Acórdão Nº 08108999420208200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 27-06-2021

Data de Julgamento27 Junho 2021
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08108999420208200000
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0810899-94.2020.8.20.0000
Polo ativo
LISIANE DA SILVA BEZERRA LIMA e outros
Advogado(s): MARCOS RAFAEL FREITAS LEMOS, MAXIMIANO CAETANO HAACK
Polo passivo
CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA
Advogado(s): FRANCISCO FELLIPE MORATO DE ARAUJO, JOSE ALEJANDRO BULLON SILVA, JULIANA DE ALBUQUERQUE OZORIO BULLON, ROZILENE SANTOS CONCEICAO, HERON ALMEIDA PEDROSO, GABRIEL PIRES DE SENE CAETANO, GABRIELLE FIGUEIREDO DE FRANCA

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO QUE DETERMINOU A PROIBIÇÃO DE DIVULGAR INFORMAÇÕES ACERCA DE ACOMPANHAMENTO, AVALIAÇÃO DE PROBLEMAS VISUAIS, REALIZAÇÃO DE EXAMES DE VISTA, BEM COMO IMPLANTE OCULAR POR PARTE DOS OPTOMETRISTAS, SOB PENA DE MULTA. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA E LITISPENDÊNCIA, SUSCITADAS PELOS AGRAVANTES. REJEIÇÃO. MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE DOS OPTOMETRISTAS ATENDEREM CLIENTES COM ESCOPO DE DIAGNOSTICAR DOENÇAS, PRESCREVER MEDICAMENTOS, REALIZAR EXAMES DE VISTA OU PRATICAR OUTRAS ATIVIDADES PRIVATIVAS DO PROFISSIONAL MÉDICO OFTALMOLOGISTA – LIMITE DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS AGRAVANTES EXTRAPOLADO – SERVIÇOS QUE INVADEM A ESFERA DE ATIVIDADES EXCLUSIVAS DO MÉDICO OFTALMOLOGISTA E AFRONTAM NORMAS CONTIDAS NOS DECRETOS NºS 20.931/32 E 24.492/34, RECEPCIONADOS COM FULCRO NA IMPROCEDÊNCIA DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 131. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao Agravo de Instrumento, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por LISIANE DA SILVA BEZERRA LIMA, LISIANE DA SILVA BEZERRA LIMA – ME e RANIEL DOS SANTOS GOMES, por seu advogado, em face de decisão interlocutória proferida pelo Juiz de Direito da 10ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, que, nos autos da Ação Civil Pública (processo nº 0849722-72.2020.2020.8.20.5001) proposta pelo CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA, deferiu o pedido de concessão de tutela de urgência formulado na inicial, para determinar que as rés deixassem de veicular, divulgar informações acerca de acompanhamento, avaliação de problemas visuais, realização de exames de vista, bem como implante ocular, limitando - se apenas a divulgar suas práticas, a fim de auxiliar no tratamento médico dos problemas oftalmológicos, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Nas razões recursais (ID 8178979), os Agravantes suscitaram, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da parte ora agravada, destacando que é pessoa jurídica de direito privado, não sendo legítima, portanto, para propor ação civil pública, bem como a existência de litispendência com outra ACP ajuizada na Justiça Federal.

No mérito, afirmaram que inexiste a probabilidade do direito defendido e o perigo de dano, assim como destacaram que “(...) já há entendimento vinculante sobre a não recepção material dos artigos 38, 39 e 41 do Dec. nº 20.931/32, e art. 14 do Dec. nº 24.492/34 em relação aos Optometristas formados!”

Por fim, pugnaram pela concessão de efeito suspensivo ao recurso. No mérito, requereram o conhecimento e provimento do Agravo de Instrumento, com a reforma da decisão agravada.

Em decisão ID 8288981, este Relator indeferiu o pedido de efeito suspensivo ao recurso.

A parte agravada, apesar de devidamente intimada, deixou de apresentar contrarrazões ao recurso, conforme certificado nos autos (ID 9496746).

Com vista dos autos, a 17ª Procuradoria de Justiça (ID 9542824) opinou pela rejeição das preliminares suscitadas e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO


PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA E LITISPENDÊNCIA SUSCITADAS PELOS AGRAVANTES.

Os agravantes suscitaram a preliminar de ilegitimidade ativa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia para o ajuizamento da Ação Civil Pública, o que entretanto, não prospera.

Isto porque, além de o CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA se enquadrar no conceito de associação, previsto no art. 44, inc. I, do CC, consta dos autos registro de sua criação há mais de um ano, bem como que uma de suas finalidades é a prevenção, preservação e recuperação da saúde visual da população, possuindo, portanto, legitimidade para ajuizar ação visando a tutelar o direito difuso dos consumidores ao tratamento de saúde por profissional habilitado, a teor da previsão do art. 5º, V, da Lei n° 7.347/85, que estabelece:

“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

(…) V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;”

Nesse sentido, é a jurisprudência sobre o tema:


AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE ATIVA - ASSOCIAÇÃO - ART. 5º, V, DA LEI 7.347/85 - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS- LIMINAR - OPTOMETRISTA - DECRETO 20.931/92 - VIGÊNCIA - EXAMES DE ACUIDADE VISUAL E PRESCRIÇÃO DE LENTES - VEDAÇÃO - LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DE ATOS PRIVATIVOS DE MÉDICO OFTALMOFOGISTA - REQUISITOS PREENCHIDOS - INTERDIÇÃO DA CLÍNICA - INVIABILIDADE.
A Associação criada há mais de um ano e que prevê como finalidade em seu estatuto zelar pela saúde ocular da população possui legitimidade para ajuizar ação visando tutelar o direito difuso dos consumidores ao tratamento de saúde por profissional habilitado (art. 5º, V, da Lei 7.347/85). Os dispositivos do Decreto 20.931/192, que tratam do profissional de optometria estão em vigência, permanecendo a vedação dos optometristas de praticarem atos privativos de médico oftalmologista, como a prática de exames de acuidade visual e de prescrição de lentes corretivas (jurisprudência do STJ). Demonstrada a presença dos requisitos necessários para a concessão de liminar em ação civil pública que visa abstenção da prática de atos privativos de médico oftalmologista por optometrista, quais sejam, a relevância da fundamentação (aparência do direito) e o perigo da demora, a concessão da medida postulada se impõe. Inviável a concessão de medida liminar de interdição de clínica onde atua profissional de optometria devidamente habilitado, onde poderá desenvolver seu labor, nos limites legalmente impostos. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.163121-7/001, Relator(a): Des.(a) Octávio de Almeida Neves , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/0020, publicação da súmula em 08/07/2020. (destaquei)

Logo, resta configurada a legitimidade ativa do Conselho Brasileiro de Oftalmologia para o ajuizamento da Ação Civil Pública.

No tocante à litispendência, tal alegação igualmente não prospera.

O artigo art. 337, § 2º, do CPC, dispõe que uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido

No caso presente, a ação que tramita na Justiça Federal foi ajuizada por pessoa jurídica diversa, qual seja, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Norte, o que, por si só, afasta a hipótese de litispendência.

Nesse diapasão, rejeito as preliminares de ilegitimidade ativa e litispendência suscitadas pelos agravantes, passando à análise do mérito recursal.

VOTO - MÉRITO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

O presente Agravo de Instrumento objetiva a reforma da decisão proferida pelo juízo a quo que deferiu o pedido de concessão de tutela de urgência formulado na inicial, para determinar que as rés deixassem de veicular, divulgar informações acerca de acompanhamento, avaliação de problemas visuais, realização de exames de vista, bem como implante ocular, limitando - se apenas a divulgar suas práticas, a fim de auxiliar no tratamento médico dos problemas oftalmológicos, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 100.000,00 (cem mil reais)

In casu, o julgador a quo entendeu que o limite da atividade profissional dos Réus, ora Agravantes, foi extrapolado, pelo que os serviços por estes ofertados acabam por adentrar em atividades que são exclusivas do médico oftalmologista.

De fato, como bem enfatizado na decisão agravada, a atividade dos Agravantes é regulamentada pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio da Portaria MTE n° 397/2002, cujos limites de atuação são regulamentados pelos Decretos nº 20.931/32 e nº 24.492/34.

Pelo que se vê, os dispositivos dos Decretos 20.931/32 e 24.494/34 não permitem aos optometristas o atendimento de clientes para diagnosticar doenças, prescrever medicamentos, fazer exame de vista ou praticar outras atividades privativas do profissional médico oftalmologista.

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento na ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental, assim decidiu:

“Ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Artigos 38, 39 e 41 do Decreto 20.931/32 e artigos 13 e 14 do Decreto 24.492/34. 3. Optometristas com atuação prática mitigada. Proibição de instalação de consultórios e procedência na avaliação de acuidade visual de pacientes. Vedação à confecção e comercialização de lentes de contato sem prescrição médica. 4. Limitações ao exercício da profissão. Supostas violações aos art. 1º, incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV (livre iniciativa, isonomia e liberdade ao exercício de trabalho, ofício e profissão); art. 3º, inciso I; art. 5º, caput, incisos II, XIII, XXXV, LIV, LVI, §§1º e 2º; art. 60, § 4º, inciso IV (segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade); art. 6º, caput, e art. 196 (direito à saúde, no que tange à prevenção), todos da Constituição Federal. 5. Incidência do art. 5º,...

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