Acórdão Nº 08098037620208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08098037620208205001
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL TEMPORÁRIA

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0809803-76.2020.8.20.5001
Polo ativo
MARIA DAS GRACAS BEZERRA
Advogado(s): TATIANA MARIA DE SOUZA
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):




PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS

SEGUNDA TURMA RECURSAL PROVISÓRIA



RECURSO CÍVEL INOMINADO VIRTUAL Nº 0809803-76.2020.8.20.5001

5º JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: MARIA DAS GRACAS BEZERRA

ADVOGADA: TATIANA MARIA DE SOUZA

RECORRIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ADVOGADO: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RN

JUIZ RELATOR: JESSE DE ANDRADE ALEXANDRIA

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO INOMINADO. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDORA ESTADUAL APOSENTADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA DAS LICENÇAS-PRÊMIOS NÃO GOZADAS. DEVER DE INDENIZAR O SERVIDOR PELAS LICENÇAS NÃO USUFRUÍDAS, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESNECESSIDADE DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIO. REFORMA DA SENTENÇA PARA DEFERIR O PEDIDO RECURSAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.



ACÓRDÃO

ACORDAM os Juízes da Segunda Turma Recursal Permanente dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, reformando a sentença para julgar procedente o pedido autoral, nos termos do voto do Juiz Relator. Sem condenação em honorários advocatícios e custas processuais, haja vista o provimento do recurso, nos termos da Lei 9.099/95.



Natal/RN, DATA DO SISTEMA.

JESSE DE ANDRADE ALEXANDRIA

Juiz Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto por MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA em face à decisão que julgou improcedente o pedido de conversão de nove licenças-prêmio não gozadas em pecúnia. Alega que a jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer o direito à conversão dos servidores públicos aposentados, com base no art. 7º, da Lei nº 9.527/97 e no art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988.

Ademais, impugna o entendimento adotado pela decisão atacada de que para pleitear a conversão em pecúnia das licenças-prêmio não usufruídas, o servidor deve demonstrar que, primeiramente, requereu o gozo, e que o pleito foi negado, ou que, mesmo deferido, o próprio gozo veio a ser suspenso, em razão da continuidade do serviço público.

Sustentou que é dever da Administração indenizar o servidor aposentado por não ter gozado de seu direito à licença prêmio, independentemente do requerimento administrativo.

Nos pedidos, requereu reforma da sentença para condenação do recorrido ao pagamento da conversão das 03 (três) licenças prêmios em pecúnia, referentes aos períodos aquisitivos compreendidos entre 15.06.2001 e 15.06.2006, entre 16.06.2006 e 16.06.2011, entre 17.06.2011 e 17.06.2016.

É o que importa relatar.

Não houve contrarrazões.

É o relatório.




VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso Inominado interposto.

Inicialmente, destaca-se que o direito pleiteado pela autora fundamenta-se na Lei Complementar Nº 122, de 30 de junho de 1994, que prevê, em seu art. 102, que:

Art. 102. Após cada quinquênio ininterrupto de exercício, o servidor faz jus a 03 (três) meses de licença, a título de prêmio por assiduidade.

§ 1º Pode ser contado, para o quinquênio, o exercício em cargo de outro Poder ou órgão equivalente ou de autarquia ou fundação pública, de âmbito estadual, desde que não tenha havido interrupção quando do ingresso no último cargo.

§ 2º É facultado ao servidor fracionar a licença até 03 (três) parcelas ou convertê-la em tempo de serviço, contado em dobro para fins de aposentadoria e disponibilidade.

A esse respeito, cabe ressaltar que o demandado que utiliza-se dos serviços prestados pelo servidor durante o período em que ele deixa de usufruir o direito das licenças deve arcar com os ônus naturais relativos aos serviços prestados. Esta responsabilidade encontra-se prevista no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, não podendo o recorrido se eximir de tal incumbência, sob pena de permitirmos o enriquecimento sem causa do Estado. Neste sentido:

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL APOSENTADA. PRESCRIÇÃO (TERMO INICIAL QUE CORRESPONDE À DATA DA APOSENTADORIA). OBSERVÂNCIA, PELA DEMANDANTE, DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO AFASTADA. MÉRITO: EXERCÍCIO DE CARGO EFETIVO DE MÉDICO. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELAS FÉRIAS NÃO GOZADAS E UM TERÇO DE FÉRIAS. DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADOS. EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ESTADO QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR, NOS TERMOS DO ART. 333, II, DO CPC. DEVER DE PAGAR VERBAS PREVISTAS CONSTITUCIONALMENTE EM ATRASO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PLEITO DE LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS ARTIGOS 5o, INCISO II, e 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORA QUE COMPROVA O EXERCÍCIO DE SUAS ATIVIDADES NO PERÍODO EM QUE DEVERIA TER GOZADO LICENÇA-PRÊMIO. PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO EM BENEFÍCIO DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DEMANDADA. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E DESTA CORTE DE JUSTIÇA.NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL EM RELAÇÃO ÀS VERBAS ANTERIORES AOS 5 (CINCO) ANOS AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 1o, DO DECRETO No 20.910/32. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 21 DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (AC no 2014.015548-7, 3a Câmara Cível do TJRN, Rel. Des. Amaury Moura Sobrinho, j. 14.04.2015 – [destaques acrescidos].

Apesar de não haver dispositivo legal que autorize ou proíba o pagamento de indenização por licença-prêmio não gozadas, compreende-se procedente este pleito autoral, em decorrência do princípio que veda o enriquecimento sem causa, disciplinado nos arts. 884 a 886 do Código Civil proibindo o enriquecimento ilícito, ou seja, aquele obtido sem justa causa.

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. [destaques acrescidos]

Verificando a situação caracterizadora do princípio em referência, cabe ao magistrado tomar as providências para que aquele que se locupletou indevidamente restitua o valor auferido. Impende registrar que, embora regulado pelo Código Civil, o princípio que proíbe o enriquecimento sem causa tem aplicação no âmbito do Direito Administrativo. Com efeito, a ninguém é dado o direito de obter vantagem indevida. Quando aquele que se locupleta ilicitamente é o Poder Público, a situação ganha contornos ainda mais gravosos, pois incumbe a este zelar pelos interesses e bem-estar dos administrados, aí incluindo os próprios servidores públicos.

Sobre a possibilidade de haver enriquecimento sem causa pela Administração Pública, no caso desta não proceder à indenização por licença-prêmio não gozadas a servidor aposentado, assim já se manifestaram o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, conforme se vê, respectivamente, a seguir:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA. EXPRESSA. PERÍODO NÃO GOZADO EM FACE DA NECESSIDADE DE SERVIÇO. PREVISÃO LEGAL. REQUERIMENTO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Este Superior Tribunal, em diversos julgados, consolidou a orientação de que é cabível a conversão em pecúnia da licença-prêmio e/ou férias não gozadas, em razão do serviço público, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração.

2. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no RECURSO ESPECIAL n.o 1.360.642/RS. Órgão Julgador: 2a Turma; Rel.: Min. Mauro Campbell Marques. data do julgamento: 16.05.2013) [destaques acrescidos]

EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público. Aposentadoria. Férias e licença-prêmio não gozadas na atividade. Indenização. Direito reconhecido. Vedação do enriquecimento sem causa e responsabilidade civil do Estado. Fundamentos autônomos infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição. Agravo regimental não provido. Precedentes. A questão de indenização, na aposentadoria de servidor público, por férias e licença-prêmio não gozadas na atividade, fundada na proibição do enriquecimento sem causa da Administração e na responsabilidade civil do Estado, é matéria infraconstitucional, insuscetível de conhecimento em recurso extraordinário. (STF; RE-AgR no 239552/RJ, Órgão Julgador: 1a Turma; Rel.: Min. Cezar Peluso; data do julgamento: 31.08.2004) [destaques acrescidos]

No mesmo sentido, vem se manifestando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte:

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO QUINQUENAL. DATA DA PUBLICAÇÃO DO ATO DE APOSENTADORIA. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT