Acórdão Nº 08097964720238200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 06-10-2023

Data de Julgamento06 Outubro 2023
Classe processualCONFLITO DE JURISDIÇÃO
Número do processo08097964720238200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: CONFLITO DE JURISDIÇÃO - 0809796-47.2023.8.20.0000
Polo ativo
JUÍZO DE DIREITO DO 2º JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E DE TRÂNSITO DA COMARCA DE NATAL
Advogado(s):
Polo passivo
JUÍZ DE DIREITO DO 1º JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE NATAL/RN
Advogado(s):

Conflito de Competência nº 0809796-47.2023.8.20.0000.

Suscitante: Juízo de Direito do 2º Juizado Especial Criminal e de Trânsito da Comarca de Natal.

Suscitado: Juízo de Direito do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal/RN

Relator: Desembargador João Rebouças.


EMENTA: PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SUPORTAS AMEAÇAS E VIAS DE FATO PRATICADOS PELO FILHO CONTRA SUA GENITORA. BELIGERÂNCIA DEVIDO AO USO ABUSIVO DE ÁLCOOL E DROGAS. NOVO CONTEXTO NORMATIVO TRAZIDO PELA LEI N. 14.550/2023. MAIOR PROTEÇÃO À MULHER. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA DO GÊNERO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRECEDENTES RECENTES DO PLENÁRIO DO TJRN.

- A partir das recentes alterações na Lei n.º 11.340/06, promovida pela Lei n.º 14.550/23, restou cristalizado que, estando configurada alguma das situações previstas no seu art. 5º, é irrelevante a causa ou a motivação dos atos de violência, para a incidência da Lei Maria da Penha.

- Tal alteração legislativa está em consonância, inclusive, com grande parte do setor doutrinário e jurisprudencial que já entendia no sentido de que todo ato de violência doméstica, familiar e oriunda de relação íntima de afeto contra uma mulher é sempre uma forma de violência baseada no gênero.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram o Plenário deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, reconhecer que compete ao Juízo do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal/RN, para processar e julgar a ação objeto deste incidente, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Conflito de Competência suscitado pelo 2º Juizado Especial Criminal e de Trânsito da Comarca de Natal em face do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal/RN, nos autos do procedimento nº 0862339-93.2022.8.20.5001, que apura a prática das infrações previstas no art. 21, da Lei de Contravenções Penais, e no art. 147, do Código Penal.

O Juízo do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal argumentou que “a situação posta nos autos não envolve violência de gênero, o que afasta imediatamente a incidência da Lei 11.340/2006, como bem apontado no estudo de caso elaborado pela equipe multidisciplinar atuante neste Juízo”. (Id 20807320 - pág. 38-40).

Por sua vez, o Juízo do 2º Juizado Especial Criminal e de Trânsito da Comarca de Natal, oportunizou a reavaliação do entendimento pelo Juízo especializado, vez que “a decisão declinatória da competência foi proferida por tal juízo antes do advento da Lei nº 14.550/2023, a partir da qual se impõe a aplicação da Lei Maria da Penha a todas as situações de violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da causa ou motivação dos atos de violência ou da condição do ofensor ou da ofendida”. (Id 20807320, pág. 203-204).

Devolvidos os autos ao Juízo do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal, não houve modificação do posicionamento, tendo o magistrado reforçado que a alteração legislativa promovida pela Lei 14.550/2023, que incluiu o art. 40-A, não modificou o art. 5º da Lei Maria da Penha, ou seja, à luz de uma interpretação sistemática, continua-se exigindo a necessidade de o conflito ser baseado no gênero para que haja subsunção casuística à norma especial” (Id 20807320, pág. 216-217).

A 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo reconhecimento da competência do suscitante, Juízo do 2º Juizado Especial Criminal e de Trânsito da Comarca de Natal (Id 21004051).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do incidente.

Cinge-se à análise deste Conflito de Competência em saber de quem é a competência para processar e julgar o procedimento nº 0862339-93.2022.8.20.5001, que apura a suposta prática de ameaça e vias de fato praticado, ao que me parece, pelo filho contra sua genitora.

O Juízo do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal, ora suscitado, argumentou que a situação posta nos autos não envolve violência de gênero, o que afasta imediatamente a incidência da Lei 11.340/2006, como bem apontado no estudo de caso elaborado pela equipe multidisciplinar atuante neste Juízo.

Do substrato fático constante no procedimento objeto deste incidente, colhe-se que a violência perpetrada pelo filho contra mãe, no âmbito familiar e doméstico, é decorrente do uso abusivo de drogas e álcool (ID. 20807320 - pág 27-30).

Não obstante isso, a Lei nº 14.550/2023 alterou pontos importantes na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), ao dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da Lei, ampliando ainda mais a proteção da mulher no contexto afetivo, doméstico e familiar.

Desse modo, a alteração promovida pela Lei nº 14.550/2023, com a inserção do art. 40-A na Lei nº 11.340/2006, ampliou o espectro de aplicação do microssistema de proteção da Lei Maria da Penha ao prever que o deferimento das medidas independe da causa ou da motivação dos atos de violência ou da condição do ofensor ou da ofendida.

Dentro deste contexto, em face da redação do art. 40-A, sustenta-se que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada a todos os casos de violência cometido contra as mulheres, independentemente da causa ou motivação.

Esse Plenário, recentemente, ainda que por maioria, sedimentou o entendimento no sentido de que incide a Lei Maria da Penha independentemente da causa ou da motivação, conforme se pode observar dos seguintes julgados:


"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE O JUÍZO 2.º JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E...

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