Acórdão Nº 08056422020228200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 20-10-2022

Data de Julgamento20 Outubro 2022
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Número do processo08056422020228200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 0805642-20.2022.8.20.0000
Polo ativo
EVALDO BRANDAO DE MACEDO JUNIOR e outros
Advogado(s):
Polo passivo
FLAVIO PEREIRA ALVES DA SILVA e outros
Advogado(s): MARIA DE FATIMA DA SILVA DIAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Gabinete do Desembargador Gilson Barbosa

Recurso em Sentido Estrito nº 0805642-20.2022.8.20.0000.

Origem: Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de João Câmara/RN.

Recorrente: Ministério Público.

Recorrido: Flávio Pereira Alves da Silva.

Advogada: Dra. Maria de Fátima da Silva Dias Bezerra Gurgel – OAB/RN 18.058.

Recorrido: José Carlos Batista Dantas.

Def. Público: Dr. José Nicodemos de Oliveira Segundo.

Relator: Desembargador Gilson Barbosa.


EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006 E ART. 12 DA LEI 10.826/2003). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR ENTENDER ILÍCITA A PROVA OBTIDA MEDIANTE SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENSO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA. POSSIBILIDADE. ENTRADA DOS POLICIAIS DECORRENTE DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. INFORMAÇÕES ANTERIORES DE POPULARES. FUGA DE UM AGENTE. OBSERVÂNCIA À RESSALVA DO ART. 5º, XI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONTRAPOSIÇÃO A SER REALIZADA DURANTE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER CAUSA DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA (ART. 395 DO CPP). RECONHECIMENTO DA JUSTA CAUSA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. CONSONÂNCIA COM O PARECER DA 3ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em consonância com o parecer da 3ª Procuradoria de Justiça, conhecer e dar provimento ao presente Recurso em Sentido Estrito, para receber a denúncia e determinar o regular processamento da ação penal perante o juízo de origem, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer parte integrante.

RELATÓRIO


Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público, visando reformar a decisão proferida pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de João Câmara/RN, que, nos autos da Ação Penal n. 0800559-38.2021.8.20.5600, rejeitou a denúncia oferecida em desfavor de Flávio Pereira Alves da Silva e José Carlos Batista Dantas que lhes imputava a prática dos crimes capitulados no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e art. 12 da Lei n. 10.826/2003 –, por entender que a obtenção da prova ocorreu em afronta à inviolabilidade do domicílio (ID 14613719 - p. 109-110).

A representante ministerial, nas razões recursais, postulou a reforma da decisão que rejeitou a denúncia, para reconhecer como lícitas as provas obtidas na ação policial e dar seguimento à ação penal (ID 14613719 - p. 88-94).

Os recorridos, contra-arrazoando (ID 14613719 - p. 16-21 e ID 14613719 - p. 58-80), refutaram os argumentos recursais e requereram o desprovimento do recurso.

Em reexame, o julgador a quo manteve sua decisão (ID ).

A 3ª Procuradora de Justiça, no parecer ofertado, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão, determinando-se o recebimento da denúncia (ID 15229807).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido o presente recurso.

Cinge-se a pretensão recursal na reforma da decisão que rejeitou a denúncia ofertada quanto à imputação dos delitos do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 e art. 12 da Lei n. 10.826/2003, por reconhecer que o meio de obtenção da prova foi ilícito, considerando a ausência de autorização para busca domiciliar, a fim de que a peça acusatória seja recebida, considerando a licitude das provas.

A representante ministerial argumentou para tanto que: (i) a autoridade policial procurava por José Carlos Batista Dantas a fim de dar cumprimento a uma intimação, que não pode ser efetivada em razão de o acusado ter empreendido fuga ao visualizar os policiais; (ii) no local, a autoridade policial foi informada pela população de que no imóvel onde o acusado Flávio Pereira Alves da Silva foi preso em flagrante, ocorria, de maneira pública e notória, a prática de crime de tráfico de drogas, motivo pelo qual adentraram no local e encontraram grande quantidade de entorpecentes, quantia em dinheiro e instrumentos característicos da prática do crime de tráfico de drogas, evidenciando a situação de flagrância; (iii) quando da oitiva perante a autoridade policial, o acusado Flávio Pereira Alves da Silva informou endereço diverso do da prisão, e as investigações indicaram que o imóvel havia sido locado por ele com o propósito de servir de ponto de comercialização de drogas.

Razão não assiste ao recorrente.

O art. 395 do Código de Processo Penal disciplina as causas de rejeição da denúncia, quais sejam: inépcia manifesta; falta de pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou falta de justa causa para o exercício da ação.

No presente caso, a denúncia ofertada em desfavor dos recorridos pelo Ministério Público foi rejeitada por suposta ilegalidade da prova que lastreava a acusação, afastando a materialidade, e com isso, a justa causa para a persecução penal (art. 395, III, CPP).

Como bem leciona Renato Brasileiro de Lima[1], a expressão justa causa deve ser entendida como um lastro probatório mínimo indispensável para a instauração de um processo penal (prova da materialidade e indícios de autoria), funcionando como uma condição de garantia contra o uso abusivo do direito de acusar.

Verifica-se, dos autos, que o julgador a quo expressou seu entendimento nos seguintes termos:

“A narrativa da peça acusatória se baseia em busca e apreensão de drogas e arma de fogo na residência do réu Flávio Pereira Alves da Silva. Analisando-se as provas constantes dos autos, bem como da própria narrativa da denúncia, observa-se que não existe decisão judicial a justificar o afastamento da inviolabilidade de domicílio. Ademais, os policiais adentraram na residência unicamente porque viram o réu José Carlos Batista Dantas saindo da residência do corréu, não existindo qualquer provar ou pelo menos indícios da prática de delito que configurasse o estado de flagrante. Ressalte-se, por oportuno, que não havia nem mesmo investigação prévia do suposto cometimento de crime de trafico de drogas ou posse ilegal de arma de fogo, haja vista que o acusado José Carlos Batista Dantas era procurado pela polícia em investigação por crime de homicídio.

O princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio não pode ser letra morta no ordenamento jurídico a fim de justificar a prova obtida por meios ilícitos.

No caso em análise bem se configura a teoria dos frutos da árvore envenenada, a fim de contaminar a única prova existente para o oferecimento da denúncia.

Segundo esta teoria, as provas obtidas por meio de uma primeira prova que foi descoberta por meios ilícitos, deverão ser descartadas do processo na persecução penal, uma vez que se considerarão ilícita por derivação.

Nas palavras de Eugênio Pacelli, a referida teoria é conceituada da seguinte forma:“A teoria The fruits of the poisonous tree, ou teoria dos frutos da árvore envenenada, cuja origem é atribuída à jurisprudência norte-americana, nada mais é que simples consequência lógica da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas.”

O STF e o STJ têm reiteradamente decidido pela ilegalidade da prova obtida com o desrespeito ao princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio.

Diante do exposto, acolho a preliminar da Defesa para fins de reconhecer a nulidade da única prova utilizada como fundamento para oferecimento da denúncia, a busca e apreensão em domicílio, sem estado de flagrante ou mediante determinação judicial, pelo que tenho por inepta a peça acusatória com consequente rejeição da denúncia.” (grifos acrescidos)

Os elementos indiciários colacionados, todavia, impendem a reforma da decisão.

A materialidade e os indícios da autoria do crime de tráfico foram demonstrados mediante Auto de Exibição e Apreensão (ID 14614870 - p. 78), Laudo de Constatação Provisória (ID 14614870 - p. 81) – constando a apreensão de 17 (dezessete) porções de uma substância petrificada e amarelada, provavelmente, crack; 11 (onze) porções de um pó branco, provavelmente, cocaína; 01 (uma) porção de uma substância de cor marrom esverdeada, provavelmente, maconha; 01 (uma) espingarda de fabricação artesanal com cano duplo; 01 (uma) balança de precisão; diversos sacos; a quantia de R$ 222,00 (duzentos e vinte e dois reais) em cédulas fracionadas – e prova oral colhida extrajudicialmente.

Em relação à suposta violação do domicílio mencionada na decisão recorrida, vê-se que a situação há de ser reexaminada na instrução criminal, uma vez que, dos relatos de dois policiais civis que participaram da diligência que resultou na prisão dos acusados, se depreende a existência de fundadas razões para a busca e apreensão no imóvel em razão do estado de flagrância. Veja-se:


Alysson Farias Leandro de Oliveira (policial civil): […] que estavam em diligência na cidade de Parazinho para intimar a pessoa de JOSE CARLOS BATISTA DANTAS, vulgo NEGUINHO, e tentar identificar uma pessoa conhecida como NETO, suspeitos de um homicídio ocorrido nessa cidade no dia 03.07.2021; que ao se dirigirem para a rua bujão, nas proximidades do bar de Bastos, onde supostamente mora a pessoa de JOSÉ CARLOS, um indivíduo foi visualizado saindo de uma residência, que segundo populares, é utilizada como uma das maiores bocas de fumo de Parazinho; que, diante da situação, o depoente chamou por este homem, ocasião em que, ao verificar que se tratava da equipe policial, o referido homem evadiu correndo do local, momento em que a equipe policial reconheceu tal pessoa como sendo JOSÉ CARLOS; que apesar do esforço, a referida pessoa...

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