Acórdão Nº 08071486520218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 15-10-2021

Data de Julgamento15 Outubro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08071486520218200000
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0807148-65.2021.8.20.0000
Polo ativo
HUMANA ASSISTENCIA MEDICA LTDA
Advogado(s): MARCUS VINICIUS DE ALBUQUERQUE BARRETO
Polo passivo
VANESSA KELLY MIRANDA MONTEIRO
Advogado(s): ALINE GABRIELE GURGEL DUTRA DE ALMEIDA, DEBORA DE FARIA GURGEL

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO DO PLEITO INICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROTOCOLADO PELO PLANO DE SAÚDE. PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. RECUSA EM AUTORIZAR INTERNAÇÃO DA AUTORA DIANTE DO NÃO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE CARÊNCIA. TESE INSUFICIENTE A PERMITIR A REFORMA DA DECISÃO. GESTANTE ATENDIDA EM UNIDADE HOSPITALAR COM DORES NAS REGIÕES PÉLVICA E PERINEAL. ÓBITO FETAL CONSTATADO PELA MÉDICA QUE A RECEBEU. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO (CESÁREA) APONTADO PELA PROFISSIONAL DA SAÚDE COMO NECESSÁRIO E URGENTE, SOB PENA DE RISCO DE MORTE DA PACIENTE. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE, ESPECIALMENTE DIANTE DA POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DA MEDIDA, CASO A DEMANDA SEJA JULGADA AO FINAL, IMPROCEDENTE. PRECEDENTES. PROVIMENTO JUDICIAL MANTIDO. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma e sem parecer ministerial, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto da relatora.

RELATÓRIO

Vanessa Kelly Miranda Monteiro protocolou Ação Ordinária nº 0802135-93.2021.8.20.5300 contra a Humana Assistência Médica Ltda e ao decidir sobre o pedido de tutela antecipada, o MM. Juiz do Plantão Diurno Cível Região I deferiu a pretensão e determinou ao plano de saúde contratado que “viabilize, imediatamente, o procedimento cirúrgico prescrito (cesárea de emergência) e tratamento hospitalar necessários para o restabelecimento da saúde da autora”.

A seguir, determinou a intimação da demandada para cumprimento imediato da ordem judicial, sob pena de responsabilidade pela omissão, bem assim de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser revertida em favor da requerente.

Descontente, a demandada protocolou agravo de instrumento, em síntese, com os seguintes argumentos (Id 9968140, págs. 01/12):

a) “não houve negativa de pronto-socorro de caso de emergência ou urgência, visto que a paciente/beneficiária fora regularmente admitida em estabelecimento médico habilitado pela operadora”;

b) não há obrigação legal ou contratual de internação no período de carência;

d) os atendimentos de urgência e emergência relacionados ao processo gestacional devem seguir os mesmos termos do art. 2º da Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU Nº 13 de 03.11.98, isto é, a cobertura limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento e, após esse interstício inserido no contexto de urgência/emergência, a sua continuidade, inclusive a partir da necessidade de internação, passa a ser de responsabilidade do(a) contratante, não cabendo ônus à operadora.

Pediu, então, que seja reformada a decisão combatida, negando-se provimento à tutela de urgência e determinando a reversão dos efeitos financeiros das despesas eventualmente já realizadas.

Em contrarrazões, a agravada rebateu as teses da parte adversa e requereu o desprovimento do inconformismo (Id 10436198, págs. 01/08).

O preparo foi recolhido (Id 9968148, págs. 01/02).

O Dr. Fernando Batista de Vasconcelos, 12° Procurador de Justiça, em substituição legal à 10ª Procuradora de Justiça, declinou da intervenção ministerial (Id 10515193).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Ao examinar o feito, vejo que a Humana Assistência Médica Ltda busca a reforma da decisão agravada que lhe impôs a obrigação de viabilizar, imediatamente, o procedimento cirúrgico prescrito (cesárea de emergência) e tratamento hospitalar necessários para o restabelecimento da saúde da autora, ora agravada.

Como justificativa, a recorrente alega não ter obrigação de arcar com os custos do pleito vindicado (internação e procedimento cirúrgico da beneficiária) por estar em curso o período de carência previamente estabelecido na relação jurídica firmada entre os litigantes.

Sem razão, todavia. Explico.

Na realidade dos autos, é certo que Vanessa Kelly Miranda Monteiro contratou plano de saúde com a empresa demandada em 01.02.21 (Id 9968147) e necessitou buscar atendimento no Hospital Promater em 22.05.21, após sentir dores nas regiões pélvica e perineal, conforme documento de admissão da paciente na referida unidade (Id 10436898, pág. 117).

No local, foi atendida pela Dra. Virginia Georgia de Medeiros Coelho Lima, Ginecologista e Obstetra (CRM 9489), que emitiu relatório médico nos seguintes termos (Id 10436898, pág. 17):

(...)

