Acórdão Nº 08079264020188200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 05-11-2020

Data de Julgamento05 Novembro 2020
Classe processualDIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Número do processo08079264020188200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - 0807926-40.2018.8.20.0000
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):
Polo passivo
GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s): SERGIO EDUARDO DA COSTA FREIRE

ADI n.º 0807926-40.2018.8.20.0000

AUTOR: MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

RÉU: GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, PRESIDENTE DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO

Terceiro Interessado: Associação Norte-Riograndense de Criadores de Camarão – ANCC

Advogado(s): SERGIO EDUARDO DA COSTA FREIRE, MARCELO AZEVEDO PALMA

Terceiro Interessado: Organização Mutirão/Rede MangueMar

Advogado: Dr. Luciano Ribeiro Falcão

Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEIO AMBIENTE. ARTIGOS 2º, INCISO I (EM PARTE), 10, PARÁGRAFO ÚNICO, 13, 18, 21 E 22, TODOS DA LEI ESTADUAL N.º 9.978, DE 09 DE SETEMBRO DE 2015, EDITADA PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, QUE DISPÕE SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA CARCINICULTURA. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 21 DA LEI ESTADUAL 9.978/2015. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO ÂMBITO ESTADUAL EXCLUSIVAMENTE EM FACE DE PRECEPTIVO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REJEIÇÃO. JURISPRUDÊNCIA DO STF NO SENTIDO DE QUE INEXISTE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA QUANDO OS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA ANALISAM, EM CONTROLE CONCENTRADO, A CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS MUNICIPAIS E ESTADUAIS EM FACE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS QUE REPRODUZEM REGRA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. PRECEDENTE DO STF. MÉRITO: PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS DISPOSITIVOS ENCARTADOS NA LEI ESTADUAL N.º 9.978/2015 POR AFRONTA À DICÇÃO DOS ARTIGOS 19, INCISO III, 22, INCISOS VII E VIII, E 170, INCISO IV, DA MAGNA CARTA FEDERAL E ARTIGOS 20, § 1º, E 150, CAPUT E § 1º, INCISOS I, II, III, IV, VI E VIII, DA CARTA POTIGUAR. O PRINCÍPIO GERAL QUE NORTEIA A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA ENTRE OS ENTES COMPONENTES DO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO É O PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE. O LEGISLADOR CONSTITUINTE RESERVOU AO GOVERNO FEDERAL A POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE NORMAS GERAIS (DIRETRIZES FUNDAMENTAIS), SEM DESCER A PORMENORES, CABENDO AOS ESTADOS-MEMBROS A ADEQUAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ÀS PECULIARIDADES LOCAIS. QUANDO DA EDIÇÃO DA LEI ESTADUAL Nº 9.978/2015, O CONCEITO DE ATIVIDADE AGROSSILVIPASTORIL ESTAVA DEFINIDO NO ART. 2º DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 2/2014, DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE MMA, E NO ART. 2º, INCISO V, DA RESOLUÇÃO N° 458/13 DO CONAMA COMPREENDENDO O ENQUADRAMENTO NESTE CONCEITO DA CARCINICULTURA MERO EXERCÍCIO DO PODER CONCORRENTE SUPLEMENTAR DO ENTE FEDERADO ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À DIVISÃO DE COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDAS, TAMPOUCO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL E DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende inexistir a usurpação de sua competência quando os tribunais de justiça analisam, em controle concentrado, a constitucionalidade de leis municipais e estaduais em face de normas constitucionais estaduais que reproduzem regra da Constituição Federal de observância obrigatória (RE 650898/RS). E, o art. 22 da Constituição Federal, apontado como violado, é norma de reprodução obrigatória, consoante se infere do precedente firmado na Rcl 17954 AgR/PR, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, julgada em 21/10/2016.

2. A escolha de políticas públicas no âmbito do Direito Ambiental representa a difícil tarefa de acomodar a satisfação de diferentes valores relevantes em permanente tensão, pertencentes igualmente à seara do meio-ambiente ou de outros setores, como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos, pelo que não se afigura razoável desqualificar determinada regra legal como contrária ao comando constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput, CRFB), sob o genérico e subjetivo rótulo de “retrocesso ambiental”, ignorando as diversas nuances que permeiam o processo decisório do legislador, democraticamente investido da função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras gerais e objetivas.

3. Sobre a atividade agrossilvipastoris, o próprio Código Florestal favoreceu sua prática, em reconhecimento de sua afinidade com a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável, além do que, vários dos dispositivos sobre o tema tiveram sua constitucionalidade reconhecida pela Suprema Corte, no julgamento da ADC 42 (Rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgamento concluído em 28/2/2018).

