Acórdão Nº 08089373620208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08089373620208200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0808937-36.2020.8.20.0000
Polo ativo
ANDRE AUGUSTO DE CASTRO e outros
Advogado(s): ANDRE AUGUSTO DE CASTRO
Polo passivo
JUIZO DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE NATAL/RN
Advogado(s):

Habeas Corpus nº 0808937-36.2020.8.20.0000

Impetrante: Dr. André Augusto de Castro OAB/RN 3.898

Paciente: Rogério Simonetti Marinho

Aut. Coatora: Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN

Relator: Desembargador Gilson Barbosa

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SEM PEDIDO DE LIMINAR. PACIENTE ACUSADO DO DELITO DE PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). PRETENSO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA E ATIPICIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA QUE APONTA PARA A EXISTÊNCIA DE ESQUEMA FRAUDULENTO ENTRE VEREADORES E SERVIDORES “FANTASMAS”. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO CAPAZ DE EMBASAR A PERSECUÇÃO PENAL. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A CONTINUIDADE DA AÇÃO. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO SE LIMITOU APENAS A AFIRMAR A MERA INDICAÇÃO OU NOMEAÇÃO DE SERVIDORES. MENÇÃO A RECEBIMENTO OU PROVEITO PRÓPRIO DE VALORES E PREJUÍZO AO ERÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. CONHECIMENTO E DENEGAÇÃO DA ORDEM. CONSONÂNCIA COM A PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por maioria de votos, em consonância com o parecer do 65º Promotor de Justiça de Natal, em substituição legal a 6ª Procuradoria de Justiça, conhecer e denegar a ordem, nos termos do voto do Relator. Vencido o Desembargador Saraiva Sobrinho, que concedia o writ. Suspeição do Desembargador Glauber Rêgo.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado pelo advogado André Augusto de Castro em favor de Rogério Simonetti Marinho, sob a alegação de estar o paciente sofrendo constrangimento ilegal por parte do Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Natal.

Em suas razões, alegou que o Ministério Público, por meio da Ação Penal nº 107254-70.2018.8.20.000, requereu a condenação do paciente pelo crime tipificado no art. 312 do Código Penal, em razão de fatos supostamente ocorridos na Câmara de Vereadores de Natal, entre os anos de 2005 e 2007.

Afirmou que toda narrativa do Ministério Público se deu pela “apreensão “fortuita”, nos autos do Procedimento nº 0214377-16.2007.8.20.0001, de uma lista “com aproximadamente 900 (novecentos) nomes de pessoas que supostamente ocupariam cargos comissionados na Câmara de Vereadores do Município de Natal/RN”, que consignaria a anotação do vereador hipoteticamente responsável pela indicação” (sic).

Ressaltou que a peça acusatória foi formalmente recebida, mas que não foi embasada em elementos colhidos durante a investigação, existindo uma desvelada e odiosa aplicação de responsabilidade objetiva em relação ao cargo exercido(sic).

Seguiu, informando que não há irregularidade no fato de presidente da Câmara Municipal nomear funcionários indicados por seus pares e que não há justa causa para a persecução penal, não constando da denúncia elementos mínimos capaz amparar o seu recebimento, sendo, portanto, inepta.

Aduziu que há tão somente ilações de que o paciente teria se beneficiado dos valores, não existindo demonstração de que recebeu salários por parte dos funcionários listados como fantasmas, sendo a conduta imputada atípica.

Ao final, requereu o trancamento da ação penal, ante a inépcia da denúncia por ausência de justa causa e atipicidade da conduta do agente.

Acostou aos autos os documentos relativos ao Writ.

A Secretaria Judiciária deste Tribunal, por meio da certidão de ID. 7745042, informou que inexistem outros processos em nome do paciente Rogério Simonetti Marinho.

Ausente pedido de liminar.

Instado a se pronunciar, o 65º Promotor de Justiça, em substituição legal na 6ª Procuradoria de Justiça, opinou pelo conhecimento e denegação da ordem.

O impetrante, por meio da petição de ID. 7923625, requereu a intimação acerca da data do julgamento da presente ordem.

A autoridade apontada como coatora prestou informações, ID. 8352210.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de habeas corpus impetrado pelo advogado acima indicado em favor de Rogério Simonetti Marinho, por suposto constrangimento ilegal decorrente do recebimento da Ação Penal nº 107254-70.2018.8.20.000 pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Natal.

Da análise dos autos, entendo que não assiste razão ao impetrante.

