcionalmente distribuídas entre eles as custas e despesas processuais, bem como os honorários advocatícios, este fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

O autor alegou que: a atitude dos apelados em se esquivarem de procederem com a baixa do registro hipotecário, mesmo depois de compelidos judicialmente a tanto, evidentemente causou ao apelante transtornos significativos, suficientes a ultrapassar a barreira do “mero aborrecimento”, mesmo porque isso o impediu de dispor plenamente de seu imóvel; deve ser aplicado ao caso o TEMA 971 do STJ para "por equiparação da clausula 8.9 do contrato originalmente firmado pelo apelante e uma das apeladas, responsabilizar/obrigar a parte ré ao pagamento de multa por descumprimento no valor de 2%, juros de mora no montante de 1% e honorários advocatícios no percentual de 10%, todos os incidentes sobre o valor do contrato." Requereu, ao final, o provimento do recurso para condenar solidariamente as rés ao pagamento de indenização por danos morais e aplicar ao caso o tema 971 do STJ.

O BANCO BRADESCO argumentou, preliminarmente, que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente demanda. No mérito, afirmou que: "como credor hipotecário, apenas forneceu recursos para a construção do empreendimento imobiliário em que a unidade objeto da lide faz parte, tendo a PAIVA GOMES E CIA LTDA dado em garantia hipotecária as unidades construídas"; "não houve pela corré (construtora) a quitação do empréstimo para a concretização da obra ou o repasse do valor mínimo para a liberação do gravame do imóvel em questão e este foi o motivo da manutenção do gravame, devendo a PAIVA GOMES E CIA LTDA ser a única responsável pelos transtornos descritos pela apelada". Ao final, pugnou pelo provimento do recurso para que seja reconhecida sua ilegitimidade passiva, devendo a condenação imposta recair somente com relação a PAIVA GOMES E CIA LTDA. Caso não seja este o entendimento, requereu que apenas a corré seja responsabilizada pelo cumprimento da obrigação de realizar a baixa da hipoteca e, conseqüentemente, por arcar com a multa de descumprimento de obrigação de fazer.

PAIVA GOMES & CIA LTDA formulou pedido de gratuidade judiciária, indicando a baixa disponibilidade de caixa como razão para subsidiar a alegação de hipossuficiência financeira. Na discussão de mérito, alegou que: somente quem tem legitimidade para requerer a baixa da hipoteca junto ao cartório de imóveis é o Banco credor, não havendo como a empresa ora apelante providenciar tal ato; já solicitou ao banco a baixa do gravame, assim como vem pagando os encargos cobrados pelo agente financiador, através da consignação extrajudicial aceita. Pugnou, ao final, o provimento do apelo para julgar improcedentes os pleitos da parte autora e faz jus aos benefícios da justiça gratuita.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.

Preliminar: ilegitimidade passiva do Banco Bradesco S/A

A preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada em razões de recurso pela instituição financeira não merece ser conhecida por não se tratar de matéria preliminar recursal. A questão foi suscitada na peça de defesa e decidida na sentença. Logo, integra o mérito da apelação e como tal deve ser apreciada.

Mérito

Não há que e falar em ilegitimidade passiva ad causam do Banco Bradesco S/A. A instituição financeira detém condição jurídica de suportar os efeitos da decisão, uma vez que ela, enquanto credora hipotecária, é quem detém legitimidade para efetivar a liberação do referido gravame.

Ao contrário do alegado pelos réus, a obrigação imposta na decisão, de levantar a hipoteca que grava o imóvel descrito na inicial, não é impossível de ser cumprida porque, aos terceiros adquirentes de boa-fé que cumpriram integralmente suas obrigações, não pode ser estendida a hipoteca levada a registro antes ou após a aquisição do imóvel, tendo sido a matéria, inclusive, sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

Enunciado nº 308. A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

Com o mesmo posicionamento é a jurisprudência de nossos Tribunais:

COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. Obrigação contraída pela vendedora de outorgar escritura definitiva. Ação de obrigação de fazer, com preceito cominatório, proposta pela compradora. Sentença de procedência. Quitação do preço incontroversa. Inércia no processo administrativo. Indiferente. Ineficácia perante a compradora da hipoteca constituída em favor do banco. Recusa injustificada da ré em outorgar a escritura e promover o levantamento da constrição. Verba honorária mantida. Inaplicabilidade da teoria da causalidade. Fixação de acordo com o disposto no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Sentença mantida. Apelações desprovidas.

(TJSP, Apelação Cível nº 0020283-65.2012.8.26.0344, rel. Des. ANA LÚCIA ROMANHOLE MARTUCCI, Julgado em 13/02/2014).

AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. DIREITO DO ADQUIRENTE. QUITAÇÃO DO IMÓVEL. HIPOTECA FIRMADA EM RAZÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PELO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. SÚMULA 308 DO STJ. Tem direito os compromitentes adquirentes ao levantamento da hipoteca em relação aos imóveis integralmente quitados, irrelevante se o registro da hipoteca é anterior à aquisição. Segundo a Súmula 308 do STJ, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. Assim, a garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o terceiro comprador da unidade. Honorários de sucumbência que se mostram excessivos, impondo-se sua redução. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

(TJRS, Apelação Cível nº 70029355757, Décima Sétima Câmara Cível, relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 10/11/2011).

Sendo a hipoteca um direito real, em que o bem imóvel é dado em garantia de pagamento de determinada dívida, ainda que a incorporadora não consiga apresentar a quitação do financiamento, o gravame não tem eficácia perante os consumidores adquirentes.

Noutro quadrante, o dano moral indenizável é aquele que pressupõe dor física ou moral e se configura sempre que alguém aflige outrem injustamente, em seu íntimo, causando-lhe dor, constrangimento, incômodo, tristeza, angústia. Alcança valores prevalentemente ideais, embora simultaneamente possam estar acompanhados de danos materiais.

Os fatos narrados pela requerente são suficientes para comprovar o prejuízo moral experimentado, consubstanciado em razão do estresse, do abalo e da enorme frustração vivenciada diante da desídia da construtora em cumprir as disposições constantes no pacto.

A parte autora assumiu a obrigação de efetuar mensalmente o pagamento das prestações com o objetivo de receber o imóvel adquirido, dentro do lapso temporal previsto no contrato, para dele dispor livremente. A formalização deste pacto fez brotar na adquirente uma lídima expectativa de possuir como seu um imóvel, no qual poderia vir a residir ou auferir renda mediante locação.

A postura adotada pelas ora apelantes, ao deixarem de...

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