ATESTO, PARA DOS DEVIDOS FINS, QUE VANESSA KELLY MIRANDA MONTEIRO, 35 ANOS, PRIMIGESTA, APRESENTA ÓBITO FÉTAL INTRAUTERINO E DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA, PORTANTO, A PACIENTE SUPRACITADA TEM ALTO RISCO DE COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA DEVIDO PERDA SANGUÍNEA EXCESSIVA, INSUFICIÊNCIA RENAL E MORTE MATERNA CASO NÃO SEJA REALIZADO CESAREANA DE EMERGÊNCIA.

cid: O45 E O36.4

(...)4FW

Nesse cenário, ainda que ela esteja cumprindo o período de carência contratual superior ao prazo de 24 (vinte e quatro) horas, não há dúvida quanto à abusividade na conduta da contratada, ao negar autorização para internação e atendimento, em casos de urgência e emergência, inclusive, nesse pensar, trago o enunciado da Súmula 30 desta Corte Potiguar, in verbis:

É abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de atendimento de urgência ou emergência a pretexto de estar em curso período de carência que não seja o prazo de 24 (vinte e quatro) horas estabelecido no art. 12, V, “c”, da Lei n. 9.656/1998.

Além disso, o direito pleiteado pela demandante encontra respaldo no art. 12 da Lei nº. 9.656/1998, que estabelece:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

(...)

V – quando fixar períodos de carência:

a) prazo máximo de trezentos dias para prazo a termo;

b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;

c) prazo máximo de vinte e quatro horas a cobertura dos casos de urgência e emergência;

(...)

Logo, restando evidente que a legislação de regência limita o período de carência ao prazo máximo de 24 (vinte e quatro horas) para a cobertura em casos de urgência e emergência, não há razão para reforma da decisão de primeira instância, eis que patente a necessidade de internação da paciente gestante, Vanessa Kelly Miranda Monteiro, e de sua imediata submissão a procedimento cirúrgico (cesárea) em decorrência de óbito fetal, sob pena até mesmo de risco de morte.

E mais: mister observar que, no caso concreto:

a) o que está em risco, de um lado, é a saúde da requerente, bem jurídico extremamente relevante e que deve se sobrepor em relação a qualquer outro, especialmente porque se o primeiro não for colocado como prioridade, a beneficiária poderá sofrer sérias consequências podendo, até mesmo, chegar a falecer;

b) nada impede, por outro lado, que se a ação ordinária for julgada, ao final, improcedente, o plano de saúde adote os meios cabíveis e que lhe são perfeitamente acessíveis, naturalmente, para reaver os prejuízos suportados pelas despesas decorrentes do cumprimento da obrigação de fazer imposta na decisão precária proferida pelo juízo de origem e ratificada nessa instância.

Nesse viés, trago julgados desta Corte de Justiça:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO QUE DETERMINOU A AUTORIZAÇÀO E CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO POR PLANO DE SAÚDE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE COBERTURA EM VIRTUDE DE CARÊNCIA. REJEIÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. O art. 12, V, alínea “a” a Lei nº 9.656/1998 autoriza o prazo máximo de 300 (trezentos) dias para partos a termo, não fixando, com precisão, o termo inicial para contagem do prazo.

2. Deve-se ter como marco inicial da vigência do contrato e da contagem do prazo de carência o dia da celebração do pacto, consubstanciada na assinatura do instrumento, o que se mostra em consonância com o enunciado da Súmula nº 597 do STJ, que estabelece que o período de carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de urgência e emergência deve ser contado a partir da data da contratação.

3. A recusa da agravante em autorizar o procedimento mostra-se ilegítima, pois a postergação do início da vigência contratual ou do prazo de carência para momento posterior à assinatura do pacto deve ser considerada abusiva e nula de pleno direito, por gerar, na prática, acréscimo indevido na contagem do prazo de carência.

4. Tratando-se de urgência, inaplicável o prazo de carência contratual, vez que a não autorização do procedimento de parto cesárea solicitado pela médica que acompanha a agravada poderia acarretar grave risco à parte autora, em face dos problemas de saúde que lhe acometem, dentre eles a hipertensão gestacional.

5. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

(TJRN, Agravo de Instrumento 0807057-09.2020.8.20.0000, Relator: Des. Virgílio Macêdo, 2ª Câmara Cível, assinado em 07/05/2021)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROCEDIMENTO MÉDICO E HOSPITALAR DE URGÊNCIA NECESSÁRIA À SAÚDE DO PACIENTE. INDICAÇÃO MÉDICA DE CIRURGIA COM CARÁTER DE URGÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA. ALEGAÇÃO DE PERÍODO DE CARÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO QUE CONCEDEU A TUTELA DE...

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