Acórdão Nº 08063239220198200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 20-08-2021

Data de Julgamento20 Agosto 2021
Classe processualREPRESENTAÇÃO CRIMINAL/NOTÍCIA DE CRIME
Número do processo08063239220198200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: REPRESENTAÇÃO CRIMINAL/NOTÍCIA DE CRIME - 0806323-92.2019.8.20.0000
Polo ativo
DANIEL COSTA DANTAS
Advogado(s): SILDILON MAIA THOMAZ DO NASCIMENTO
Polo passivo
JOSE MORGANIO PAIVA
Advogado(s): ANDRE GOMES DE SOUSA ALVES

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. ARTS. 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. AUTORIA DELITIVA ATRIBUÍDA À PREFEITO MUNICIPAL. PRELIMINAR. ABSORÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA PELO CRIME DE DIFAMAÇÃO. TIPOS PENAIS QUE RESGUARDAM DIMENSÕES DISTINTAS DO BEM JURÍDICO TUTELADO. REJEIÇÃO. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. MATÉRIAS AFETAS AO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. MÉRITO. FATOS NARRADOS QUE EVIDENTEMENTE NÃO CONSTITUEM CRIMES. PRONUNCIAMENTO DO PREFEITO EM SESSÃO DA CÂMARA MUNICIPAL, NO ÂMBITO DE DISCUSSÃO COM A OPOSIÇÃO SOBRE EXONERAÇÕES DE SERVIDORES DO MUNICÍPIO. CRÍTICAS À ESTRATÉGIA JURÍDICA UTILIZADA PELOS PATRONOS DOS SERVIDORES EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS E JUDICIAIS, SEM MENÇÃO EXPRESSA AO NOME DO QUERELANTE. TERMOS QUE NÃO ULTRAPASSAM O DIREITO DE CRÍTICA. MOTIVAÇÃO, CONOTAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS DOS FATOS IMPUTADOS. IRRELEVÂNCIA PARA O DIREITO PENAL. IMPROCEDÊNCIA DA QUEIXA-CRIME. ART. 6º, CAPUT, DA LEI Nº 8.038/90.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Acordam os Desembargadores que integram o Órgão Plenário deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar de absorção do crime de injúria pelo crime de difamação e, ainda, em transferir para a discussão de mérito as preliminares de ausência de justa causa e de dolo específico. Em sede de juízo de admissibilidade da queixa-crime, acordam os Desembargadores, pela mesma votação, em julgar improcedente a queixa-crime, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de queixa-crime promovida por DANIEL COSTA DANTAS em face de JOSE MORGANIO PAIVA, pela suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 139 e 140 do Código Penal.

O querelante, advogado atuante no Município de Ipueira, alega que, no dia 17 de setembro de 2019, durante sessão ordinária da Câmara Municipal daquele Município, o querelado fez duas referências negativas à atuação profissional do querelante.

Afirma que ao referir-se ao trabalho do querelante como ‘rinha política’, ‘coisa infantil’ e ‘não profissional’, o querelado praticou o crime de injúria (art. 140 do Código Penal), por 03 (três) vezes, eis que lhe atribuiu qualidades negativas, com teor inegavelmente pejorativo e que rebaixaram a sua atuação profissional e que, ao alegar que o querelante fez ‘defesa a título de barganha, para tumultuar o negócio’, o querelado praticou o crime de difamação (art. 139), atribuindo-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Alega, ainda, que a transmissão ao vivo do pronunciamento do Prefeito, através da rede mundial de computadores resultou em inúmeros comentários, compartilhamentos, visualizações e curtidas nas redes, potencializando os crimes e fazendo incidir a causa de aumento prevista no art. 140, III, do Código Penal.

Pugna pela designação de audiência de reconciliação e, esta não ocorrendo, pelo recebimento da queixa crime, com a conseguinte condenação do querelado, requerendo, por fim, a fixação do valor mínimo da reparação civil em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Em resposta, o querelado suscita preliminares de absorção do crime de injúria pelo crime de difamação, ausência de justa causa para deflagração da ação penal e, ainda, ausência de dolo específico do agente querelado.

No mérito, explica o querelado que toda controvérsia se iniciou após entrevista do querelante no Programa Mesa Redonda com Deputado Vivaldo Costa, no dia 31/08/2019, em que o querelante afirmou que as exonerações e demissões ocorridas com seus clientes seriam fruto de uma perseguição política operacionalizada pelo querelado.

