Acórdão Nº 08058024520228200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 16-12-2022

Data de Julgamento16 Dezembro 2022
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08058024520228200000
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0805802-45.2022.8.20.0000
Polo ativo
P. D. S. M. S. e outros
Advogado(s): BRUNO HENRIQUE SALDANHA FARIAS
Polo passivo
UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO
Advogado(s): RODRIGO MENEZES DA COSTA CAMARA

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL E CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA INDEFERIDA NA ORIGEM. PLANO DE SAÚDE. CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR INDICADO PELO MÉDICO DO PACIENTE. SUSPENSÃO DA COBERTURA FORA DO AMBIENTE CLÍNICO. POSSIBILIDADE. ACOMPANHAMENTO DOMICILIAR E ESCOLAR QUE EXTRAPOLA A FINALIDADE DO PLANO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DIRETA COM O OBJETO DO CONTRATO. OBRIGAÇÃO QUE NÃO SE EXTRAI DA LEI OU DO CONTRATO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. PREJUDICIALIDADE DO AGRAVO INTERNO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por maioria de votos, em dissonância com o parecer da 7ª Procuradoria de Justiça, conhecer e dar provimento parcial ao agravo de instrumento, e, diante do julgamento deste, julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do voto do Relador para o acórdão. Vencido o Desembargador Amilcar Maia que dava provimento ao recurso. .

RELATÓRIO

Agravo de instrumento, com pedido de antecipação de tutela da pretensão recursal, interposto por P. D. S. M. S., representado por M. DA C. Q. M. DA S. contra decisão do Juízo da 15.ª Vara Cível da Comarca de Natal proferida nos autos da ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais registrada sob o n.º 0829939-26.2022.8.20.5001, proposta em desfavor da UNIMED NATAL – SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, ora agravada.

Em suas extensas razões recursais (id. 14668218), o agravante aduz, em síntese, que: (i) é usuário do plano de saúde da UNIMED NATAL, estando com o pagamento das mensalidade em dia; (ii) tem 7 anos de idade e foi diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA), necessitando de acompanhamento multidisciplinar especializado; (iii) o neurologista pediátrico e o psicólogo que o acompanham indicam seja o seu tratamento realizado pelo método ABA (applied behavior analysis – análise do comportamento aplicada), com assistente terapêutica (AT) escolar e domiciliar; (iv) conquanto a agravada haja inicialmente autorizado e custeado o tratamento recomendado, ao qual vinha se submetendo em estabelecimentos clínicos credenciados àquela, no último mês de abril, sem qualquer pré-aviso, suspendeu a terapêutica nos ambientes escolar e domiciliar; (v) a interrupção sumária do seu tratamento nos moldes da prescrição médica pode ocasionar a regressão do seu estado de saúde, de sorte que deve aquele ser mantido inalterado, o que foi pleiteado em sede liminar ao Juízo a quo, que, todavia, indeferiu a tutela de urgência, em decisão que necessita de urgente reforma, inclusive em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana; (vi) garantir-lhe o tratamento adequado neste momento em que está em fase de desenvolvimento, “é o mesmo que oportunizar uma chance talvez única, de ver mitigada a condição que lhe acomete” (p. 15); (vii) é impossível aplicar de forma eficaz o plano terapêutico ABA sem a presença do AT nos ambientes domiciliar e escolar, o que pode inclusive tornar improdutiva a aplicação do programa no ambiente clínico; (viii) negar a autorização da terapia por meio de profissionais psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e demais profissionais ESPECIALIZADOS para viabilizar o tratamento da condição da agravante é conduta abusiva, ilegal e atentatória aos mais comezinhos princípios que regem a relação consumerista” (p. 36, destaques no original); (ix) o julgamento realizado pela 2.ª Seção do STJ na última quarta-feira (8-6-2022), declarando a taxatividade do rol da ANS, não tem caráter repetitivo e, portanto, efeito vinculante, além de não haver transitado em julgado, sem mencionar que não afasta a possibilidade de cobertura fora da lista mencionada (rol taxativo mitigado).

Assim sendo, requereu o conhecimento e provimento deste agravo para, inclusive em sede de antecipação de tutela da pretensão recursal, reformar o decisum atacado, de modo a conceder-lhe a liminar negada pelo Juízo de piso, determinando à UNIMED NATAL que se abstenha de interromper o [seu] tratamento [...], mantendo-o inalterado, nos termos da prescrição médica e da equipe multidisciplinar (id. 14668218, p. 56, destaques no original).

Deferi a tutela antecipada recursal na decisão de id. 14690884.

Contrarrazões da UNIMED NATAL no id. 14982353 requerendo o desprovimento do agravo de instrumento, com a manutenção da decisão a quo.

A UNIMED NATAL, ademais, interpôs agravo interno contra a decisão que deferiu a tutela antecipada recursal (id. 14982369).

Parecer da 7.ª Procuradoria de Justiça pelo conhecimento e desprovimento do agravo (id. 15078300).

Impugnação do recorrente ao agravo interno aviado pela UNIMED NATAL no id. 16189445.

É o relatório.

VOTO


Considerando que a matéria discutida no agravo interno é a mesma aventada no agravo de instrumento e estando este devidamente instruído, ambos os recursos podem ser julgados na mesma assentada, com vistas a privilegiar a celeridade, a economia processual e a duração razoável do processo (art.5º, inciso LXXVIII, CF; art. 4º, CPC/2015).

De acordo com o caderno processual, o agravante foi diagnosticado com transtorno do espectro autista – TEA, tendo o médico assistente indicado a realização de tratamento multidisciplinar com acompanhamento terapêutico no ambiente escolar e domiciliar, o que vinha sendo prestado pelo plano de saúde réu.

Diante desse cenário, requereu a concessão de tutela provisória para determinar que o plano de saúde se abstenha de promover a interrupção do tratamento do autor, mantendo-o inalterado, nos termos da prescrição médica.

Conforme relatado, o Juízo a quo indeferiu a tutela de urgência pleiteada.

Com efeito, deve-se destacar que no laudo médico (Id 14669473 - Pág.
55) consta a recomendação de “ABA (Análise do comportamento aplicada) com assistente terapêutico (AT) escolar e domiciliar”, sendo que este item específico não pode ser considerado como de responsabilidade do plano de saúde recorrido.
Com efeito, entendo que laborou com acerto o juízo monocrático, eis que, num primeiro olhar, não ocorreu a interrupção do tratamento antes deferido pelo plano de saúde, como alegado pelo(a) Agravante, mas apenas a adequação do tratamento, que não mais será prestado em ambiente escolar e domiciliar, pois ausente respaldo legal para tanto.
Entretanto, restou assegurada a continuidade do tratamento, a ser realizado, agora, nas clínicas credenciadas (Id 14669473 - Pág. 96).
Por oportuno, ressalto que a Lei nº 12.764/2012 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, consignando expressamente, como direto da pessoa autista, o atendimento multiprofissional, o que corrobora com a obrigação de fornecimento pela demandada do tratamento prescrito pela médica do autor.

Contudo, no caso concreto, deve-se destacar que a prescrição médica não pode impor à Agravada o dever de arcar com o tratamento do(a) Agravante com especialidades além de sua área de atuação, tal como acompanhamento domiciliar e escolar.
Isso porque, a recomendação é voltada ao desenvolvimento educacional da criança, não guardando uma relação direta com o objeto do contrato, o qual se destina a cobrir tratamentos de saúde.
Ademais, tem-se que o tratamento pela equipe multidisciplinar deverá ser oferecido, preferencialmente, por profissionais que integram os quadros na rede credenciada pelo Plano de Saúde, o qual não pode ser compelido a prestar o serviço através de profissionais estranhos aos seus quadros.

Nessa linha de pensar, registro não ser possível obrigar o plano de saúde a custear atividades de natureza pedagógica, a serem realizadas fora do ambiente clínico (domicílio e escola), pois não inclusas na relação contratual firmada entre as partes.

Neste sentido cito precedentes deste Tribunal, por suas Três Câmaras Cíveis:

EMENTA: PROCESSO CIVIL.
AÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM AUTISMO. PRESCRIÇÃO DE TRATAMENTO MEDIANTE TERAPIAS DIVERSAS. SUSPENSÃO DA COBERTURA FORA DO AMBIENTE CLÍNICO. ADMISSIBILIDADE. ACOMPANHAMENTO DOMICILIAR E ESCOLAR QUE EXTRAPOLAM A FINALIDADE DO PLANO DE SAÚDE, QUE NÃO TEM OBRIGAÇÃO DE CUSTEAR O SERVIÇO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. REFORMA PARCIAL DA DECISÃO RECORRIDA. (AGRAVO DE INSTRUMENTO, 0805874-32.2022.8.20.0000, Des. Amaury Moura Sobrinho, Terceira Câmara Cível, ASSINADO em 27/10/2022).

EMENTA: DIREITOS CIVIL, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA PARCIALMENTE DEFERIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. CRIANÇA PORTADORA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA-TEA. ASSISTENTE
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