Acórdão Nº 08111485320208205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 05-07-2023

Data de Julgamento05 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08111485320208205106
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0811148-53.2020.8.20.5106
Polo ativo
Banco do Brasil S/A
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR registrado(a) civilmente como WILSON SALES BELCHIOR
Polo passivo
DANIELA FARIA FLORENCIO
Advogado(s): RAUL NOGUEIRA SANTOS, LUIZ CARLOS BATISTA FILHO

RECURSO INOMINADO CÍVEL Nº.: 0811148-53.2020.8.20.5106

ORIGEM: 3º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE MOSSORÓ

RECORRENTE: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADO: WILSON SALES BELCHIOR

RECORRIDA: DANIELA FARIA FLORENCIO

ADVOGADOS: RAUL NOGUEIRA SANTOS/LUIZ CARLOS BATISTA FILHO

JUIZ RELATOR: CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. CANCELAMENTO UNILATERAL DO AGENDAMENTO DO DÉBITO AUTOMÁTICO. COBRANÇA DE ENCARGOS. INSCRIÇÃO NEGATIVA DA PARTE AUTORA EM ÓRGÃOS DE RESTRIÇÃO CREDITÍCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE FATO MODIFICATIVO, IMPEDITIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DA AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, II, CPC. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PLEITO AUTORAL. RECURSO DA PARTE RÉ. MANUTENÇÃO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes que integram a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, conhecer do recurso e, por unanimidade, negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida por seus próprios fundamentos, com os acréscimos contidos no voto do Relator. Com condenação do recorrente vencido em custas processuais e em honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, ante o não provimento recursal.

Natal/RN, 20 de junho de 2023.

CLEANTO ALVES PANTALEÃO FILHO

Juiz Relator

RELATÓRIO

SENTENÇA:

Dispensado o relatório nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95.

A parte autora alegou que possui um cartão de crédito do banco demandado, cadastrado no débito automático das prestações, serviço que não foi efetuado em 16/12/2019 do valor de R$ 1.654,35 (mil e seiscentos e cinquenta e quatro reais e vinte e oito centavos), em razão disso foi cobrado juros de mora, os quais entende como abusivos. Alegou, ainda, que seu nome foi inserido nos cadastros de restrição ao crédito.

Assim, requereu a concessão da tutela de urgência para que o banco réu retirasse o nome da parte autora dos órgãos de proteção ao crédito. No mérito, requereu a restituição dos danos materiais, em dobro, no valor de R$ 441,54 (quatrocentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), além da condenação ao pagamento de indenização em danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

O pedido de tutela de urgência foi deferido (id. 58247199).

A parte demandada, por sua vez, apresentou contestação, alegando preliminarmente a impugnação a concessão dos benefícios de justiça. No mérito, alegou, em síntese, que a inscrição é legítima e tem origem em razão da inadimplência da parte autora do cartão de crédito, uma vez que a parte autora cancelou o agendamento da fatura que seria debitada em conta corrente, não havendo danos indenizáveis. Ao total, requereu que fossem julgados improcedentes os pleitos formulados na petição inicial.

A parte autora apresentou impugnação à contestação rebatendo as teses levantadas pela ré e reiterando os pedidos formulados na exordial.

É o relatório. Decido.

Trata-se de matéria unicamente de direito, sendo desnecessária a produção de outras provas, razão pela qual passo a julgar antecipadamente o mérito da causa, na forma do art. 355, I do Código de Processo Civil.

Quanto ao pedido de impugnação à concessão dos benefícios da justiça gratuita, a Lei n. 9.099/95, nos art. 54 e 55, isenta as partes de cobranças de custas e honorários no primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais. Dessa forma, tal discussão só é relevante em caso de interposição eventual recurso.

Desse modo, rejeito a preliminar suscitada.

Sem mais preliminares, passo à análise do mérito.

No mérito, o cerne da presente demanda resume-se em saber se a parte autora cancelou o agendamento do débito automático da fatura do mês de dezembro de 2019 e se, em razão da inadimplência do débito, restou legítima a inscrição do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito e se existem danos indenizáveis.

Com razão a parte autora.

Diz-se isso porque, da análise dos documentos trazidos aos autos, restou comprovado que a fatura com vencimento em 16/12/2019, no valor de R$ 1.654,28 (mil e seiscentos e cinquenta e quatro reais e vinte e oito centavos), não foi devidamente debitado.

Na fatura com vencimento em 16/01/2020, verifica-se que nesta data foi debitada a fatura anterior. Totalizando a quantia de R$ 3.272,21 (três mil e duzentos e setenta e dois reais e vinte e dois centavos), dos quais gerou um valor de R$ 220,77 (duzentos e vinte reais e setenta e sete centavos), referente a multa de atraso, juros de mora e encargos.

Em relação à devolução em dobro da quantia desembolsada, referente a multa de atraso e juros de mora pela parte autora, entendo ser necessário analisar a existência de erro justificável e má-fé apta a afastar a repetição em dobro por cobrança indevida, como dispõe o artigo 42, do CDC.

Nesse sentido: Acordão nº 1124371, 201601107629APC, Relator: NIDIA CORRÊA LIMA 8ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 13/09/2018, publicado no DJE: 19/09/2018. Pág.: 348/352.

Sobre o assunto, transcrevo as lições de Claudia Lima Marques:

“Se ocorre a cobrança de quantia indevida, o fornecedor não só fica obrigado a restituir o que cobrou em demasia, como seria normal pelo Código Civil, como também fica obrigado legalmente a restituir em dobro, corrigido monetariamente, para evitar qualquer dano ao consumidor e, em última análise, para evitar a negligência no cálculo do valor a ser cobrado do consumidor. A restituição em dobro serve, assim, como espécie de multa, de sanção legal. Mas pode ser elidida se o fornecedor provar que o engano foi “justificável”.”. (Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, 2ª edição em e-book baseada na 8ª edição impressa, 2016).

No caso dos autos, não há falar em erro justificável por parte da instituição financeira. Como dito, houve o cancelamento do agendamento do débito automático. Contudo, ainda assim, no mês seguinte, a quantia foi incluída na fatura, tendo sido cobrada mesmo diante da informação de cancelamento.

Sendo assim, reconheço a má-fé na prática da instituição financeira, bem como na inexistência de erro justificável apto a afastar o direito do consumidor à restituição em dobro.

Ademais, por constatar a hipossuficiência da parte autora em relação à produção de provas, fica decretada a inversão do ônus da prova, com base no art. 6º, VIII, do CDC.

Ao refutar as alegações postas na petição inicial, a parte ré deveria ter trazidos aos autos elementos que comprovassem fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito alegado pelo requerente, nos termos do Art. 373, II, do CPC. Porém, limitou-se a afirmar que houve cancelamento do agendamento do débito automático.

Assim, em verdade, conclui-se que o banco demandado, ao assim proceder, incorreu em falha na prestação de serviços. Com efeito, verificado que a parte autora programou o débito das faturas, revela-se justa a expectativa de que o montante integral seria lançado, vez que havia saldo disponível para tanto.

Diante do exposto, considerando que a parte autora depositou um valor acima da dívida que contraiu junto à parte demandada, que a referida quantia se destinava ao pagamento do débito e que lhe foi repassado que bastaria o depósito na conta informada para sanar toda a dívida, não há que se falar, portanto, na legitimidade da cobrança e, consequentemente, na inscrição do nome da parte autora nos órgãos de proteção ao crédito.

Em relação à reparação civil por danos morais, em casos como o dos autos, ou seja, de inscrição indevida e abusiva, são dispensadas maiores divagações e argumentações quanto à incidência dos danos morais, que no caso decorrem do próprio fato, como já pacificado na jurisprudência pátria tal qual assentado no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do REsp 1707577/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 19/12/2017.

Assim, evidenciada a cobrança indevida e reconhecidos os danos morais decorrentes da inscrição indevida no cadastro de inadimplentes, cumpre fixar o valor devido a título de reparação.

Levando em consideração as peculiaridades do caso, a extensão do dano (art. 944 do Código Civil) e o princípio de que é vedada a transformação do dano em fonte de lucro, fixo em R$ 4.000,00 (quatro mil reais) o valor da indenização por danos morais.

Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para:

CONDENAR o Banco demandado a restituir à parte autora o valor de R$ 220,77 (duzentos e vinte reais e setenta e sete centavos), de forma simples, cobrados a título de multa e juros, com correção monetária pelo índice do INPC a partir do pagamento e juros de mora de 1% (um por cento) a partir da citação.

CONDENAR a parte ré a pagar à parte autora o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais, com correção monetária a ser calculada pelo índice INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos do arbitramento.

CONFIRMAR a tutela de urgência para excluir definitivamente o nome da parte autora dos cadastros de proteção ao crédito.

Sem custas, nem honorários (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95).

Defiro o pedido de justiça gratuita em prol da parte autora.

Fica a parte autora ciente de que,...

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