Diz que, se aproveitando da comoção social gerada pela entrevista, os Vereadores da oposição fizeram uso da Tribuna da Casa Legislativa para tecer críticas e incitar a população do Município de Ipueira contra a gestão do querelado, o que motivou sua ida àquele parlamento, para exercer sua defesa política.

Defende que não se vislumbra em absolutamente momento algum da fala do querelado, qualquer animus injuriandi e tampouco animus difamandi”, mas que, há sim uma crítica à atuação do causídico dos funcionários públicos, que em conluio com adversários políticos do prefeito, gerou grave instabilidade política no Município.

Requer, pois, o acolhimento das preliminares, a rejeição da denúncia ou, subsidiariamente, a absolvição.

Em sede de impugnação à defesa preliminar, o querelante reforça a presença dos pressupostos para a deflagração da ação penal privada. Sustenta, ainda, ser incabível a absorção, eis que os crimes de injúria e difamação foram praticados em momentos distintos da fala do querelado e, ainda, que a própria peça defensiva apresenta confissão quanto aos fatos articulados na peça vestibular.

Instado a se pronunciar, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, na figura do Procurador-Geral de Justiça, opina pelo recebimento parcial da queixa-crime, tão somente com relação à acusação de injúria.

No Despacho Id. Num. 8484447 determinei a expedição de Carta de Ordem ao Criminal da Comarca de São João do Sabugi, para tentativa de composição civil, a qual restou infrutífera.

É o relatório.

VOTO

Antes de adentrar no juízo de admissibilidade da queixa-crime, entendo que deve ser afastada a preliminar de absorção do crime de injúria pelo crime de difamação, suscitada pelo querelado.

Como bem salientado pelo Procurador-Geral de Justiça em seu parecer, os referidos tipos penais tutelam dimensões distintas honra. Nesse sentido, destaco:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. [...] VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO QUE PROÍBE O BIS IN IDEM. ABSORÇÃO OU CONSUNÇÃO DOS DELITOS DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA PELO CRIME DE CALÚNIA. IMPOSSIBILIDADE. IMPUTAÇÃO DE FATOS DISTINTOS. DIVERSIDADE DE BENS JURÍDICOS TUTELADOS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. 1. Ainda que diversas ofensas tenham sido assacadas por meio de uma única carta, a simples imputação à acusada dos crimes de calúnia, injúria e difamação não caracteriza ofensa ao princípio que proíbe o bis in idem, já que os crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal tutelam bens jurídicos distintos, não se podendo asseverar de antemão que o primeiro absorveria os demais. 2. Ademais, na hipótese em análise, verifica-se que diferentes afirmações constantes da missiva atribuída à recorrente foram utilizadas para caracterizar os crimes de calúnia e de difamação, não se podendo afirmar que teria havido dupla persecução pelos mesmos fatos. 3. Por outro lado, embora os referidos dizeres também tenham sido considerados para fins de evidenciar o cometimento de injúria, o certo é que tal infração penal, por tutelar bem jurídico diverso daquele protegido na calúnia e na difamação, a princípio, não pode ser por elas absorvido. 4. Para que se possa aferir se as condutas imputadas ao acusado estariam interligadas por um nexo de dependência, seria necessário o exame de matéria fático-probatória, procedimento incompatível com a via eleita. 5. Recurso desprovido. (RHC 41.527/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 11/03/2015)

No que toca às preliminares de ausência de justa causa e ausência de dolo específico, entendo que configuram matérias afetas ao juízo de admissibilidade da peça acusatória, devendo sua discussão ser transferia para aquela fase.

Assim, sem mais delongas, rejeito a preliminar de absorção do crime de injúria pelo crime de difamação e transfiro as demais preliminares suscitadas pelo querelado para a discussão de mérito.

No mérito, adianto que meu voto é pela improcedência da queixa-crime, com base no art. 6º da Lei nº 8.038/90, eis que, no entendimento deste Relator, o provimento jurisdicional prescinde de outras provas.

Consoante a queixa-crime, o querelado, em discurso proferido na tribuna da Câmara Municipal de Ipueira, transmitido ao vivo pela rede mundial de computadores, teria injuriado o querelante por três vezes e o difamado, uma vez, por meio das seguintes declarações, respectivamente:

“[...]Toda defesa construída pelo advogado foi na perspectiva de trazer os agentes comunitários de saúde de Ipueira pra dentro de uma situação que eu acho que foi uma “rinha” política, uma coisa infantil e não profissional, é, na tentativa de fazer com que o efeito dessas medidas, ela tivesse uma, eu digo, uma dimensão maior...

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