Acórdão Nº 08052992920198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 26-11-2019

Data de Julgamento26 Novembro 2019
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08052992920198200000
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0805299-29.2019.8.20.0000
Polo ativo
G. O. D. A. e outros
Advogado(s): TERTULIANO CABRAL PINHEIRO JUNIOR
Polo passivo
UNIMED NATAL
Advogado(s): ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA, MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA, MURILO MARIZ DE FARIA NETO

AGRAVO DE INSTRUMENTO 0805299-29.2019.8.20.0000

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – TRATAMENTO MÉDICO DE TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA – DECISÃO A QUO QUE INDEFERIU O PEDIDO PARA DETERMINAR QUE O PLANO DE SAÚDE CUSTEIE O TRATAMENTO DA PARTE AUTORA, NOS MOLDES PRESCRITOS PELOS PROFISSIONAIS QUE O ACOMPANHAM (MÉTODO ABA) – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA À PRESCRIÇÃO MÉDICA – OPÇÃO TERAPÊUTICA QUE NÃO PODE SER DESCONSIDERADA PELA EMPRESA DEMANDADA - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - DIREITO À VIDA – AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, reformando a decisão agravada, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por G. O. de A. em face de decisão proferida pelo Juiz de Direito da 9ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer (processo nº 0835080-31.2019.8.20.5001), movida em desfavor da Unimed Natal, indeferiu o pedido de concessão de tutela provisória de urgência, que pretendia obter provimento jurisdicional que autorizasse imediatamente o tratamento multiprofissional que inclua a terapia com o método intensivo denominado “Terapia Comportamental ABA” (ID 3878478).

Em suas razões (ID 3878474), defende: a) aplica-se ao caso em tela o Código de Defesa do Consumidor; b) deve haver a inversão do ônus da prova em seu favor; c) a postura da Unimed fere o teor do art. 47 do CDC e d) o tratamento é essencial para o alcance de melhor qualidade de vida, posto que é portador de autismo e necessita de acompanhamento clínico multidisciplinar através dos profissionais com especialidade em Terapia Padovan de Reorganização Neurofuncional (3x na semana), Fonoaudiologia PAC – processamento auditivo central (3x na semana), terapia ABA (30h semanais), Terapia Ocupacional com Integração Sensorial (3x na semana), Psicologia com Intervenção Cognitiva Comportamental (3x na semana) e Psicopedagogia (3x na semana) como bem é expresso no laudo médico.

Colaciona julgados que entende subsidiar a sua argumentação, pugnando pelo provimento do recurso para determinar que a agravada autorize e custeie, de forma imediata e nas quantidades que forem necessárias, os acompanhamentos com os profissionais prescritos no documento médico de ID 878479.

O pedido de efeito ativo foi deferido pelo então Relator em substituição legal, Des. Ibanez Monteiro (ID 3930550).

Contrarrazões apresentadas (ID 4216002).

Instado a se pronunciar, o 16º Procurador de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do agravo de instrumento (ID 4271677).

É o que importa relatar.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente agravo.

A decisão singular merece reforma.

Primeiramente, vê-se que o tratamento multidisciplinar pelo método ABA, é aquele indicado expressamente pelo profissional médico em seu encaminhamento de ID 878479.

Desta forma, a existência de laudo médico dando conta que o método multidisciplinar é o mais adequado para o tratamento de autismo é suficiente para afirmar que este deve ser o disponibilizado à criança, à míngua de demonstração de que haveria outra espécie de opção terapêutica com a mesma eficácia.

Verifica-se que a Resolução nº 428/2017 – ANS, que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, e constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, lista em seu Anexo I que deve haver cobertura obrigatória para tratamentos com fonoaudiólogo, psicólogo e terapeuta ocupacional.

Ora, a opção terapêutica não pode ser excluída ou limitada quando indicada por equipe médica como a mais adequada para o tratamento do segurado, como é o caso, não sendo possível afirmar que a simples existência de profissionais que fazem parte da rede credenciada é suficiente para garantir o tratamento satisfatório para o autismo.

Desta forma, entendo que deve preponderar o próprio direito à vida e à dignidade, de índole constitucional, sobre quaisquer outras normas previstas em Regulamento ou mesmo em contrato.

