Acórdão Nº 08084645820158205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 21-05-2020

Data de Julgamento21 Maio 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08084645820158205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0808464-58.2015.8.20.5001
Polo ativo
NATAL SERVICE LTDA
Advogado(s): VICENTE BRUNO DE OLIVEIRA MONTEIRO
Polo passivo
TIAGO NAZARENO DE OLIVEIRA e outros
Advogado(s): JOAO VITOR CHAVES MARQUES DIAS, ADRIANO CAMPOS COSTA

EMENTA: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. VENDA DE VEÍCULO. TRANSFERÊNCIA NÃO EFETUADA. MULTA E ENCARGOS FISCAIS POSTERIORES À ALIENAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE EMPRESTOU RECURSOS AO ADQUIRENTE. RESPONSABILIDADE DO COMPRADOR. DANOS MORAIS À PESSOA JURÍDICA NÃO COMPROVADOS. HONORÁRIOS ARBITRADOS ADEQUADAMENTE. MAJORAÇÃO DA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, § 11º, DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, e majorar os honorários sucumbenciais para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, a serem arcados pela apelante em favor do banco apelado, nos termos do voto do Relator que integra este acórdão.

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível interposta por NATAL SERVICE LTDA, em face de sentença proferida nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais e Materiais, movida em desfavor de Tiago Nazareno de Oliveira e do Banco Panamericano S/A, que julgou parcialmente procedentes os pleitos autorias para condenar o réu Tiago Nazareno a transferir a propriedade do veículo adquirido para o seu nome, bem como a pagar todas as dívidas deste advindas, durante o período em que o veículo ficou em nome da vendedora, a ser apurada em liquidação de sentença, a incidir juros de mora de 1% ao mês, da citação, e correção monetária do desembolso. Ainda, condeno o réu Tiago Nazareno a ressarcir o valor da multa adimplida pelo autor no importe de R$ 102,16, a incidir juros de mora de 1% ao mês e correção pelo INPC, a contar do desembolso, por se tratar de dívida líquida e positiva. Confirmo os efeitos da tutela antecipada deferida. Mas, julgo improcedente os demais pedidos. Em face da sucumbência recíproca entre a autora e o comprador réu, as custas processuais serão repartidas no percentual de 70% a cargo deste e o restante daquela. Quanto aos honorários advocatícios, o demandado adquirente arcará com o percentual de 10% do valor da condenação, considerando o decaimento recíproco e a relativa simplicidade do feito, que dispensou audiência de instrução”. E, também, condenou “a autora a pagar os honorários do Banco réu, no percentual de 10% do valor da causa, tendo em conta o tempo de dedicação aos autos e a simplicidade da demanda, que dispensou a realização de audiência de instrução.”

Em suas razões, a apelante defende que a responsabilidade de proceder à transferência do veículo é do comprador e da própria instituição financeira, não podendo, ser atribuída qualquer tipo de culpa à apelante, pela inércia dos apelados em não proceder com a transferência do bem para o nome do comprador.

Sustenta que o Banco Apelado também deve se responsabilizar, solidariamente, pelos danos causados à apelante, e que deve ser excluída a condenação aos honorários advocatícios em favor do Banco.

Diz que devem ser majorados os honorários sucumbenciais em seu favor.

Assevera que não há que se falar de um mero dissabor no presente caso, mas de reiterados danos morais, os quais foram provocados pelos apelados, seja pela não transferência do bem em comento, o que resultou, inclusive, em uma intranquilidade, aborrecimento e insegurança, diante das multas, não pagamentos dos tributos e pelo envolvimento em acidente com vítima, ou, pelos danos causados de ordem material.

Intimados, apenas o Banco Panamericano S/A apresentou contrarrazões, pugnando, em suma, pelo desprovimento do apelo.

O Ministério Público deixou de opinar no feito, ante a ausência de interesse público.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Discute-se, no caso em apreço, se os apelados devem ser condenados ao pagamento de indenização por danos morais à empresa autora, ora apelante, em razão da ausência de transferência do veículo junto ao DETRAN/RN, bem como se o Banco Panamericano S/A possui responsabilidade sobre os fatos alegados na inicial.

O juiz a quo entendeu que o único responsável por arcar com esse pagamento é o comprado réu, já que lhe incumbia, antes da transferência perante o DETRAN, adotar o dever de cuidado para evitar ônus ao antigo proprietário, sendo incabível responsabilizar o agente financeiro por essa conduta, já que se limitou a fazer o financiamento do veículo, atuando no exercício regular do direito”.

É cediço que a legitimidade para a causa deve ser aferida diante do objeto litigioso, da situação discutida no processo, que concede ou não o atributo da legitimidade às partes litigantes.

No caso dos autos, verifica-se que a ação foi ajuizada visando, compelir a transferência do bem para o comprador Tiago Nazareno de Oliveira, e também dos débitos do veículo posteriores a data da venda para o atual proprietário.

Nesse contexto, a apelante incluiu a instituição financeira no polo passivo da ação porque esta realizou um financiamento do veículo em nome do Sr. Tiago Nazareno de Oliveira, sem que o bem fosse previamente transferido para este.

Entretanto, as obrigações pretendidas pela apelante não podem ser imputadas à instituição financeira, que simplesmente liberou o crédito para Tiago Nazareno de Oliveira, o qual já estava na posse de toda a documentação necessária para proceder à solicitação do financiamento.

Assim, verifica-se que o banco apelado não participou da alienação do veículo feita pela Natal Service LTDA à Tiago Nazareno de Oliveira, tendo sua conduta se resumido à liberação de crédito posterior, razão pela qual não pode ser responsabilizado por qualquer irregularidade proveniente deste negócio.

Nos termos do artigo 123 do Código de Trânsito Brasileiro, cabe ao comprador do veículo, no prazo de 30 (trinta) dias, providenciar a transferência do bem adquirido para o seu nome, verbis:

“Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:

I - for transferida a propriedade;

(...)
§ 1º. No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição de novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.”

Assim, a responsabilidade pela transferência do bem descrito na inicial seria do primeiro réu, Tiago Nazareno de Oliveira, que foi quem efetivamente adquiriu o veículo.

Na verdade, a obrigação da financeira é apenas liberar o crédito da alienação fiduciária e, depois de quitado o financiamento, liberar o gravame, sendo certo que sua atuação não guarda relação subjetiva com a pretensão inicial de transferência de propriedade do bem e da reparação dos danos materiais e morais decorrentes da ausência de transferência.

Ademais, como já decidido pelo STJ, a obrigação de registrar a transferência do veículo se reporta ao primeiro negócio jurídico (ou seja, o de compra e venda), do qual a instituição financeira não faz parte. Assim, inexistia qualquer dever desta em promover o registro da transferência” (REsp n. 1025928/RS, Rel. Min, Massami Uyeda, DJe 8-6-2009).

Deste modo, não sendo do banco apelado o ônus de transferir o veículo, não há ato ilícito que lhe possa ser atribuído e que justifique a sua responsabilidade pelos danos materiais e danos morais ora pleiteados.

Neste sentido a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL - ALIENAÇÃO DE VEÍCULO SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE - COBRANÇA, PELO ANTIGO DONO, DE MULTAS E ENCARGOS FISCAIS POSTERIORES À ALIENAÇÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CASUSAM DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE, COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NÃO REGISTRADA, EMPRESTOU AO ADQUIRENTE OS RECURSOS UTILIZADOS NA AQUISIÇÃO DO AUTOMÓVEL - INEXISTÊNCIA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Havendo a concessão de financiamento com cláusula de alienação fiduciária em garantia para a aquisição de veículo, tem-se a existência de dois negócios jurídicos autônomos: (a) o de compra e venda, firmado entre o alienante e o adquirente e (b) o de mútuo com alienação fiduciária em garantia, celebrado entre o adquirente e a instituição financeira.
2. Ante a autonomia dos negócios, não há qualquer vínculo jurídico entre o alienante e a instituição financeira a autorizar a inclusão desta no pólo passivo de demanda destinada a cobrar o pagamento das multas e tributos incidentes sobre o veículo posteriormente à alienação.

3. É desinfluente a ausência de registro, no DETRAN, da transferência do veículo ou da garantia fiduciária, pois esses atos jurídicos nasceram de relações jurídicas das quais jamais foram, concomitantemente, partes a instituição financeira e o alienante.
4. O banco que, com garantia de alienação fiduciária, financia a aquisição de um veículo sem o registro da transferência e da propriedade fiduciária no DETRAN não é parte legítima para ação movida pelo antigo proprietário, que busca o pagamento dos débitos fiscais e de multas contraídos após a venda. 5. Recurso especial provido. (STJ - 25928 / RS Relator Ministro MASSAMI UYEDA TERCEIRA TURMA DJe 08/06/2009).

AÇÃO COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO - TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE VEÍCULO - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - CONTRATO DE FINANCIAMENTO - ILEGITIMIDADE PASSIVA PARA RESPONDER POR DANOS DECORRENTES DA AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA. A instituição financeira, que concedeu crédito ao comprador do veículo, não tem...

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