A ação constitucional de habeas corpus pode ser veiculada para o trancamento de ação penal, ainda que ausente o encarceramento provisório do paciente.
Porém, somente será cabível nos casos em que configurada, de plano, a ausência de justa causa para o prosseguimento, mediante patente e induvidosa improcedência da acusação, já que não é possível, nesta via de exceção, a dilação probatória.

Da mesma forma, será pertinente o trancamento pela via estreita do writ quando o fato descrito na peça acusatória for atípico.

Pois bem.

Diante da complexidade e particularidade do tema, passo a descrever o tipo penal consistente no peculato e algumas de suas modalidades, conforme o art. 312 e §§ do Código Penal:

Peculato

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

O dispositivo transcrito contempla as figuras típicas de peculato-apropriação, quando o agente toma para si ou se apodera de valor, dinheiro ou qualquer bem público ou privado de que tem a posse, em razão do cargo público que exerce; peculato-desvio, no qual o autor, em razão do cargo público que ocupa, desvia, desencaminha ou dá destinação diversa a valores, dinheiro ou bens públicos ou particular, igualmente sob sua posse, em proveito próprio ou alheio; peculato furto, quando o funcionário público subtrai ou concorre para a subtração e; peculato culposo, quando o funcionário deixa de observar o seu dever de cuidado concorre para que outrem se aproprie.

Conforme a jurisprudência pátria dos Tribunais Superiores e deste Tribunal de Justiça, afasta-se a configuração do crime de peculato para o próprio funcionário "fantasma", ou seja, aquele que recebe remuneração sem contraprestação do serviço. Nesse direcionamento, registro que não é o caso da presente denúncia; porém, reafirmo, que a simples indicação de cidadão para ocupar função comissionada não poderia ser conduta que identificasse a subsunção à norma penal, o que não se configura no presente caso.

Inicialmente, há de se pontuar que, muito embora alegue o impetrante a ausência de descrição pormenorizada da materialização da conduta do paciente e de elementos mínimos capazes de evidenciar a justa causa, bem como a existência da atipicidade da conduta imputada ao agente, é certo que, na situação em apreço, o Ministério Público não se limitou a simples alegação de que houve apenas indicação ou nomeação de servidores por parte do ora paciente.

Convém registrar que o Ministério Público, nos autos do procedimento nº 0214377-16.2007.8.20.0001, realizou busca e apreensão no interior da Câmara Municipal de Natal para subsidiar investigações no âmbito do Poder Legislativo Municipal, oportunidade em que foi apreendida uma lista com aproximadamente 900 (novecentos) nomes de pessoas que supostamente exerciam cargos comissionados naquela casa.

A partir daí iniciaram-se as investigações para apurar as incompatibilidades e inconsistências apresentadas, além do fato da lista dos servidores se encontrar acompanhada dos nomes dos responsáveis pelas respectivas indicações, o que se denominou de “Lista de Padrinhos”.

Dos autos, especificamente da peça acusatória, extrai-se que parlamentares se utilizavam das suas prerrogativas para indicar e nomear servidores para ocupar cargo de confiança, e consequentemente desviar recursos públicos. Que, após a apreensão da denominada “Lista dos Padrinhos, as nomeações fraudulentas cessaram.

Segundo o órgão acusador, aparentemente, não existia somente a mera indicação de um nome pelo vereador para exercer o cargo comissionado, sendo indispensável o ajuste com a Presidência da Câmara, que se responsabilizava por editar os atos administrativos e mais o que fosse necessário para incluir na folha de pagamento. Função essa, que, segundo o Ministério Público, foi desempenhada, de início, pelo ora paciente Rogério Simonetti Marinho.

Outrossim, também restou consignado na denúncia que, durante o período em que o paciente exerceu a presidência da Câmara, foram pagos salários a pessoas que afirmaram nunca terem recebidos tais verbas.

A respeito, seguem trechos da peça acusatória, na qual se observa que o Ministério Público descreve os requisitos necessários para evidenciar a justa causa e a conduta típica. Vejamos:

“O denunciado ROGÉRIO MARINHO, identificado na lista apreendida pela sigla “RM”, numa evidente alusão às iniciais do seu nome, foi o responsável por indicar e/ou nomear os “servidores fantasmas” ANGÉLICA GOMES MAIA BARROS (fl. 370 –apenso 2), CLÁUDIA CARNEIRO SILVEIRA DA SILVA (fl. 381 –apenso 2), DANIEL SENRA FERREIRA DA SILVA (fl. 394 –apenso 2), CÉLIA PEIXOTO SERAFIM e RICARDO LINHARES REBOUÇAS (fl. 625 –apenso 3) para exercer o cargo de Assessor Legislativo, para o qual foram nomeados em duas oportunidades distintas, uma durante o seu próprio mandato na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT