Acórdão Nº 08101021620238200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 06-10-2023

Data de Julgamento06 Outubro 2023
Classe processualCONFLITO DE JURISDIÇÃO
Número do processo08101021620238200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: CONFLITO DE JURISDIÇÃO - 0810102-16.2023.8.20.0000
Polo ativo
JUÍZO DE DIREITO DO 1º JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE NATAL/RN
Advogado(s):
Polo passivo
Juízo do 1º Juizado Especial Criminal e de Trânsito da Comarca de Natal
Advogado(s):

Conflito de Competência nº 0810102-16.2023.8.20.0000.

Suscitante: Juízo do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Suscitado: Juízo do 1º Juizado Especial Criminal da Capital.

Relator: Desembargador João Rebouças.


EMENTA: PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SUPOSTAS AMEAÇAS PRATICADOS CONTRA SUA FILHA E EX-COMPANHEIRA. BELIGERÂNCIA DEVIDO AO USO ABUSIVO DE DROGAS E MOTIVADO PELO CIÚMES. NOVO CONTEXTO NORMATIVO TRAZIDO PELA LEI N. 14.550/2023. MAIOR PROTEÇÃO À MULHER. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA DO GÊNERO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRECEDENTES RECENTES DO PLENÁRIO DO TJRN.

- A partir das recentes alterações na Lei n.º 11.340/06, promovida pela Lei n.º 14.550/23, restou cristalizado que, estando configurada alguma das situações previstas no seu art. 5º, é irrelevante a causa ou a motivação dos atos de violência, para a incidência da lei Maria da Penha.

- Tal alteração legislativa está em consonância, inclusive, com grande parte do setor doutrinário e jurisprudencial que já entendia no sentido de que todo ato de violência doméstica, familiar e oriunda de relação íntima de afeto contra uma mulher é sempre uma forma de violência baseada no gênero.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores que integram o Plenário deste Egrégio Tribunal de Justiça, À UNANIMIDADE, reconhecer que compete ao Juízo do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal/RN processar e julgar a ação objeto deste incidente, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Conflito de Competência instaurado entre os Juízos do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e do 1º Juizado Especial Criminal e de Trânsito, ambos da Comarca de Natal/RN, quanto ao processamento e julgamento do Termo Circunstanciado de n.º 0861608-97.2022.8.20.5001, deflagrado em face de Roberto Saldanha Toscano.

O Juízo do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Natal reconheceu a incompetência do Juízo para prosseguir no feito sob o argumento de que não há violência de gênero (Id 20892334 - páginas 49-51).

Após redistribuição, o Magistrado do 1º Juizado Especial Criminal e de Trânsito da Comarca de Natal/RN, entendendo que, com o advento da Lei n.º 14.550/23, todas e qualquer violência praticada contra mulher no âmbito doméstico deve ser reconhecida como violência do gênero, independentemente de comprovação da motivação, remeteu de volta os autos ao 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que suscitou o presente conflito (Id 20892334 - páginas 109-110 e Id 20892334 - páginas 127-129).

A 4ª Procuradoria de Justiça opinou pelo reconhecimento da competência do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Natal (Id 21012957).

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do incidente.

Cinge-se à análise deste Conflito de Competência em saber de quem é a competência para processar e julgar o procedimento de n.º 0861608-97.2022.8.20.5001, deflagrado em face de Roberto Saldanha Toscano.

O Juízo do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal argumentou que a situação posta nos autos não envolve violência de gênero, o que afasta imediatamente a incidência da Lei 11.340/2006, como bem apontado no estudo de caso elaborado pela equipe multidisciplinar atuante neste Juízo.

Do substrato fático constante no procedimento objeto deste incidente, colhe-se que a violência perpetrada pelo ex-companheiro contra a ex-companheira e sua filha, no âmbito familiar e doméstico, ao que me parece é decorrente da violência do gênero.

Independentemente disso, a Lei nº 14.550/2023 alterou pontos importantes na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), ao dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da Lei, ampliando ainda mais a proteção da mulher no contexto afetivo, doméstico e familiar.

Desse modo, a alteração promovida pela Lei nº 14.550/2023, com a inserção do art. 40-A na Lei nº 11.340/2006, ampliou o espectro de aplicação do microssistema de proteção da Lei Maria da Penha ao prever que o deferimento das medidas independe da causa ou da motivação dos atos de violência ou da condição do ofensor ou da ofendida.

Dentro deste contexto, em face da redação do art. 40-A, sustenta-se que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada a todos os casos de violência cometido contra as mulheres, independentemente da causa ou motivação.


Esse Plenário, recentemente, ainda que por maioria, sedimentou o entendimento no sentido de que incide a Lei Maria da Penha independentemente da causa ou da motivação, conforme se pode observar dos seguintes julgados:

"EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE O JUÍZO 2.º JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E O 1º JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E DE TRÂNSITO, AMBOS DA COMARCA DE NATAL/RN. APURAÇÃO DE SUPOSTO CRIME DE AMEAÇA. DELITO PERPETRADO CONTRA A SOBRINHA DOS AGENTES. CONTEXTO QUE DENOTA VIOLÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR. ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI 14.550/2023, COM A REDAÇÃO DO NOVO ART. 40-A QUE PREVÊ A INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA INDEPENDENTE DA CAUSA OU DA MOTIVAÇÃO DA VIOLÊNCIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO 2.º JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE NATAL, ORA SUSCITANTE". (TJRN - CC nº 0807905-88.2023.8.20.0000 – Relator Desembargador Amaury Moura – Tribunal Pleno - j. em 30/08/2023).

"EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL E LEI DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (LEI Nº 11.340/2006). CONFLITO...

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