Acórdão Nº 08108609220238200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 26-10-2023

Data de Julgamento26 Outubro 2023
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08108609220238200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0810860-92.2023.8.20.0000
Polo ativo
JULIANA XAVIER DA COSTA
Advogado(s): PAULO AUGUSTO PINHEIRO DA SILVA
Polo passivo
Juiza de Direito da 7º Vara Criminal de Natal
Advogado(s):

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Gabinete do Desembargador Gilson Barbosa – Juiz Convocado Ricardo Tinoco

Habeas Corpus n. 0810860-92.2023.8.20.0000

Impetrante: Dr. Paulo Augusto Pinheiro OAB/RN 9790

Paciente: Juliana Xavier da Costa

Aut. Coatora: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN

Relator: Juiz Convocado Ricardo Tinoco

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA EM RAZÃO DA PROFISSÃO (ART. 168, § 1º, III, C/C ART. 71 (DUAS VEZES), AMBOS DO CP). PRETENSO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. DESCABIMENTO. HIPÓTESE APLICÁVEL SOMENTE NOS CASOS DE ATIPICIDADE DA CONDUTA OU QUANDO NÃO HÁ INDÍCIOS DE AUTORIA E EXISTÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. PRESENÇA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO PARA SUPEDANEAR A DENÚNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ATENDIDOS. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER CAUSA DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA PREVISTA NO ART. 395 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENSA REALIZAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP, PREVISTO NO ARTIGO 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SETENÇA. RETROATIVIDADE DA LEI PARA CRIMES COMETIDOS ANTES DA VIGÊNCIA DO PACOTE ANTICRIME (LEI 13.964/2019). OBSERVÂNCIA AO ART. 28-A § 14 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA PARCIALMENTE. DISSONÂNCIA COM O PARECER DA 6ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dissonância com o parecer da 6ª Procuradoria de Justiça, conhecer e conceder parcialmente a ordem de habeas corpus, para determinar que sejam os autos remetidos ao Procurador-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28-A, § 14, do Código de Processo Penal nos termos do voto do relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pelo advogado Paulo Augusto Pinheiro em favor de Juliana Xavier da Costa, apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal da Comarca de Natal.

Nas razões, informou o impetrante que a paciente foi denunciada pela suposta prática do crime previsto no art. 168, § 1º, III, na forma do art. 71 (2x), ambos do Código Penal.

Alegou que a paciente figura como denunciada na Ação Penal n. 0106139-43.2020.8.20.0001, sem qualquer fundamento legal ou fático, ante a ausência de materialidade delitiva e da própria existência de crime.

Asseverou que é totalmente descabida a acusação ministerial, tendo em vista que a imputação se deu pelo fato da paciente, na condição de advogada, não ter repassado, em momento oportuno, os valores recebidos de um acordo firmado entre seus clientes e outra parte.

Destacou que “não obstante, em decorrência da denúncia, mesmo considerando o acordo inserido nos autos, em que a paciente e seus respectivos clientes transigiram no recebimento de valores, inclusive, com depósitos em cumprimento a obrigação” (sic) o juízo a quo recebeu a denúncia ofertada.

Segue narrando sobre a inexistência de justa causa para prosseguimento da presente ação penal.

Acrescentou ainda que “mesmo com documentos que comprovariam a ausência de dolo da ré, e ainda, que a controvérsia tratada foi proveniente de suposta desajuste contratual e mesmo assim, resolvido entre as partes, o ministério público aforou denúncia em desfavor da defendente em situação que jamais poderia configurar crime” (sic)

Relatou sobre a ausência de fundamentos na decisão que indeferiu a remessa dos autos ao Ministério Publico em grau de revisão para oferecimento do ANPP.

Ao final, requereu:

a) Que, seja SOBRESTADA a tramitação da ação penal nº. 0106139-43.2020.8.20.0001, originada na 7ª vara criminal de Natal/RN, em relação a paciente JULIANA XAVIER DA COSTA até julgamento de mérito do presente writ, tendo em vista, que a audiência de instrução processual foi aprazada para o dia 10/10/2023 às 09:00, podendo gerar prejuízos irreparáveis a paciente, ante a grande probabilidade de persecução infundada e mácula na própria carreira profissional;

NO MÉRITO: b) Requer-se o TRANCAMENTO da ação penal nº. 0106139-43.2020.8.20.0001, em relação a JULIANA XAVIER DA COSTA, considerando a ausência da lesão jurídica provocada, visto o adimplemento voluntário (contrato extrajudicial) e no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público, por conseguinte, a atipicidade dos fatos e da manifesta ausência de justa causa, em relação aos crimes tipificados no artigo 168, §1º, inciso III, na forma do artigo 71 (2x), ambos do Código Penal; SUBSIDIARIAMENTE, caso não entenda pelo trancamento, requer, a concessão da ordem, pela não observância do art. 28-A do CPP (introduzido pelo Pacote Anticrime - Lei n. 13.964/2019), e, por conseguinte, que se remeta os autos ao ministério público com suspensão da ação penal acerca de eventual interesse na propositura de acordo de não persecução penal, nos termos do artigo supracitado;

c) Declaramos, por fim, a autenticidade dos documentos que instruem a presente ordem; (sic)

Acostou aos autos documentos.

