Acórdão Nº 08078042720188200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 30-04-2019

Data de Julgamento30 Abril 2019
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Número do processo08078042720188200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 0807804-27.2018.8.20.0000
RECORRENTE: LUCIMARIO DA SILVA NASCIMENTO
Advogado(s): NEILSON PINTO DE SOUZA
RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte

Recurso em Sentido Estrito nº 0807804-27.2018.8.20.0000.

Origem: Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN.

Recorrente: Lucimário da Silva Nascimento.

Advogado: Dr. Neilson Pinto de Souza – OAB/RN 3.467.

Recorrido: Ministério Público.

Relator: Desembargador Gilson Barbosa.

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELA DEFESA. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA MOTIVAÇÃO TORPE E À TRAIÇÃO, NA FORMA TENTADA (ART. 121, § 2º, I E IV, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL GRAVE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI E LEGÍTIMA DEFESA. INVIABILIDADE. PRONÚNCIA QUE ENCERRA JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE, NÃO DE CERTEZA. PROVA DA MATERIALIDADE. INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE APLICÁVEL NA FASE PROCESSUAL. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO SUFICIENTEMENTE MOTIVADA. PRONÚNCIA MANTIDA. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. CONSONÂNCIA COM PARECER DA 5ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito, em que são partes as acima nominadas, acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com parecer do 5º Procurador de Justiça, conheço e nego provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto por Lucimário da Silva Nascimento, mantendo a decisão impugnada em todos os seus termos, nos moldes do voto do relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Lucimário da Silva Nascimento, inconformado com a decisão de pronúncia proferida pelo Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo do Amarante/RN, nos autos de nº 0102233-88.2016.8.20.0129, ID 2407037 – Págs. 01/04, que determinou o seu julgamento perante o Júri Popular, por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e à traição ou recurso que impossibilitou a defesa, na forma tentada, conduta delitiva tipificada no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

O recorrente sustentou, em suas razões (ID 2407037 –Págs. 19/24), em síntese, a ausência de animus necandi e postulou a desclassificação do crime de homicídio doloso duplamente qualificado tentado para lesão corporal de natureza grave, prevista no artigo 129, § 1º, do Código Penal; subsidiariamente, requereu o afastamento das qualificadoras.

O representante do Ministério Público, contra-arrazoando (ID 2407037 – Págs. 27/31), refutou as alegações defensivas e pugnou pelo desprovimento do recurso.

O Juízo a quo manteve sua decisão (ID 2860437 e Site deste Tribunal).

O 5º Procurador de Justiça ofertou parecer, ID 2886119, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto.

É o que importa relatar.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Cinge-se a pretensão recursal na reforma da decisão de pronúncia, a fim de desclassificar a conduta imputada para a de lesão corporal grave, sob o argumento da ausência de intenção de matar; subsidiariamente, na exclusão das qualificadoras.

Razão não assiste ao recorrente.

A princípio, necessário registrar que a pronúncia ou impronúncia tem natureza de decisão interlocutória e encerra um juízo de admissibilidade da acusação, não de certeza, cabendo ao Tribunal do Júri Popular exercer o juízo de mérito.

Disciplina o artigo 413, caput, do Código de Processo Penal, in verbis: "O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação."

Acrescenta referido dispositivo em seu parágrafo primeiro:

"A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena."

Enquanto dispõe o artigo 414 do CPP: "Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado."

Ademais pode ainda o magistrado, ao exercer o juízo de probabilidade ou admissibilidade, verificar o preenchimento de quaisquer dos requisitos necessários à aplicação sumária do juízo absolutório, os quais estão previstos no artigo 415 do Código de Processo Penal[1].

De modo similar, a desclassificação do crime de homicídio tentado para lesão corporal, de pronto, somente é possível quando o animus necandi é irrefutável. Logo, se os fatos ensejarem alguma dúvida da inocência do acusado, houver indícios que o indiquem como autor ou partícipe, bem assim presentes elementos probatórios que apontem para a intenção de matar ou que ele assumiu o risco de produzir o resultado morte, deve ser a matéria submetida ao Tribunal do Júri, o qual é o competente para apreciá-la.

Pacífico é, portanto, que a decisão de pronúncia somente poderia ser reformada se existisse prova robusta e evidente quanto à inocência ou quando não houvesse indícios suficientes de autoria, o que não se verifica no caso dos autos.

Com efeito, os relatos da vítima – Lenildo Moreira de Melo – e da testemunha – Marina Stephany da Silva, adolescente à época –, apontam que o ofendido foi surpreendido dentro de sua própria residência pelo réu, o qual se encontrava no escuro aguardando-o e desferiu golpes de facão em sua cabeça e rosto (mídia audiovisual em anexo).

Extrai-se do depoimento de Marina Stephany da Silva que esta entregou a chave da casa de Lenildo Moreira ao réu, que lhe pedira sob a alegação de que pretendia apenas dar um susto no outro; na posse da chave, Lucimário da Silva Nascimento escondeu-se no imóvel e ficou à espera, até que, chegando Lenildo Moreira, desferiu-lhe os golpes de facão.

Lenildo Moreira de Melo, em juízo, registrou que tinha um relacionamento com Marina Stephany e que, no dia do fato, estava indo para casa com ela, que pediu para ficar na esquina da rua porque iria à farmácia; estava cismado porque no dia anterior ela havia dito que ele teria uma surpresa, mas como estava com a criança, não suspeitou; quando entrou em casa, com a sala escura, só sentiu a pancada na parte de trás da cabeça, soltou a cadeirinha com a menina, e partiu para cima dele, no escuro mesmo, o facão acabou pegando no seu rosto, atingindo seu nariz, depois caiu da mão dele; entraram em luta corpora; no momento, achou inclusive que havia mais alguém, porque sabia que ele andava com algumas pessoas; conseguiu livrar-se e pedir socorro; quando deu a primeira pancada o réu disse “chega, Marina!”; que Marina Stephany disse que seria apenas para dar um susto, mas tem suas dúvidas.

Assim, não obstante o recorrente tenha alegado que o ato praticado foi uma reação a uma injusta agressão por parte da vítima, sua versão, neste momento, não se mostra suficiente para desmerecer o pronunciamento, sobretudo, porquanto vigora o princípio in dubio pro societate, visto que, por força do texto constitucional, é o Tribunal do Júri o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, cabendo-lhe dizer da ocorrência ou não do crime e de circunstâncias qualificadoras ou abonadoras da conduta.

Nessa linha, o julgado do Superior Tribunal de Justiça a seguir:

“RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO TENTADO. PRONÚNCIA. QUALIFICADORA. MOTIVO TORPE. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA.

1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo a existência do crime e indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade, conforme o mandamento contido no art. 413 do Código Processual Penal.

2. Em respeito ao princípio do juiz natural, somente é cabível a exclusão das qualificadoras na decisão de pronúncia quando manifestamente descabidas, porquanto a decisão acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença.

3. No caso, o Tribunal de origem afastou a qualificadora do motivo torpe por entender que não bastava à exordial descrever briga anterior, mas deveria relatar as circunstâncias do suposto embate.

4. Denúncia que narra suficientemente a torpeza do homicídio, consubstanciada na briga anterior envolvendo os denunciados e as vítimas, não se relevando despropositada a submissão da imputação ao Tribunal do Júri. 5. Não há necessidade da denúncia relatar em pormenores as razões, circunstâncias, meio de execução ou resultado da desavença anterior indicada à configuração do motivo torpe.

6. Apresentado fato concreto, a verificação de ser ele razão abjeta ou não à prática do homicídio é matéria afeta ao Conselho de Sentença.

7. Recurso provido”

(REsp 1742172/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 01/02/2019)

Desse modo, atentando-se para o conjunto probatório ser suficiente para lastrear a pronúncia do réu quanto ao delito tipificado no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, não merece reparo a decisão de pronúncia.

Ante o exposto, em consonância com parecer do 5º Procurador de Justiça, conheço e nego provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto por ...

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