Acórdão Nº 08104041920198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 20-04-2021

Data de Julgamento20 Abril 2021
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08104041920198205001
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0810404-19.2019.8.20.5001
Polo ativo
MARIA ENEIDE MOURA GAMA
Advogado(s): ALBINO LUCIANO SOUSA DE MEDEIROS
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL




RECURSO CÍVEL Nº 0810404-19.2019.8.20.5001

RECORRENTE: MARIA ENEIDE MOURA GAMA

ADVOGADO: DR. ALBINO LUCIANO SOUSA DE MEDEIROS

RECORRIDOS: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE E IPERN

PROCURADOR: DR. ROBERTO FERNANDO DE AMORIM JUNIOR

RELATORA: JUÍZA SANDRA ELALI



EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL APOSENTADA. MAGISTÉRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. ABONO DE PERMANÊNCIA. COISA JULGADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 485, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA. MÁ-FÉ QUE NÃO SE PRESUME E TEM DE SER COMPROVADA. AUSENTE A PROVA DA MÁ-FÉ AFASTA-SE A CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, para afastar a condenação por litigância de má-fé, nos termos do voto da relatora, parte integrante deste acórdão. Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios, em face do disposto no art. 55, caput, da Lei nº 9.099/95.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARIA ENEIDE MOURA GAMA, contra a sentença que, nos autos de ação de cobrança por ela proposta em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e do INSTITUTO DE PREVIDENCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO, já qualificados nos autos, julgou extinto o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, V, do Código de Processo Civil, condenando a recorrente a “pagar ao Estado do RN, a título de litigância de má-fé, o valor total de R$ 1.107,90 (um mil cento e sete reais e noventa centavos), sendo a multa no valor de R$ 415,46 (quatrocentos e quinze reais e quarenta e seis centavos)", com correção monetária, com base no IPCA, e juros legais de 1% ao mês, ambos a contar do ajuizamento da ação, e os honorários advocatícios no importe de R$ 692,44 (seiscentos e noventa e dois reais e quarenta e quatro centavos).


A sentença determinou, ainda, que se oficiasse à OAB/RN comunicando o procedimento do advogado, que ajuizou o mesmo pedido, com as mesmas partes e mesma causa de pedir em demanda fazendária em sede de Juizado Especial.


Em suas razões recursais, a recorrente afirmou que ajuizou ação pretendendo o pagamento de “abono de permanência”, tendo sido apresentada contestação sem qualquer alegação de litispendência ou coisa julgada. Diante disso, foi surpreendida pela sentença de extinção, condenando-a em multa por litigância de má-fé, sem que lhe fosse oportunizado o contraditório quanto ao duplo ajuizamento de ação com mesmo objeto.

Alegou que jamais quis induzir os advogados de ambas as ações e o próprio Juízo a erro, ou agir de má-fé, admitindo que o ajuizamento da presente ação se deu, única e exclusivamente por falha na comunicação entre a recorrente e seus patronos, o que ocasionou o ajuizamento da demanda por equívoco.

Ressaltou que “não tinha ciência do ajuizamento pretérito da demanda com o advogado Thiago Tavares (constituído em 13/06/2017) e, além disso, sem ter nenhuma solução do Processo Administrativo que tinha dado entrada em 15/04/2011, Protocolo nº 75920/2011-5, pleiteando o abono de permanência, haja vista já se passarem mais de 08 (oito) anos sem o devido ressarcimento, com receio de prescrever o direito, buscou o advogado que ora a representa nesta ação", em janeiro de 2019, o qual já havia constituído em demanda anterior, no ano de 2013 (anexo no ID 51302439) "para obter seu direito na Justiça”, inexistindo, portanto, a má-fé processual pela qual foi condenada.


Explicou na declaração de ID 51302436 a confusão que fez, tendo em vista que ajuizou quatro ações na busca pelos seus direitos e asseverou que : “(i) não basta apenas o enquadramento no art. 80 do NCPC, o que nem houve neste caso em recurso, posto que o erro de procedimento da parte não consta no rol legal de má-fé; além disso, (ii) deve haver algum prejuízo ou intenção de prejudicar a outra parte, o que no presente caso não se verificou, situação reconhecida pelo próprio julgado: “De mais a mais, considerando que o ajuizamento malicioso da presente ação não causou prejuízos ao Estado, deixo de condená-la em indenização” (ID. Num. 49775609 - Pág. 3); finalmente,(iii) deveria ser oportunizada a “defesa” ao suposto litigante de má-fé sem a qual torna a condenação injusta, é o caso desta Sentença que ora se roga a reforma”.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso, para que seja reformada em parte a sentença recorrida e, consequentemente, seja afastada a condenação em litigância de má-fé, uma vez que o erro de procedimento não pode ser entendido ou presumido como má-fé processual. E pediu a concessão da gratuidade da justiça.

Não foram apresentadas contrarrazões ao recurso.

É o relatório.


VOTO

Inicialmente, defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98, §1º, inciso VIII, e 99, § 7º, todos do Código de Processo Civil.

Por oportuno, registro que a gratuidade da justiça é corolário do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República. E o colendo Supremo Tribuna Federal já consolidou o entendimento de que, para a obtenção da justiça, é prescindível a declaração formal de hipossuficiência, tendo em vista que a simples alegação do interessado de que não dispõe de recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas processuais é suficiente para comprová-la.

Ademais, há de se observar que, para a concessão do benefício, não se exige o estado de penúria ou de miserabilidade, mas tão somente a pobreza na acepção jurídica do termo, a carência de recursos suficientes para suportar o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, não se admitindo que as custas processuais constituam óbice ao direito de ação, nem ao acesso ao Judiciário. E somente se admite o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça na hipótese prevista no art. 99, § 2º do Código de Processo Civil.

Feitos esses registros, observo que estão presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso e, em assim sendo, dele conheço.

Pelo exame dos autos, verifica-se que se impõe o provimento do recurso. Por oportuno, há de se observar que consta da sentença o seguinte:

[...] A parte autora promoveu ação de cobrança contra o Estado do RN, requerendo o pagamento do abono de permanência referente ao período de 25.03.11 a 31.03.2017 (data anterior a sua aposentadoria).

Citado, o Estado do Rio Grande do Norte apresentou contestação, impugnando o mérito de forma especificada.

Não restando a matéria versada nestes autos incluída no rol das hipóteses de intervenção ministerial (Portaria nº 002/2015-2JEFP, de 05/11/2015; Pedido de Providências nº 146/2015, da CGMP-RN; e Recomendação Conjunta nº 002/2015-MPRN, publicada no DOE/RN em 30/10/2015), vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

Compulsando os autos, após buscas realizadas junto ao PJE, verifico que há uma outra ação, idêntica a esta, em curso no 3º Juizado Especial da Fazenda Pública, já em fase de cumprimento de sentença, sob o n.º 0830483-87.2017.820.5001.

Tendo em vista que a pretensão autoral já foi apreciada em demanda anterior, pois julgada parcialmente procedente, não é possível a rediscussão das questões já decididas, uma vez que acobertadas pelo manto da coisa julgada.

Preceitua o art. 485, inciso V, do NCPC:

"Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

V– reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada" – destaquei.

Na hipótese, fica claro que as referidas ações, ajuizadas em julho de 2017 e em março de 2019, possuem as mesmas partes e pedidos idênticos, verificando que a parte autora requer o pagamento de abono de permanência referente ao mesmo período (março de 2011 até sua aposentadoria).

Assim, na atual quadra processual, é incontroversa a intenção da parte autora ou de seu advogado de se beneficiar com a reprodução de ação idêntica a anterior, em potencial prejuízo ao Estado. Todavia, eventual solidariedade, decorrente de lide temerária, deverá ser apurada em ação própria, conforme art. 32, caput, e parágrafo único, do Estatuto da OAB, devendo ser expedido ofício à OAB/RN, para que tenha ciência do procedimento do advogado que ajuizou o mesmo pedido, com as mesmas partes e mesma causa de pedir em demanda fazendária em sede de Juizado Especial.

Ressalte-se que a presente ação foi ajuizada quase dois anos após a distribuição da primeira, e nada constou da petição acerca da existência do feito anterior.

Entendo que tais elementos comprovam a intenção dolosa da parte e/ou advogado. Em decorrência de tal conduta, merece ser a parte autora penalizada por litigância de má-fé, nos termos do NCPC:

“Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

(...)

§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.”


Destarte, condeno a parte autora ao pagamento de multa, no percentual de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) do valor corrigido da causa, a fim de...

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