4. O legislador estadual, ao editar o art. 2, I da Lei Estadual n.º 9.978/2015, equiparando a carcinicultura como espécie do gênero aquicultura ou aquacultura, não inovou, tampouco ampliou o conceito de atividade agrossilvipastoril, limitando-se a imprimir o mesmo conceito já utilizado no âmbito dos órgãos ambientais federais (art. 2º da Instrução Normativa nº 2/2014, do Ministério do Meio Ambiente MMA, e no art. 2º, inciso V, da Resolução n° 458/13 do CONAMA) e posteriormente adotado pela Lei Federal n.º 13.288/2016, entendimento que, aliás, encontra amparo jurisprudencial.

5. O fato da caber à União uniformizar os procedimentos em âmbito nacional necessários à proteção do meio ambiente, à produção e ao consumo, bem assim ao comércio exterior (artigos 22, e 24 da Constituição Federal), não significa, no modelo de federalismo adotado por nosso ordenamento constitucional, que os Estados-membros e os Municípios não possam dispor, nos estritos limites de suas respectivas competências institucionais, sobre outros aspectos concernentes a tais temas, notadamente se se tratar de matérias que, sob a égide do federalismo de cooperação, revelem-se suscetíveis de regulação normativa, nos termos e em face do que determinam os artigos 20, VI e 150, incisos II, IV e VI, da Carta Potiguar e 22, inciso VIII, da Constituição Federal, e sobretudo, em razão do que prescreve o art. 24, que contempla “verdadeiro condomínio legislativo”.

6. Os temas tratados no artigo 13, caput e parágrafo único, art. 21 e 22 da Lei Estadual n.º 9.978/2015 qualificam-se como matérias passíveis do exercício da competência suplementar pelo Estado-membro, para, sobre elas, legislar concorrentemente com a União, no sentido de pormenorizar, minudenciar e detalhar aspectos gerais veiculados na legislação nacional editada pela União Federal.

ACÓRDÃO

Decidem os Desembargadores que integram o Tribunal Pleno deste Egrégio Tribunal de Justiça, em sessão plenária, por unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar de inépcia da inicial quanto à alegação de inconstitucionalidade do art. 21 da Lei Estadual n.º 9.978/2015, suscitada pelo Estado do Rio Grande do Norte. No mérito, pela mesma votação, julgar improcedente o pedido, com a reafirmação da constitucionalidade dos artigos 2º, inciso I (em parte), 10, parágrafo único, 13, 18, 21 e 22, todos da Lei Estadual n.º 9.978, de 09 de setembro de 2015, editada pelo Estado do Rio Grande do Norte, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte promove Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar em face dos artigos 2º, inciso I (em parte), 10, parágrafo único, 13, 18, 21 e 22, todos da Lei n.º 9.978, de 09 de setembro de 2015, editada pelo Estado do Rio Grande do Norte, que dispõe sobre o desenvolvimento sustentável da carcinicultura.

Sustenta a existência de desconformidade material e formal de dispositivos encartados na Lei Estadual n.º 9.978/2015, notadamente em razão da dicção dos artigos 19, inciso III, 22, incisos VII e VIII, e 170, inciso IV, da Magna Carta Federal e artigos 20, § 1º, e 150, caput e § 1º, incisos I, II, III, IV, VI e VIII, da Carta Potiguar.

Aduz que a amplitude do dever de proteção ao meio ambiente impõe que todos os agentes da ordem econômica levem em conta o princípio da defesa do meio ambiente, conforme dicção do art. 111, caput, da Constituição Estadual c/c art. 170, inciso VI, da Magna Carta Federal.

Logo, o ato normativo violador desse justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, a ponto de comprometer e esvaziar o conteúdo essencial do princípio do desenvolvimento sustentável, representa afronta ao significativo direito fundamental de preservação do meio ambiente, que encontra suporte legitimador na ordem constitucional e em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

Diz que o desmatamento do manguezal em razão da prática de carcinicultura resulta na ocorrência de danos ambientais em área de preservação permanente, com mudanças estruturais, físico-químicas e pedológicas do solo, bem como a supressão das condições ambientais e ecodinâmicas necessárias para a sobrevivência da fauna, com a consequente diminuição da biodiversidade.

Pontua que a destruição e a fragmentação dos habitats provoca a extinção das áreas destinadas à mariscagem, à pesca e à coleta de caranguejos e, ainda, que a classificação da aquicultura como atividade agrossilvipastoril, na medida em que implica autorização da prática da carcinicultura em área de preservação permanente, viola o dever de vedar qualquer utilização do espaço territorial protegido que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua proteção, conforme estampado no art. 150, §1º, inciso III, da Constituição Estadual.

Assevera que a própria denominação e do regime jurídico protetivo, a Área de Preservação Permanente – APP não admite exploração econômica direta, mesmo que com manejo sustentável,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT