Acórdão Nº 08073974520238200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 08-11-2023

Data de Julgamento08 Novembro 2023
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08073974520238200000
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0807397-45.2023.8.20.0000
Polo ativo
BRADESCO SAUDE S/A
Advogado(s): PAULO EDUARDO PRADO
Polo passivo
JOSE CLAUDIO DO AMARAL
Advogado(s): RODRIGO OLIVEIRA MARTINS

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA ORIGEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA OPERADORA DE SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE DOENÇA CARDÍACA. CUSTEIO DO EXAME NECESSÁRIO À ADEQUADA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. MAPEAMENTO ELETROANATÔMICO TRIDIMENSIONAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL DA ANS. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE. LISTA QUE POSSUI CARÁTER EXEMPLIFICATIVO NOS TERMOS DA LEI Nº 14.454/2022. PROBABILIDADE DO DIREITO AUTORAL EVIDENCIADO. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PERIGO DA DEMORA DEMONSTRADO. RISCO DE AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao instrumental, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, intentado pelo Bradesco Saúde S.A. em face da decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara da Cível da Comarca de Natal/RN que, nos autos do processo nº 0829337-98.2023.8.20.5001, ajuizado por Jose Claudio do Amaral em seu desfavor, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela nos seguintes termos (Id. 101188630 na origem):

“[...] Isto posto, defiro o pedido de tutela de urgência de natureza antecipada para determinar que BRADESCO SAÚDE S/A autorize a cobertura em favor de JOSE CLAUDIO DO AMARAL do procedimento denominado MAPEAMENTO ELETROANATOMICO TRIDIMENSIONAL (código 30918030) integralmente nos termos da prescrição do médico assistente.

Intime-se em caráter de urgência, através do endereço eletrônico judicial@bradescoseguros.com.br, utilizando a presente decisão como mandado, determinando que o plano de saúde autorize a cobertura do procedimento no prazo de 48 horas, sob pena de multa única no valor de R$ 5.000,00 em caso de negativa de autorização de qualquer procedimento prescrito, passível de majoração em caso de reiteração do descumprimento [...]”.

Irresignada com o referido édito, a seguradora de saúde dele agravou, aduzindo, em síntese: a) a ausência de probabilidade do direito autoral, tratando-se de evento não previsto no Rol de Procedimentos em Saúde da ANS, além da vedação contratual de cobertura; b) que “inexiste nos autos qualquer prova de haja risco a saúde, vida ou mesmo tratamento da Autora, inexistindo risco de dano ou prova da urgência, tanto que, como dito, nada efetivamente comprovado em tal sentido, restando igualmente ausente o periculum in mora.”; c) como tese subsidiária, a nulidade da decisão por carência quanto à fundamentação e termos específicos da liminar nos termos dos art. 11 e 489, §1º, II e III, do CPC e; d) a desproporcionalidade do prazo fixado para cumprimento da liminar e a necessidade de limitação das astreintes ao valor da causa.

Sob esses fundamentos requereu a concessão do efeito suspensivo ao instrumental sob o argumento de risco de lesão grave ou de difícil reparação evidenciado pela possibilidade de constrição patrimonial quanto às astreintes arbitradas.

Efeito suspensivo indeferido ao Id. 20103487.

Decorrido o prazo sem que a agravada tenha oferecido contrarrazões, consoante certidão de Id. 20566044

Instado a se manifestar, o Órgão Ministerial, nos termos do art. 178 do CPC, declinou de sua intervenção no feito (Id. 20600318).

É o que importa relatar.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, conheço do instrumental.

Mister ressaltar, por oportuno, que em se tratando de agravo de instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, aos requisitos imprescindíveis a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, quais sejam, a probabilidade do direito vindicado e o perigo ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do que dispõe o art. 300 do Código de Processo Civil[1].

Do exame que se faz do caderno processual, percebe-se que a agravante intenta ver reformado o comando judicial que a obrigou à prestação de serviço nos moldes solicitados pelo médico assistente.

Da documentação médica constante nos autos de origem resta evidenciado que o agravado “é paciente cardíaco, portador de arritmia atrial frequente, sintomática, refratária ao uso de amiodarona” (Id. 101140973 na origem), pelo que foi solicitada a autorização do uso do mapeamento eletro anatômico cardíaco tridimensional para conclusão do diagnóstico e assim do tratamento adequado. (Id. 101142093 dos autos originários).

Pois bem, é cediço que estando os contratos de plano de saúde submetidos às normas do Código de Defesa do Consumidor, na forma da Súmula 608 do STJ[2], devem ser interpretados da maneira mais favorável ao consumidor hipossuficiente, nos termos do art. 47 do aludido diploma[3], assim como aquelas que limitem seus direitos necessitam ser previstas de forma expressa e clara (art. 54, § 4º, do CDC). Nesse sentido é o Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (STJ - REsp: 2001532 SP 2022/0136696-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 01/06/2022) – Destaque acrescido.

Assim, em análise estrita aos termos contratuais avençados, não havendo expressa exclusão ao procedimento aludido, a interpretação e abrangência deverá ser a mais benéfica ao usuário.

Lado outro, é incontroversa a cobertura contratual da moléstia, inclusive porque integrante da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), nos moldes da Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde:

“Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde [...]”

Ainda que houvesse previsão contratual clara em sentido diverso, o exame encontra-se previsto no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde instituído pela RN 465/2021 - ANS e que, de acordo com avaliação do médico assistente, o paciente se enquadra em uma das diretrizes de utilização - DUT definidas em referido diploma (53.1, "c"[4]), qual seja, "taquicardia atrial reentrante na presença de doença atrial" (ID. 101142094 - pág. 4):

A título de ressalva, ainda que se tratasse de procedimento não albergado pela ANS, friso que, por mais que caiba à Agência regulamentar o rol de doenças às quais deve haver cobertura pelos planos de saúde, não pode impor limites à realização ou custeio de tratamento necessário para as respectivas patologias, protocolos de tratamento e, respectiva utilização dos insumos necessários, sob pena de extrapolar-se a competência regulamentar.

À vista disso, se caso fosse, o entendimento seria pela preponderância do próprio direito à vida e à dignidade, de índole constitucional, sobre quaisquer outras normas previstas em Regulamento.

Lado outro, também não se sustenta a alegação de que o evento para ser autorizado imprescindiria de previsão expressa na Diretriz de Utilização – DUTs, expedida pela autarquia especial (Anexo I, da RN nº 465/2021), cuja abrangência de cobertura seria taxativa, nos termos do que teria decidido o Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o capítulo em específico, em que pese o entendimento firmado na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça pela ausência de obrigatoriedade de custeio de procedimentos e eventos não inseridos rol da ANS, nos Resp. 1886929/SP e 1889704 – cujo entendimento passou a divergir dos precedentes firmados pela Terceira Turma do referido Tribunal sobre o tema (AgInt no AREsp n. 2.046.379/RJ) –, a Corte sinalizou pela possibilidade de mitigação à restrição acima, em situações excepcionais, condicionadas, concomitantemente, a observância dos critérios abaixo:

...não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja...

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