Acórdão Nº 08073651120218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 15-07-2021

Data de Julgamento15 Julho 2021
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08073651120218200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0807365-11.2021.8.20.0000
Polo ativo
9ª DEFENSORIA CRIMINAL DE NATAL
Advogado(s):
Polo passivo
JUÍZO DA 9ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE NATAL
Advogado(s):

Habeas Corpus com pedido liminar nº 0807365-11.2021.20.0000

Impetrante: Defensoria Pública

Paciente: Alexsandra de Oliveira Feitosa

Aut. Coatora: Juíza da 9ª VCrim de Natal

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CP). RETROATIVIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). INCIDÊNCIA PARA DELITOS COMETIDOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO PACOTE ANTICRIME. NORMA DE NATUREZA HÍBRIDA. VIABILIDADE ATÉ O ADVENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECUSA DE OFERECIMENTO DO AJUSTE PELO MP NA ORIGEM. IMPERIOSA REMESSA DOS AUTOS AO ÓRGÃO MINISTERIAL SUPERIOR (ART. 28-A, §14 DO CPP). ORDEM CONCEDIDA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal, por maioria de votos,, em dissonância com 13ª Procuradoria de Justiça, conceder a ordem, nos termos do voto do Relator. Vencido o Desembargador Glauber Rêgo, denegava a ordem.

RELATÓRIO

1. Habeas Corpus impetrado em favor de Alexsandra de Oliveira Feitosa , apontando como autoridade coatora a Juíza da 9ª VCrim de Natal, a qual, nos autos 0109643-91.2019.8.20.0001, onde a paciente se acha incursa no art. 180, caput, do CP, denegou a possibilidade de oferecimento de “Acordo de Não Persecução Penal”, uma vez já recebida a denúncia (ID 10039245).

2. Aduz, em linhas gerais, ser possível a retroatividade do ANPP (advinda do Pacote Anticrime) devido à sua natureza de norma processual híbrida (mais benéfica) (ID 10038103).

3. Pugna, ao cabo, pela remessa da actio ao Órgão Superior do Ministério Público para eventual propositura de acordo (considerando a recusa do promotor natural) e, subsidiariamente, seja suspenso o feito, diante da pendência de julgamento do HC 185913, afetado ao plenário do STF.

4. Junta os documentos constantes dos IDs 10039244 e ss.

5. Certificou a inexistência de ordem anterior (ID 10067280).

6. Informações prestadas de ID 10105792.

7. Parecer pela denegação (ID 10150982).

8. É, no essencial, o relatório.

VOTO

9. Conheço da ordem.

10. No mais, merece prosperar o writ.

11. Antes de adentrar no meritum propriamente dito, é curial uma breve incursão nesse novel instituto, objeto de diretriz pelo CNMP, através da Resolução 181/17, e inserido posteriormente no CPP em seu art. 28-A[1], por força de Lei 13.964/19.

12. Sob a exegética da justiça consensual, o ANPP pode ser conceituado como um ajuste obrigacional celebrado entre a acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o inculpado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições bem menos severas em face daquelas imanentes ao tipo.

13. Sua natureza é híbrida, porquanto, malgrado o contexto processualístico, regendo atos praticados pelas partes durante a investigação ou o trâmite processual, tem forte conteúdo de direito material, como leciona Renato Brasileiro de Lima:

“… normas processuais materiais (mistas ou híbridas): são aquelas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal. Normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade). De sua vez, normas processuais penais são aquelas que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna…".

(LIMA, Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal: 8ª. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p. 92).

14. Decerto, por atingir o ius puniendi e, consequentemente, a extinção da punibilidade pelo advento do cumprimento do ajustado, conclui-se, portanto, pela seu âmago processual misto, sendo imperativa sua retroatividade, notadamente pelo corolário da novatio in mellius (art. 5º, XL, da CF[2]).

15. No âmbito dos Tribunais Superiores, a matéria ainda não foi pacificada, havendo divergência, por exemplo, entre a 5ª e 6ª Turmas do STJ.

16. Todavia, essa posição mais garantista (viabilidade da retrocessão) vinha sendo encampada pela 6ª Turma do STJ e, ainda, encontra respaldo neste Tribunal e TRF´s.

17. A propósito, a ratio até então empregada pela 6ª Turma, ao meu ver, deve ser tido como referencial desse viés despenalizador:

PEDIDO DE EXTENSÃO NO AGRAVO REGIMENTAL DO HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. PENAS MÍNIMAS SOMADAS INFERIORES À QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACOTE ANTICRIME. NATUREZA MISTA DA NORMA. RETROATIVIDADE. PEDIDO EXTENSIVO DEFERIDO. 1. Dispõe o art. 580 do Código de Processo Penal que, "No caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros".

2. O cumprimento integral do acordo de não persecução penal gera a extinção da punibilidade, previsto no art. 28-A do CPP, com a redação dada pela Lei 13.964/2019, de modo que, como norma de natureza jurídica mista e mais benéfica ao réu, deve retroagir em seu benefício em processos não transitados em julgado.

3. Estando o ora requerente nas mesmas condições fáticas, faz jus à extensão do efeitos da ordem concedida ao corréu.

4. Pedido de extensão deferido a PANTALEÃO ESTEVAM DE MEDEIROS. (PExt no AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).

18. É importante frisar haver aquele Colegiado, recentemente, voltado a enfrentar a quaestio (HC 628.647), anuindo, desta feita, às convicções da 5ª Turma[3] (apenas para processos sem denúncia recebida).

19. Entretanto, é preciso consignar, o juízo delibatório desse writ foi por demais conturbado, sobretudo com a mudança de relatoria (decorrente da aposentadoria do Ministro Néfi Cordeiro), quando então o placar de julgamento outrora observado foi revertido.

20. De todo modo, ante a ausência de julgado vinculativo e até sobrevir fixação de tese junto ao STF (HC 185.913), inexiste razão para superar o entendimento albergado pelos Tribunais Regionais Federais e outras Cortes de Justiça, cuja hermenêutica assecuratória, frise-se, restou observada no âmbito desta Câmara Criminal.

21. Nesse particular, ao se debruçar sobre a temática, esta Corte, através da Câmara Criminal, entendeu por estabelecer como marco para retroatividade até o advento de sentença condenatória, vejamos:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL CULPOSA QUALIFICADA (ART. 303, §2º DO CTB). PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DA ORDEM, SUSCITADA PELA PGJ. OMISSÃO LEGAL NO TOCANTE A INTERPOSIÇÃO DE RESE EM PROVIMENTOS DENEGATÓRIOS DE OFERECIMENTO DO ANPP. REJEIÇÃO. MÉRITO: RETROATIVIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. VIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DO INSTITUTO PARA OS DELITOS COMETIDOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO PACOTE ANTICRIME. ATÉ O ADVENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA. (HC 0801311-29.2021.8.20.0000, Rel. Juiz Convocado Roberto Guedes, julgado em 30/03/2021).

22. Estabelecidas tais premissas e volvendo-me ao caso, observo haver sido a Paciente flagranteada no dia 04/11/2019, pelo delito do art. 180, caput, do CP, sendo oferecida denúncia em 08/01/2020 (ID 10039244 – p. 01/04), com recebimento datado de 13/01/2020 (ID 10039244 – p. 05/06).

23. Logo, não obstante acolhida a exordial acusatória antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019 (23/01/2020), deveria a Magistrada a quo, diante da recusa de oferecimento do ajuste pelo Ministério Público na origem (ID 10039245 – p. 01/05), encaminhar o feito a PGJ para pronunciamento, consoante prescreve o art. 28-A, §14 do CPP.

24. Insta ressaltar haver a Defensoria, em manifestação prévia, intentado a aplicação do pacto e observância ao dispositivo suso, tendo sido o pleito indeferido sob o seguinte argumento (ID 10039245 – p. 07/08):

“(...) Em consonância com a manifestação ministerial acerca da impossibilidade de oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal, entende-se que o pleito formulado pela Defesa deve ser indeferido.

A questão é que, por se tratar de medida visando impedir a judicialização criminal e considerando a limitação imposta pelo legislador ao usar o termo "investigado", bem como a previsão de homologação pelo juiz de garantias, com atuação apenas na primeira etapa de investigação, em tese, sopesa-se que o ANPP tem cabimento até o reconhecimento da peça acusatória e, claro, desde que não seja caso de arquivamento.

O ANPP esgota-se na etapa pré-processual, sobretudo porque a recusa, sua não homologação ou o seu descumprimento enseja a inauguração da fase processual, qual seja, o oferecimento e recebimento da denúncia.

Dessa forma, a partir dos fundamentados relatados pelo Ministério Público, conclui-se que após o recebimento da denúncia, não há que se falar em cabimento de ANPP (...)”..

25. Daí, permanecendo fiel à linha retórica expressamente mais assecuratória, a qual possibilita o acordo até proferida sentença, entendo ser legítima a insurgência, cabendo ao Judiciário interpretar o art. 28-A do CPP à luz da dicção do art. 5º, XL, da CF/88.

26. Destarte, em dissonância com a 13ª Procuradoria de Justiça, concedo a ordem para determinar à Autoridade Coatora a remessa da ação penal ao Procurador-Geral de Justiça do RN, com fulcro no art. 28-A, §14, do CPP, restando prejudicado o pleito subsidiário.

Natal, data da assinatura eletrônica.

Desembargador Saraiva Sobrinho

Relator



[1] Art....

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