Acórdão Nº 08088455820208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 17-12-2020
Data de Julgamento | 17 Dezembro 2020 |
Tipo de documento | Acórdão |
Número do processo | 08088455820208200000 |
Classe processual | AGRAVO DE INSTRUMENTO |
Órgão | Segunda Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Processo: | AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0808845-58.2020.8.20.0000 |
Polo ativo |
C CORDEIRO DE LIMA - ME |
Advogado(s): | RITA LUANA PINHEIRO DE OLIVEIRA |
Polo passivo |
BANCO VOLKSWAGEN S.A. |
Advogado(s): | CAMILA DE ANDRADE LIMA |
EMENTA: DIREITOS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA À PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS PARA USUFRUIR DO BENEFÍCIO. ENUNCIADO Nº 481 DA SÚMULA DO STJ. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. NÃO PURGAÇÃO DA MORA. DEFERIMENTO DA MEDIDA. AJUIZAMENTO POSTERIOR DE AÇÃO REVISIONAL. INEFICÁCIA PARA ELIDIR A MORA. PRECEDENTE DO STJ. ENUNCIADO Nº 380 DA SÚMULA DO STJ. ABUSIVIDADE DA TAXA DE JUROS. VALOR PRATICADO ABAIXO DE TAXA MÉDIA DE MERCADO, ACRESCIDA EM 50%. NÃO CARACTERIZA. RECURSO DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em desprover o recurso, nos termos do voto do relator.
Agravo de instrumento interposto por C Cordeiro de Lima - ME, nos autos da ação revisional proposta em face do agravado, objetivando reformar decisão do Juiz de Direito da 12ª Vara Cível de Natal, que indeferiu o pedido de justiça gratuita, bem como a tutela de urgência.
Alegou que: “promoveu o ajuizamento da Ação Revisional com pedido de Consignação em Pagamento, requerendo, em sede de tutela antecipada, a autorização para purgar a mora dos valores vencidos identificados nos cálculos, ou mesmo de todo o valor incontroverso, porém nas condições previstas no art. 916 do CPC, consoante sistemática de analogia, face a necessidade do judiciário de se amoldar a esta nova realidade econômica momentânea enfrentada pelas pessoas físicas e jurídicas, ressalvados então os princípios basilares de preservação dos contratos, função social e ainda da boa-fé objetiva, do que não pode o Poder Judiciário permanecer alheio”; “foram pagos exatamente R$ 219.340,14 (duzentos e dezenove mil, trezentos e quarenta reais e quatorze centavos), estando o bem hoje avaliado em R$ 175.418,00 (cento e setenta e cinco mil quatrocentos e dezoito reais), de modo que não se vislumbra qualquer risco irreversível sobre o deferimento da liminar, já que, restituir o bem ao Agravante mediante autorização da consignação, significa garantir ao Agravante o direito de pagar sua dívida e ao banco Agravado, o direito de receber o seu crédito, podendo, em caso de descumprimento, apreender novamente o bem a qualquer tempo, caso a parte descumpra os termos contratuais, o que certamente não ocorrerá, já que a intenção manifestada pela Agravante é de saldar a dívida, mas evitando-se o abuso de direito e o enriquecimento ilícito sem causa da parte adversa”; “além das provas produzidas nos autos, a própria pretensão da ação revisional justifica o pedido de gratuidade formulado pela Agravante, na medida em que busca-se o judiciário no intuito de regularizar sua situação financeira com o banco credor, desviando-se dos excessos que lhe foram arbitrariamente impostos por meio do financiamento ora discutido, fator que, manifestadamente, pressupõe o abalo da saúde financeira da empresa requerente, já que, nitidamente, não deixaria a situação chegar ao ápice, com a conseqüente apreensão do bem que lhe é vital, se previamente dispusesse dos valores suficientes para regularizar a situação em tempo”; “extraído da decisão interlocutória que apreciou o pedido liminar, é possível perceber que, para deliberar o pleito, não foram levadas em consideração as particularidades do caso em específico, mas foi o feito apreciado de forma generalizada, praticamente resolvendo o mérito da questão como um todo e se manifestando sobre pontos nem mesmo levantados pela ora Agravante (como exemplo da incidência de Taxa de Permanência, que não foi sequer suscitada, mas constou do decisum) e sem a averiguação apropriada das alegações da parte, conforme se verá nas justificativas seguintes”; “Ao discutir o contrato de alienação fiduciária, o autor questiona o fato de ter-lhe sido imposto o pagamento de TAC, muito embora a jurisprudência já tenha se manifestado no sentido de reconhecer sua ilegalidade, o que enseja sua devolução em dobro”; “Outro ponto levantado pelo autor fora a condição do banco não aplicar na prática o percentual dos juros de mora pactuados, sendo que a desproporcionalidade só veio ser percebida pela parte após sua inadimplência, quando contador identificou que a cobrança real feita pelo banco credor nos autos da Busca e Apreensão, à título de mora, foi de nada menos que 156,20% ao ano, o que destoa absurdamente da média de mercado, superando e muito o razoável. O que, por óbvio, gera para os clientes, em momentos de eventualidade como a que estamos vivenciando, uma dívida impagável”; “Lado outro, no tocante aos juros moratórios, uma vez omissos no contrato FINAME, a planilha elaborada contém os percentuais indicados pelo banco central, utilizando-se a menor das taxas de juros entre a média de mercado e a taxa contratada para o contrato em comento, considerando a taxa média dos 20 melhores bancos para o período da contratação, o que demonstra a legitimidade dos cálculos”.
Por fim, pugnou pela concessão da antecipação da pretensão recursal para deferir a justiça gratuita e “que seja imediatamente autorizada a parte Agravante purgar a mora dos valores incontroversos, mediante planilha apresentada na Ação Revisional epigrafada, nas condições de parcelamento sugeridas ou outra que determinar o juízo, a fim de que esta medida lhe assegure a restituição do bem apreendido, posto sua imprescindibilidade para o funcionamento da empresa requerente, que não dispõe de outro meio para suprir a função desempenhada por tal veículo” e, no mérito, provimento do recurso.
Indefiro o pedido de antecipação da pretensão recursal. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.
A concessão da gratuidade da justiça às pessoas jurídicas está condicionada à prova da hipossuficiência, conforme o preceito do enunciado Sumular nº 481 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". Sendo assim, não há que se falar em presunção de incapacidade financeira.
A agravante não juntou documento demonstrando a alegada hipossuficiência. O simples fato de a pessoa jurídica ser ré na ação de busca e apreensão, bem como ter proposto uma ação revisional não demonstram a incapacidade financeira.
Deferida medida liminar de busca e apreensão do veículo com alienação fiduciária. Após o cumprimento da tutela de urgência, a agravante propôs ação revisional requerendo liminar para que o banco proceda à restituição do veículo apreendido mediante a efetivação de depósito da quantia de R$ 24.106,80, correspondente ao valor de 30% do total do débito revisado.
Não demonstrada a probabilidade do direito, porque no que se refere à taxa de juros remuneratórios, importante registrar, inicialmente, que o art. 192, § 3º da CF, revogado pela EC n° 40/03, estabelecia um limite máximo de 12% ao ano, a ser regulamentado por lei complementar, nos seguintes termos:
§ 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as modalidades, nos termos que a lei determinar. (Revogado pela EC-000.040-2003).
O dispositivo transcrito, mesmo antes de revogado, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar, conforme reconheceu o STF no julgamento da ADI n° 04/DF. Como inexiste lei complementar regulamentando o assunto, conclui-se que a limitação dos juros a 12% ao ano nunca existiu.
Diante disso, independentemente de quando os contratos tenham sido firmados (antes ou após a EC 40/03), os juros remuneratórios não se sujeitam a qualquer limite legal e devem ser analisados caso a caso. Deve-se observar, em cada hipótese, a existência ou não de abusividade, a qual deve ser efetivamente demonstrada com a comprovação da ocorrência de desequilíbrio contratual ou lucros excessivos.
Com efeito, o percentual de juros remuneratórios deve ser razoável a ponto de preservar o equilíbrio econômico financeiro entre os contratantes, garantindo a justa compensação do credor pelo valor disponibilizado e impedindo, por outro lado, a onerosidade excessiva para o devedor.
Nos casos em que demonstrada a abusividade na taxa de juros remuneratórios – e só nessas hipóteses – deve ela ser revista, utilizando como parâmetro o princípio da razoabilidade. Não pode ser considerada razoável a cobrança de taxa de juros que ultrapasse em cinquenta por cento a taxa média de mercado praticada, na data da assinatura do contrato, conforme divulgado pelo Banco Central, para esse tipo de operação de crédito, tendo como limite a taxa fixada no contrato.
Razoabilidade não significa igualdade. Se há uma taxa média praticada no mercado é porque existem uma taxa maior e uma menor. Assim, não é possível afirmar que a taxa média é a única razoável ou que qualquer valor a maior deve ser considerado abusivo.
A razoabilidade deve variar entre a taxa média e máxima. Daí porque considero não abusiva, por não destoar do princípio da razoabilidade, a taxa que não exceder em cinquenta por cento a média de mercado e não ultrapasse a taxa máxima praticada nem a prevista no contrato. Portanto, qualquer valor acima desses parâmetros, tenho como abusivo. A título exemplificativo, cito julgados dos Ministros Raul Araújo (AgRg no REsp 1049453/MS. Agravo Regimental no Recurso Especial 2008/0083639-2 – 4ª Turma - DJe 01/07/2013) e Sidnei Beneti (AgRg no AREsp 304154/MS. Agravo Regimental no Agravo de Recurso Especial 2013/0053065-4 - 3ª Turma - DJe 04/06/2013).
Cumpre...
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