Acórdão Nº 08058767820208205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal, 15-06-2022

Data de Julgamento15 Junho 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08058767820208205106
Órgão2ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0805876-78.2020.8.20.5106
Polo ativo
MIRIAM MONTEIRO DE LIMA
Advogado(s): JOAO DOS SANTOS MENDONCA
Polo passivo
FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS NAO PADRONIZADOS NPL II
Advogado(s): ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

2ª TURMA RECURSAL

Gabinete do Juiz Fábio Antônio Correia Filgueira

RECURSO INOMINADO CÍVEL Nº 0805876-78.2020.8.20.5106

RECORRENTE: MIRIAM MONTEIRO DE LIMA

ADVOGADO: JOÃO DOS SANTOS MENDONCA – OAB/RN 18230-B

RECORRIDO: FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS NAO PADRONIZADOS NPL II

ADVOGADO: ANTONIO DE MORAES DOURADO NETO – OAB/PE 23255-A

RELATOR: JUIZ FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. REJEIÇÃO. INSCRIÇÃO NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE CONTRATO ORIGINÁRIO DA DÍVIDA. SIMPLES PRINT DE TELA DE CADASTRO DO PRÓPRIO FORNECEDOR DO SERVIÇO. DOCUMENTAÇÃO INSUFICIENTE. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL IN RE IPSA. ARBITRAMENTO. QUANTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÕES POSTERIORES. CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. CONSIDERAÇÃO DAS PARTICULARIDADES DO CASO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

DECIDEM os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, afastar a impugnação à justiça gratuita, conhecer do Recurso Inominado e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Juiz Relator. Sem condenação em custas e em honorários.

Natal/RN, data da assinatura digital.

FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA

1° Juiz Relator


RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto por MIRIAM MONTEIRO DE LIMA contra a sentença que julgou improcedente o pedido inicial.

De acordo com os fundamentos da sentença, a magistrada sentenciante entendeu ser devido o débito, haja vista que a empresa ré, ora recorrida, teria agido no exercício regular de um direito, de forma que não lhe poderia ser imputada a responsabilidade civil e a consequente obrigação de indenizar, segundo o art. 188, I, do Código Civil.

Em suas razões, a recorrente/autora aduziu a necessidade da reforma do decisum combatido, uma vez que não restou comprovada a cessão do crédito, nem a comunicação desta, conforme preceitua o art. 290 do Código Civil. Ainda, aduziu a inexistência, nos autos, do contrato originário objeto da cessão.

Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, condenando o recorrido ao pagamento de indenização por danos morais, conforme pleiteado na inicial, no valor de R$ 10.000,00. Pediu o benefício da justiça gratuita.

Em suas contrarrazões, a recorrida pugnou, preliminarmente, pelo indeferimento do pedido de justiça gratuita à recorrente, e, no mérito, pelo total desprovimento do recurso.


VOTO

De antemão, confirmo o deferimento do pedido de justiça gratuita à recorrente, uma vez que já concedido na sentença (ID 13653154), nos termos dos arts. 98 e 99, § 3°, ambos do CPC, até porque, apesar da impugnação ofertada em contrarrazões, a recorrida não apresentou nenhum elemento capaz de desfazer a presunção relativa de veracidade da alegação de hipossuficiência, conforme ônus que lhe competia.

Assim, rejeito a preliminar suscitada e dispenso a recorrente do recolhimento do preparo, a teor do art.99, §7º, do CPC.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Em relação ao mérito recursal, assiste razão à recorrente, embora não em todos os fundamentos jurídicos aduzidos.

Quanto à ausência da comunicação da cessão, o STJ tem entendimento reiterado de que a falta desta não torna a dívida inexigível nem impede a prática, pelo novo credor, o cessionário, dos atos necessários à preservação dos direitos cedidos. Veja-se:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO FIXO COM REPASSE FINAME. LEGITIMIDADE DA PARTE AUTORA. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITO. NÃO INTERFERÊNCIA NA EXIGÊNCIA OU EXISTÊNCIA DA DÍVIDA. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N. 83/STJ. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. NATUREZA DA GARANTIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a ausência de notificação do devedor acerca da cessão do crédito (art. 290 do CC/2002) não torna a dívida inexigível, tampouco impede o novo credor de praticar os atos necessários à preservação dos direitos cedidos, bem como não exime o devedor da obrigação de arcar com a dívida contraída.

(...)

5. Agravo interno improvido. (STJ, AgInt no AREsp 1637202/MS, 3ªT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, j. 24/08/2020, DJe 01/09/2020).

Por outro lado, assiste-lhe razão quanto à ilegitimidade da inscrição haja vista a ausência de contrato originário e/ou documentos que comprovassem a relação jurídica entre as partes.

No caso, para comprovar a legitimidade da negativação, o recorrido trouxe aos autos: o contrato de cessão e aquisição de direitos de crédito (ID 13653134), firmado entre o Banco cedente e o Fundo de Investimentos cessionário; a comunicação da cessão - Serasa (ID 13653136) e prints de telas de seu próprio sistema interno de informática. No entanto, não juntou aos autos documentos comprobatórios a respeito do contrato originário e do débito dele proveniente.

Ressalte-se, nenhum dos mencionados documentos registra, sequer, a assinatura da recorrente, e a impressão de telas de computador, desacompanhadas de outro elemento que possa exprimir a autenticidade da contratação pela recorrente, como, por exemplo, o contrato assinado ou a gravação da solicitação da contratação por ligação telefônica, revela-se insuficiente para demonstrar a relação jurídica entre as partes, porque produzidas de forma unilateral pelo fornecedor do serviço, conforme já decidiu o E. TJRN. Transcreva-se:

CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXCLUSÃO DA NEGATIVAÇÃO QUE SE IMPÕE. INSCRIÇÃO DO NOME DA PARTE AUTORA EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO, OCASIONADA POR DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. AUSÊNCIA DE CONTRATO FIRMADO E DE OUTROS DOCUMENTOS QUE COMPROVEM RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES. TELAS DE COMPUTADOR INSUFICIENTES. INDENIZAÇÃO DEVIDA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 385 DO STJ. EXISTÊNCIA DE ANOTAÇÃO ANTERIOR QUE FOI DECLARADA ILEGÍTIMA PELO JUDICIÁRIO. DISCUSSÃO QUANTO AO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM DE R$ 5.000,00 ARBITRADO NA SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDO POR SEGUIR O ENTENDIMENTO FIRMADO NESTA CÂMARA CÍVEL. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 54 DO STJ QUANTO À INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA POR SE TRATAR DE RELAÇÃO EXTRACONTRATUAL. REFORMA DA SENTENÇA SOMENTE NESTE ASPECTO. APELAÇÃO INTERPOSTA PELO CONSUMIDOR PROVIDA. RECURSO INTERPOSTO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DESPROVIDO. (TJRN, Apelação Cível nº 0811119-37.2014.8.20.5001, 3ª CC, Rela. Juíza Convocada Dra. Maria Neize de Andrade, j. 27/07/2021).

CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL. INCLUSÃO DE NOME EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. JUNTADA DE IMPRESSOS DE TELA DE COMPUTADOR E FATURAS EM ABERTO. DOCUMENTOS PRODUZIDOS UNILATERALMENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DAS FATURAS. INSCRIÇÃO INDEVIDA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MORAL IN RE IPSA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO EVIDENCIADA. EXCLUSÃO DA CONDENAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. APELO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. (TJRN, Apelação Cível nº 2013.018279-7, 1ª CC, Rel. Des. Dilermando Mota, j.16/07/2015).

Ademais, é obrigação do cessionário permitir que o cedido tenha acesso ao conteúdo do contrato de cessão, em homenagem à boa-fé objetiva, como forma de lhe assegurar o direito à informação, estabelecido no art. 6º do CDC, de modo a lhe possibilitar formular exceções pessoais ao cessionário e ao cedente, nos termos do art. 294 do CC, como, p.ex., remissão, confusão e compensação, além da prescrição da dívida.

Desse modo, pode-se assegurar que o recorrido não logrou êxito em demonstrar a legitimidade da dívida e da negativação questionadas nos autos, porque, na condição de fornecedor do serviço, não se desincumbiu do ônus que lhe competia de provar o vínculo contratual originário firmado entre as partes, já que se limitou a apresentar prints das telas do seu próprio sistema de informática.

Portanto, constatada a ilicitude da negativação combatida, a declaração de inexigibilidade do débito é medida que se impõe, restando configurado o dano moral, que tem natureza in re ipsa.

Sobre o tema com o mesmo suporte fático, eis que o entendimento da jurisprudência:

AÇÃO DECLARATÓRIA – CESSÃO DE CRÉDITO – NEGATIVAÇÃO INDEVIDA – Caracterizada relação de consumo – Inversão do ônus da prova – Embora os documentos juntados demonstrem que o fundo de investimento réu recebeu os créditos por cessão, não há nos autos qualquer documento que comprove que referidos créditos tenham sido regularmente constituídos – Ausência de comprovação da efetiva existência das dívidas do autor junto ao Banco Santander S/A, que tenham sido objeto da cessão de crédito realizada – Reconhecida a ilegalidade da inscrição do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito – Declaração de inexigibilidade dos débitos –...

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