Em caso idêntico, já se pronunciou recentemente esta Corte de Justiça:

EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRETENSÃO DE REFORMA DA DECISÃO QUE DECLAROU A ABUSIVIDADE DA NORMA PREVISTA NO ANEXO II DA RN Nº 387/ANS E DETERMINOU O CUSTEIO DE TODO O TRATAMENTO DOS AGRAVADOS CONFORME PRESCRIÇÃO MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVANTE QUE NÃO JUNTOU AOS AUTOS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA O CÁLCULO DO LIMITE DE REEMBOLSO MONETÁRIO ESTABELECIDO NO CONTRATO. INFANTES EM INVESTIGAÇÃO PARA TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO MULTIDISCIPLINAR SOB PENA DE PREJUÍZO NO DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS. EXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO MÉDICA ESPECÍFICA ACERCA DA PERIODICIDADE DAS SESSÕES DE TRATAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO. DIREITO À SAÚDE QUE DEVE SER GARANTIDO ATRAVÉS DE COBERTURA SATISFATÓRIA DE TODOS OS MEIOS NECESSÁRIOS AO RESTABELECIMENTO INTEGRAL DO PACIENTE. PROTEÇÃO ESPECIAL À CRIANÇA E ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 9.656/1998 E DA LEI Nº 12.764/2012. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. (...)

2. Diante da prescrição médica específica acerca da periodicidade do acompanhamento por equipe multidisciplinar (composta por terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo) resta demonstrada, nessa fase processual e no exercício do juízo de cognição sumária, a necessidade dos agravados de extrapolação da cobertura que tem sido oferecida pelo seguro de saúde.

3. A despeito da existência de limites de cobertura, por ano de contrato, no Anexo II da Resolução Normativa nº 387/2015 da ANS, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão, nos termos do § 4º do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor), revela-se abusivo o preceito excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clínico ou do procedimento cirúrgico coberto ou de internação hospitalar.

4. Os contratos de plano de saúde se submetem ao Código de Defesa do Consumidor (art. 3º, § 2º), de forma que as cláusulas do contrato devem respeitar as formas de elaboração e interpretação consumeristas, conforme disposição da Súmula 469 do STJ.

5. A Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10, a exemplo do Transtorno do Desenvolvimento Psicológico e do Transtorno Global do Desenvolvimento, dentre os quais inclui-se o Transtorno do Espectro Autista.

6. Precedente do TJRN (Ag nº 2017.010682-3, Rel. Des. Ibanez Monteiro, 2ª Câmara Cível, j. 24/10/2017).

7. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

(TJRN - 2ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento n° 2017.014779-5 - Relator: Desembargador Virgílio Macêdo Jr. Julgado em 22/05/2018)

EMENTA: PROCESSO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR: INADMISSIBILIDADE RECURSAL. ALEGAÇÃO DE NÃO JUNTADA DA CÓPIA DE PETIÇÃO DO RECURSO NO PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE CERTIDÃO EXPEDIDA PELA SECRETARIA DO JUÍZO. REJEIÇÃO. MÉRITO: DECISÃO QUE DEFERIU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PLANO DE SAÚDE. USUÁRIO PORTADOR DE AUTISMO EM NÍVEL SEVERO. RECUSA DA RÉ EM FORNECER O TRATAMENTO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MÉTODO TERAPÊUTICO SOLICITADO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE - ANS. ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS REALIZADOS JUNTO AS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE. SÚMULA 469 DO STJ. INSTRUMENTO QUE DEVE SER INTERPRETADO DE FORMA FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 47 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE DE CLÁUSULA QUE RESTRINJA A TENTATIVA TRATAMENTO DO USUÁRIO. PROVA DA NECESSIDADE DO MÉTODO TERAPÊUTICO. ASTREINTES. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. VALOR FIXADO QUE CONDIZ COM A SITUAÇÃO. PEDIDO DE LIMITAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. SANÇÃO FIXADA, PELO MAGISTRADO A QUO, AO BENEFÍCIO ECONÔMICO PRETENDIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. PRECEDENTE DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJRN - 1ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento n° 2017.011590-1 - Relator: Desembargador Claudio Santos. Julgado em 04/10/2018)

Portanto, a decisão agravada merece ser reformada, para garantir o tratamento requisitado pelo profissional médico.

Ante o exposto, VOTO, em consonância com o parecer ministerial, pelo conhecimento e provimento do agravo, reformando a decisão singular, para determinar que a Unimed autorize os procedimentos requisitados pelo profissional médico para o tratamento do autor.

É como voto.

Natal,

Desembargador Cornélio Alves

Relator

Natal/RN, 26 de November de 2019.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT