Acórdão Nº 08076449420218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 14-10-2022

Data de Julgamento14 Outubro 2022
Classe processualMANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
Número do processo08076449420218200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL - 0807644-94.2021.8.20.0000
Polo ativo
MARCO GINO AYRTON BARONI GARBELLINI
Advogado(s): MARCO GINO AYRTON BARONI GARBELLINI
Polo passivo
17ª VARA CÍVEL DE NATAL
Advogado(s):

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO QUE IMPÔS ATUAÇÃO AO ADVOGADO EM PROCESSO JUDICIAL MEDIANTE HABILITAÇÃO NOS AUTOS SEM SEU CONSENTIMENTO. REPRESENTAÇÃO DO CLIENTE EM PROCESSO TOTALMENTE DIFERENTE E SEM PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECÍFICOS. VIOLAÇÃO À LIBERDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO. ART. 7º DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. ANULAÇÃO DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. ORDEM CONCEDIDA.

1. Embora o magistrado possa se valer de todas as ferramentas à disposição para dar impulso ao processo, inclusive a citação na pessoa do advogado, conforme previsto no art. 242 do Código de Processo Civil, tal poder encontra limite na liberdade profissional do advogado do réu, que precisa concordar com tal citação, além de possuir poderes para tanto.

2. Tendo o causídico impetrante manifestado expressamente sua discordância, além de alegar que entende não possuir poderes para tanto, descabe falar em sua citação forçada, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa do réu, uma vez que o ato de citação terá efeitos meramente fictícios ou aparentes.

3. Precedente (TJ/MS, AI 1410618-53.2016.8.12.0000, 3ª Câmara Cível, j. 12/12/2016, Rel. Des. Eduardo Machado Rocha).

4. Concessão da segurança.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram o Tribunal Pleno deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer de Dra. Maria de Lourdes Medeiros de Azevêdo, Décima Quinta Procuradora de Justiça, conceder a ordem, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por MARCO GINO AYRTON BARONI GARBELLINI em face do JUÍZO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL, DR. CLEÓFAS COELHO DE ARAÚJO JÚNIOR, que determinou a citação do réu Alessandro Cinque dirigida em seu nome, embora somente seja causídico do réu em ação distinta.

2. Aduz o impetrante que o magistrado impetrado impôs atuação ao advogado em processo judicial mediante habilitação nos autos sem o seu consentimento, desconsiderando o requerimento autoral de citação via carta rogatória, e levando em consideração apenas que o profissional representa o cliente em processo totalmente diverso, sem sua concordância e sem a apresentação de procuração com poderes específicos.

4. Alega que a decisão do impetrado fere direito líquido e certo que lhe é assegurado, qual seja, a liberdade profissional, em arrepio ao art. 7º, I, do Estatuto da Advocacia e arts. 10, 105 e 242 do CPC.

5. Requer, pois, a concessão de liminar para determinar a suspensão da decisão do impetrado.

6. No mérito, pugna pela concessão da segurança, confirmando-se a liminar para “decretar a nulidade da decisão que habilitou o impetrante como advogado do réu nos autos do processo ref. n 0809368-97.2015.8.20.5124, de forma impositiva e autoritária sem anuência do profissional, configurando assim nítido ato abusivo à liberdade profissional do advogado, ao devido processo legal e às garantias legais (art. 7, I da Lei 8.906 de 1.994; e os arts. 10, 105 e 242, todos do Código de Processo Civil), retirando o nome do advogado do cadastro do processo”.

7. A autoridade impetrada prestou informações no Id. 11304619.

8. Em decisão de Id. 14210950, foi deferido o pedido liminar.

9. Dra. Maria de Lourdes Medeiros de Azevêdo, Décima Quinta Procuradora de Justiça, opinou pela concessão da segurança (Id. 14711753).

10. É o relatório.

VOTO

11. Acerca do instituto do Mandado de Segurança, importa asseverar que se encontra previsto no rol dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, mais especificamente no inciso LXIX, segundo o qual:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder.”

12. Na mesma linha, dispõe o caput do artigo 1º da Lei n. 12.016/09:

“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

13. É condição primária à concessão da segurança a existência de direito líquido e certo. Por liquidez e certeza entende-se a demonstração, de plano, do direito alegado, bem como a inexistência de qualquer dúvida quanto aos fatos alegados. A questão de direito pode ou não ser complexa (não se exige sua simplicidade), mas é imprescindível que o fato seja incontroverso, alheio a dúvidas.

14. Sobre o caso em exame, observa-se que o JUÍZO DA 17ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL, ora impetrado, determinou a citação de Alessandro Cinque, réu nos autos do Processo n. 0809368-97.2015.8.20.5124, por meio do causídico ora impetrante, embora não habilitado naqueles autos, mas pelo fato de possuir poderes para representá-lo no Processo n. 0806933-77.2020.8.20.5124.

15. É bem verdade que o magistrado pode se valer de todas as ferramentas à disposição para dar impulso ao processo, inclusive a citação na pessoa do advogado, conforme previsto no art. 242 do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 242. A citação será pessoal, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessado.”

16. Todavia, referido poder encontra limite na liberdade profissional do advogado do réu, que precisa concordar com tal citação, além de possuir poderes para tanto.

17. No caso dos autos, o causídico impetrante manifestou expressamente sua discordância, além de alegar que entende não possuir poderes para tanto, uma vez que a Procuração (Id. 10138369) menciona, em seus poderes, representar o outorgante e seus interesses patrimoniais, no que se refere a propor ação de haveres sociais.

18. Ora, se o advogado não se sente habilitado para representar o réu, ou, ainda que o sinta, manifesta não ter interesse de assumir a causa, afigura-se descabida citação forçada, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa do réu, uma vez que o ato de citação terá efeitos meramente fictícios ou aparentes.

19. Com efeito, a liberdade profissional do advogado consiste em prerrogativa prevista no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil:

“Art. 7º São direitos do advogado:

I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;”

20. No mesmo sentido, transcrevo o seguinte precedente:

“E M E N T A – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO – CITAÇÃO INICIAL REALIZADA NA PESSOA DO ADVOGADO QUE DEFENDE OS INTERESSES DAS EXECUTADAS EM OUTROS AUTOS – AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO ESPECÍFICA – NULIDADE RECONHECIDA – RECURSO PROVIDO.

O fato das executadas terem...

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