Acórdão Nº 08087040520218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 15-12-2021

Data de Julgamento15 Dezembro 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08087040520218200000
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0808704-05.2021.8.20.0000
Polo ativo
LUIZ CARLOS BERNARDINO DA SILVA e outros
Advogado(s): GUILHERME DE MELO MEDEIROS QUEIROZ
Polo passivo
HAP VIDA ASSISTENCIA MEDICA LTDA
Advogado(s): PRISCILA COELHO DA FONSECA BARRETO registrado(a) civilmente como PRISCILA COELHO DA FONSECA BARRETO

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TRATAMENTO PARA CRIANÇA AUTISTA COM EQUIPE MULTIDISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO FEITA PELO MÉDICO ASSISTENTE. INDEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA AO ARGUMENTO DE QUE OS SERVIÇOS POSTULADOS NÃO CONSTAM DO ROL ANS. RECUSA INDEVIDA EM GRANDE PARTE. ACOMPANHAMENTO ESCOLAR. ATIVIDADE ESTRANHA A ÁREA DA SAÚDE. RECUSA DEVIDA NESTE PONTO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DIRETA COM O OBJETO DO CONTRATO. OBRIGAÇÃO QUE NÃO SE EXTRAI DA LEI OU DO CONTRATO. REFORMA PARCIAL DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 9ª Procuradoria de Justiça, conhecer e dar parcial provimento ao Agravo de Instrumento, para, reformando a decisão agravada, deferir, em parte, a tutela de urgência requerida. Adiante, pela mesma votação, julgar prejudicado o Agravo interno de Id 10913602, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de Instrumento interposto por M. L. B. dos S., representada por seus genitores, em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Macaíba que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer com pedido de tutela de urgência n° 0801472-02.2021.8.20.5121 ajuizada contra Hapvida Assistência Médica Ltda., indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Em suas razões recursais, a Agravante afirma que foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista – TEA Cid 10 – F84.0, apresentando em decorrência dificuldades no desenvolvimento neurológico, com repercussão na socialização e comunicação.

Acrescenta que, em função da enfermidade, foi prescrito pelo médico assistente terapia específica multidisciplinar (método ABA) com terapeutas, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos. Entretanto, o tratamento foi negado pela operadora de plano de saúde.

Indica não existir, na rede credenciada da Agravada, “CLÍNICA OU PROFISSIONAL QUE OFEREÇA O TRATAMENTO ATRAVÉS DA CIÊNCIA ABA.”

Argumenta que, “de acordo com a Lei n.º 12.764/2012 autismo é deficiência e não doença, portanto, a pessoa com autismo cumprirá carência como qualquer outra pessoa, por 180 dias.”

Em seguida, discorre sobre a obrigação da Agravada de custear o tratamento da recorrente, com base no CDC, na lei de planos e seguros privados de assistência à saúde, na Resolução Normativa nº 387/2015 da ANS e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Ao final, pede a concessão da tutela antecipada recursal para “determinar que a Agravada custeie, no prazo de 24 horas, o tratamento ora indicado, de forma contínua e por tempo indeterminado, a equipe multiprofissional e todo o tratamento multidisciplinar baseado no método ABA (20h a 30h semanais) prescrito para a Agravante, nos termos do laudo apresentado, da Requisição, para que seja preservado o desenvolvimento adequado da infante, haja vista o sério risco de prejuízo irreparável à mesma, com fixação de multa diária, nos termos do artigo 297 do CPC, em favor da parte agravante, não inferior a R$ 2.000,00 (dois mil reais), em caso de descumprimento da determinação judicial – oficiando com urgência o juízo a quo.”

No mérito, requer o provimento do recurso, com a manutenção da tutela recursal. Pede, ainda, a concessão da gratuidade judiciária.

Gratuidade judiciária, para este recurso, e tutela recursal deferidas, esta em parte, “para determinar que a Agravada disponibilize ou custeie, no prazo de até 5 dias, de forma contínua e por tempo indicado pelo profissional médico, o tratamento indicado à Agravante, mediante equipe multiprofissional e multidisciplinar baseado no método ABA (20h a 30h semanais), com exceção da “atenção especial em sala de aula”, por não ser tratamento médico e, portanto, por não possuir pertinência direta com os serviços que compõem o objeto do plano de saúde.”

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 10859516) e Agravo Interno interposto pelo plano de saúde agravado (Id 10913602), devidamente contraminutado (Id 11667229).

A 9ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso (Id 11748582).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A possibilidade de deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal na via do agravo de instrumento decorre do contido no artigo 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, situação em que o relator deverá realizar a análise dos requisitos necessários à concessão da tutela provisória.

Com o início da vigência da Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), a matéria recebeu tratamento legal diverso do anteriormente previsto, tendo o legislador nos artigos 294 a 311 disciplinado o tema concernente a análise de pedidos liminares, de modo a apontar a existência de um grande gênero denominado tutela provisória, com duas espécies, a saber: a tutela de urgência e a tutela de evidência.

Nessa linha de pensamento, o artigo 300 do novo CPC disciplina que a concessão da tutela de urgência (nesta compreendida tanto a tutela antecipada, quanto a tutela cautelar) ocorrerá quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano.

Ao exame do caso concreto, entendi presentes os requisitos necessários para o deferimento da tutela de urgência, ainda que de modo parcial.

Neste momento, mantidas as razões expostas naquele momento e ausente qualquer fato capaz de derrogar os argumentos expostos, submeto ao conhecimento da 3ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça as razões para o provimento parcial deste recurso. Transcrevo-as:

...

De início, cumpre afastar a interpretação dada pelo magistrado a quo, acerca da caracterização do Autismo como doença.

Conforme bem delineado no §2º do artigo 1º da Lei Federal nº 12.764/2012, “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”

Como consequência, observo não ser possível aplicar a tese de incidência de cobertura parcial em favor da demandante durante o período de carência de dois anos, como previsto no contrato. À hipótese deve ser aplicada a regra comum, qual seja, observação dos cento e oitenta dias de prazo de carência.

A espécie, o contrato foi entabulado em 1º.10.2020 (id. 69646524 – autos na origem), logo o interregno de 180 (cento e oitenta) dias já foi cumprido.

Ultrapassada esta questão, constato ter a Agravante comprovado a necessidade do tratamento indicado pelo médico assistente que a acompanha (Laudo Médico de Id 10437106 – destes autos).

Assim, o Poder Judiciário pode até negar pretensões neste sentido, a depender das peculiaridades do caso concreto, mas não possui elementos para contrariar as conclusões do profissional de saúde.

Por esta razão, a conduta da ré, ora Agravada, em recusar o custeio do tratamento prescrito pelo profissional de saúde, sob a alegação da ausência de eficácia ou de cobertura contratual, além de descabida, é abusiva, especialmente porque não é dada a Operadora de Plano de Saúde a escolha do tratamento da patologia, cabendo tal escolha ao profissional de saúde, notadamente por meio de métodos mais eficientes, o que deve se sobrepor as demais questões, pois que os bens envolvidos no contrato celebrado entre as partes são a saúde e a vida.

Como sabido, os contratos de planos de saúde, além de serem classificados como contratos de consumo, são, também, contratos de adesão. Por conseguinte, a interpretação de suas cláusulas contratuais segue as regras especiais de interpretação dos contratos de adesão ou dos negócios jurídicos estandardizados. Nesse rumo, diante da existência de dúvidas, imprecisões ou ambiguidades no conteúdo de um negócio jurídico, deve-se interpretar as suas cláusulas do modo mais favorável ao aderente.

Quanto à alegação de que houve mudança de entendimento no STJ acerca da natureza do rol de procedimentos da ANS, não desconheço que a Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp 1733013/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020, assentou que “é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas”.

Todavia, adoto o entendimento da Terceira Turma do STJ que continua firme na jurisprudência tradicional da Corte, ou seja, a de que o rol é exemplificativo, consoante mais recente julgado daquele Colegiado sobre a matéria:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLANO DE SAÚDE. CIRURGIA DE CATARATA COM IMPLANTAÇÃO DE LENTE IMPORTADA. PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. COBERTURA MÍNIMA. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado...

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