No termo de busca, ID. 21238435, expedido pela Secretaria Judiciária deste Tribunal, consta a inexistência de outros processos em nome da paciente.

Liminar indeferida, ID. 21253742.

A autoridade coatora prestou informações, ID. 21468791.

A 6ª Procuradoria de Justiça, no parecer ofertado, ID. 21498931, opinou pelo conhecimento e denegação da ordem impetrada.

É o relatório.

VOTO

O cerne inicial da presente ação constitucional de habeas corpus consiste no trancamento da Ação Penal 0106139-43.2020.8.20.0001 em relação à paciente.

Razão não assiste ao impetrante.

Registre-se que o trancamento de uma ação penal na esfera estreita do habeas corpus somente é pertinente quando for irrefutável que o fato descrito na denúncia é atípico, ou falta prova da materialidade ou de indícios suficientes de autoria, ou incidir causa extintiva da punibilidade ou, ainda, houver violação dos elementos exigidos para a peça acusatória.

No caso específico dos autos, a controvérsia restringe-se à suposta inépcia da denúncia e consequente ausência de justa causa para a propositura da ação.

Verifica-se, no entanto, do contexto indiciário, que há elementos suficientes para a instauração do processo criminal.

Isso porque se observa da peça acusatória que estão presentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, pois houve a exposição do fato criminoso e as suas circunstâncias, tendo o órgão acusador delimitado a conduta da denunciada de forma clara e apta a ensejar o regular processo e o exercício da ampla defesa, não se constatando a alegada inépcia (ID. 21168330). Veja-se:

" Entre os anos de 2017 e 2018, nesta Capital, a denunciada se apropriou de coisa alheia móvel de que tinha a posse ou detenção em razão de profissão, em prejuízo das vítimas Nélio dos Santos Souza e Maria Lucilene Leandro Souza.

Depreende-se dos autos que em 2006 Nélio e sua esposa firmaram com a COOPHAB/RN contrato de promessa de compra e venda de um imóvel situado no Residencial Esplanada dos Jardins, mediante o pagamento de 130 (cento e trinta) parcelas de R$ 470,57 (quatrocentos e setenta reais e cinquenta e sete centavos), cujo início se deu em 10 de maio daquele ano. Ao final do prazo estipulado para a entrega do apartamento e já tendo sido quitadas 115 (cento e quinze) parcelas, a cooperativa não entregou o apartamento.

Assim, Nélio contratou a advogada JULIANA, a fim de que ela ajuizasse ação cível contra a cooperativa, buscando o ressarcimento financeiro das despesas decorrentes de alugueis.

Com o êxito do Processo nº 0822334 64.2015.8.20.5004, do 9º Juizado Especial Cível Central de Natal, a COOPHAB foi condenada a ressarcir o montante de R$ 19.345,23 (dezenove mil, trezentos e quarenta e cinco reais e vinte e três centavos) às vítimas. Assim, em 12/06/2017, foram expedidos dois alvarás: um em favor de Nélio e Maria Lucilene; e outro para a advogada, de R$ 3.869,05 (três mil, oitocentos e sessenta e nove reais e cinco centavos).

Ocorre que JULIANA levantou as quantias mencionadas e repassou para Nélio Souza apenas R$ 15.400,00 (quinze mil e quatrocentos reais), locupletando-se da diferença, que alegou ser devida a título de honorários advocatícios, muito embora a parte ofendida já tivesse pago anteriormente a quantia cobrada pelos serviços. […]

Em verdade, JULIANA ajuizou 05 (cinco) ações em favor dos clientes em questão contra a cooperativa, sendo elas: 0855196-97.2015.8.20.5001 (9ª Vara Cível de Natal – extinta sem resolução do mérito, por desistência); 082233464.2015.8.20.5004 (9º JEC Natal – com sentença condenatória do pagamento dos alugueis de 2013 a 2016); 0814979-32.2017.8.20.5004 (3º JEC Natal – extinta sem julgamento do mérito, em razão da desistência da parte autora); 0816615-33.2017.8.20.5004 (3º JEC Natal – extinta sem resolução do mérito por litispendência); e 0814980-17.2017.8.20.5004 (3º JEC Natal – com sentença condenatória de restituição dos valores pagos e dos alugueis de 2016 a 2017, totalizando a quantia de R$ 38.160,00 (trinta e oito mil e cento e sessenta reais) (ID 98751417 - Pág. 39).

Acontece que Maria Lucilene descobriu posteriormente que, nada obstante a existência do título executivo judicial, a acusada havia assinado um acordo com a cooperativa para receber o montante de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais).

De fato, a COOPHAB apresentou judicialmente a cópia do referido acordo e os comprovantes de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT