Acórdão Nº 08056068020198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 24-09-2019

Data de Julgamento24 Setembro 2019
Classe processualAGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL
Número do processo08056068020198200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - 0805606-80.2019.8.20.0000
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):
Polo passivo
LUCAS BARBOSA DE MELO JUNIOR
Advogado(s):

Agravo em Execução Criminal n° 0805606-80.2019.8.20.0000

Origem: Juízo de Execuções Penais de Mossoró

Agravante: Ministério Público

Defensor : Diego Melo da Fonseca

Agravado: Lucas Barbosa de Melo Junior

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGEX. REMIÇÃO POR ESTUDO. ÊXITO PARCIAL NO ENCCEJA (ART. 126 DA LEP C/C REC. 44/2013 DO CNJ). APROVEITAMENTO PELO JUÍZO EXECUTÓRIO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL DECORRENTE DO NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO DO ART. 1°, IV DA RECOMENDAÇÃO SUSO. ARGUMENTO REPELIDO PELA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E TELEOLÓGICA DO ATO NORMATIVO. PROEMINÊNCIA DO CARÁTER RESSOCIALIZADOR DOS ESTUDOS. DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes da Câmara Criminal, à unanimidade de votos e em dissonância com a 1ª Procuradoria de Justiça, conhecer e desprover o Recurso, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. AgEx interposto pelo Ministério Público em face de decisão do Juízo de Execuções Penais de Mossoró, o qual, nos autos 0103052-65.2014.8.20.0106, concedeu a remição por estudos pela aprovação parcial no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos – ENCCEJA (ID 3996227 - págs. 31/34).

2. Sustenta, em resumo (ID 3996227 - págs. 38/41):

(i) O apenado Lucas Barbosa de Melo Junior não obteve a aprovação no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), não preenchendo o requisito essencial da Recomendação n.º 44/2013, consistente na aprovação no exame nacional; e

(ii) Inexiste qualquer previsão acerca do deferimento da benesse para o caso de parcial conclusão do mencionado exame.

3. Pugnou, ao final, pelo provimento do recurso.

4. Contrarrazões junto ao ID 3996227 - págs. 51/55.

5. Parecer Ministerial pelo seu conhecimento e provimento (ID 4069922).

6. É o relatório.

VOTO

7. Conheço do Agravo.

8. No mais, não merece prosperar.

9. Prima facie, inicio o voto ressaltando a proeminência da educação como ferramenta de ressocialização contra as alguras do cárcere.

10. Com efeito, o instituto da remição (por estudo ou trabalho) encontra guarida no art. 126 da Lei de Execução Penal, in verbis:

“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena”. (grifos inautênticos)

11. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 44/2013, cujo texto dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de mitigação da pena.

12. No seu turno, aludido ato administrativo permitiu a redimere pela aprovação na prova do ENEM ou do ENCCEJA, conforme dispõe o art. 1°, inciso IV:

“Art. 1º Recomendar aos Tribunais que:

...

IV - na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino [fundamental ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE], isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio...”. (grifos inautênticos)

13. E malgrado o Parquet se utilize do caminho da interpretação literal e da aplicação mecânica dos dispositivos ditos alhures, esse exercício hermenêutico se mostra limitado, ao restringir o alcance da norma, de forma a desprestigiar o caráter ressocializador dos estudos, como bem assentou o juízo a quo:

“... Nesse caso, o simples fato da falta de previsão legal não é suficiente para se negar um direito que já vem sendo reconhecido por diversos tribunais pátrios. A interpretação extensiva da “aprovação” em Exame Nacional à situação de “aprovação parcial” se impõe como forma de compensar estimular o apenado à ressocialização através do aprendizado. Ainda que não tenha logrado a aprovação integral, o êxito parcial demonstra mérito do apenado, que, de alguma forma, esforçou-se para atingir o desempenho mínimo...”. (grifos inautênticos)

14. Ou seja, a solução da controvérsia, em verdade, não reside na interpretação literal da LEP e da Recomendação 44/2013 defendida pelo Ministério Público, mas, indubitavelmente, situa-se em sua hermenêutica teleológica.

15. Ora, a exegese desta Recomendação 44/2013 se fundamenta na importância dos estudos para o apenado, pois a educação é um forte instrumento na ressocialização do detento, obstando a ociosidade perniciosa no cárcere.

16. Como é sabido, o grau de escolaridade confere ao preso maiores oportunidades de reinserção na sociedade, tendo em vista serem superiores as chances de emprego, bem como a sua inclusão cultural e a restauração de sua autoestima.

17. Sobre a temática, Guilherme de Souza Nucci[1] leciona:

“... Trabalhar e/ou estudar confere ao condenado a oportunidade de adquirir novas habilidades e aprimorar o seu conhecimento, permitindo a sua ressocialização com maior facilidade...”. (grifos inautênticos)

18. Na hipótese, deve ser considerado para fins de remição por estudo o sucesso, ainda parcial, no ENCCEJA, pois, com esforço próprio, o apenadi se dedicou aos estudos para a realização da prova, permitindo a obtenção de resultados positivos no Exame de 2018.

19. Pois bem, se mostra contraproducente alcançar bons resultados em uma prova, sem ao menos tenha estudado a matéria pela qual será avaliado.

20. Desse modo, deve-se extrair da Diretriz do CNJ, uma interpretação extensiva da expressão “aprovação”, devendo lê-se com o seguinte entendimento: “... obter aprovação nos exames nacionais, ainda que parcial...”.

21. Sobre o tema, destaca-se os ensinamentos de Alessandro Baratta[2]:

“... O ponto de vista de como encaro o problema da ressocialização, no contexto da criminologia crítica, é aquele que constata - de forma realista - o fato de que a prisão não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado e que, ao contrário, impõe condições negativas a esse objetivo. Apesar disso, a busca da reintegração do sentenciado à sociedade não deve ser abandonada, aliás precisa ser reinterpretada e reconstruída sobre uma base diferente...” (grifos inautênticos)

22. Ademais, é assente no Superior Tribunal de Justiça o entendimento favorável pela ampliação das atividades não agasalhadas pela Recomendação suso do CNJ, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, ou seja, sempre buscando alcance normativo ressocializador:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA. APROVAÇÃO NO ENEM. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 126 DA LEP. POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO 44/2013 DO CNJ. UTILIZAÇÃO. SENTENCIADO QUE CONCLUIU PARTE DO ENSINO MÉDIO POR MEIO DE ATIVIDADES REGULARES DE ENSINO NO ESTABELECIMENTO PENAL. ORDEM CONCEDIDA EM MENOR EXTENSÃO. 1. A norma inserta no art. 126 da Lei de Execução Penal visa, essencialmente, à ressocialização do sentenciado, por meio do incentivo ao estudo e ao trabalho, atividades que agregam valores necessários à sua melhor reintegração na sociedade. Nesse contexto, uma interpretação mais ampla do art. 126 da Lei de Execução Penal, no caso, com a adoção da Recomendação n.º 44/2013, do Conselho Nacional de Justiça, atende aos princípios que norteiam a Lei de Execução Penal... (STJ, HC 376.316/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 04/10/2017). (grifos inautênticos)

23. E mais:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. REMIÇÃO PELA LEITURA. LEGALIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA IN BONAM PARTEM DO ART. 126 DA LEP. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO... II - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem admitido que a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal, como no caso, a leitura e resenha de livros, nos termos da Recomendação n. 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça... (STJ, HC 353.689/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 01/08/2016). (grifos inautênticos).

24. Nesse diapasão, não se pode considerar a dedicação do preso aos estudos, mesmo com esforço próprio, e o seu êxito parcial no ENCCEJA, como um nada jurídico, por ofensa aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

25. Vale ressaltar, o Supremo Tribunal Federal no RHC 136509 considerou, para fins de remição, carga horária inferior ao mínimo legal de 06 (seis) horas, com o consentimento do estabelecimento prisional.

26. Desse modo, verifica-se que a Corte Constitucional agraciou-se com o entendimento que mais proporcione um caráter ressocializador da norma, não desprezando as atividades laborativas exercidas pelo apenado.

27. Tal posicionamento, aliás, é consentâneo ao hodiernamente adotado pelo Tribunal da Cidadania, ao reconhecer a remição na aprovação parcial no ENCCEJA:

“... Diante disso, pode-se notar que a...

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