Acórdão Nº 08112326820188205124 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 10-04-2023

Data de Julgamento10 Abril 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08112326820188205124
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0811232-68.2018.8.20.5124
Polo ativo
PIRANGI PARTICIPAOES LTDA - EPP
Advogado(s): BRUNO MACEDO DANTAS, RODRIGO AZEVEDO DA COSTA
Polo passivo
M & M INDUSTRIA ALIMENTICIA LTDA
Advogado(s): JOSE CARLOS MACHADO ROESSLER

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E LEGISLAÇÃO ESPECIAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SUSTAÇÃO DE COBRANÇA DE REAJUSTE DO VALOR DA LOCAÇÃO C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. LOCAÇÃO DE PONTO COMERCIAL EM SHOPPING CENTER. INAUGURAÇÃO DA LOJA NÃO REALIZADA NA DATA INICIALMENTE AVENÇADA. RETARDO NA ABERTURA NÃO IMPUTADA À LOCATÁRIA. REAJUSTE DO VALOR DO ALUGUEL DEVIDO A PARTIR DE UM ANO DA EFETIVA INAUGURAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. BOA-FÉ OBJETIVA. MANUTENÇÃO DO JULGADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que compõem a 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Pirangi Participações Ltda. em face da sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim que, nos autos da Ação de nº 0811232-68.2018.8.20.5124, movida por M & M Indústria Alimentícia Ltda., julgou o feito nos seguintes termos (ID 17585956):

“Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral e, em decorrência:

a) confirmo os efeitos da tutela deferida no ID 33625733;

b) declaro indevido o reajuste realizado em período anterior a 01 (um) ano da efetiva inauguração da loja (15/12/2018), cabendo a compensação do valor pago de R$ 1.220,10 (um mil duzentos e vinte reais e dez centavos) com eventual aluguel posterior.

Declaro extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015.

Condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.

Após o trânsito em julgado, certifique-se, arquivando-se os autos, em seguida.

Em suas razões (ID 17585960), o apelante sustenta que: a) o reajuste anual a ser realizado em 31.07.2017 é legal; b) não deu causa ao atraso nas obras para inauguração da loja; c) “a mensagem eletrônica objeto do (Id. Num. 32331452), enviada pela Apelante à Apelada, apenas reconheceu que a inauguração das lojas estavam programadas para o final de novembro e início de dezembro de 2018, ou seja, que Apelante apenas tomou ciência de que as lojas seriam inauguradas pelas locatárias naquele período. Observe que não foi a Apelante que definiu tais datas, mas, sim, as próprias locatárias, incluindo a Apelada”.

Requer o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença.

A apelada apresentou contrarrazões conforme ID 17585962, ocasião em que pugna pela manutenção do decisum.

Processo que prescinde da manifestação ministerial, conforme art. 178 do CPC.

É o que importa relatar.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Cinge-se o mérito recursal em aferir a correção da sentença ao declarar “indevido o reajuste realizado em período anterior a 01 (um) ano da efetiva inauguração da loja (15/12/2018), cabendo a compensação do valor pago de R$ 1.220,10 (um mil duzentos e vinte reais e dez centavos) com eventual aluguel posterior”.

Adiante-se que o presente processo será analisado simultaneamente ao de nº 0849644-49.2018.8.20.5001 (Despejo por falta de pagamento c/c Cobrança), em julgamento conjunto, dada a conexão.

A sentença apelada não merece reforma.

É certo que a relação contratual firmada entre as partes constitui-se em contrato de regras específicas, regido pela Lei de Locações:

“Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.”

Nestes termos, em razão de suas particularidades, deve prevalecer, em regra, o ajuste de vontade firmado entre as partes, não se afastando, contudo da apreciação do Judiciário as situações excepcionais, notadamente se diante de eventual lesão ou desequilíbrio contratual.

Por ser assim, igualmente é possível a revisão das condições estabelecidas ante as disposições constantes da Lei de Liberdade Económica (Lei nº 13.874/2019), que alterou o Código Civil:

“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:

I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;

II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;

III - corresponder à boa-fé;

IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e

V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.”

Na espécie, o negócio jurídico em discussão estabelece na cláusula 4.1.1:

O valor do ALUGUEL MENSAL, por força da Lei nº 9.069/95, será reajustado anualmente, tendo como marco inicial para contagem de prazo a data da inauguração da loja, não podendo exceder a data de 31/07/2017, de acordo com a variação monetária apurada pelo índice Geral de Preços de Mercado – IGPM no período, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, ficando, desde logo, estabelecido que, na hipótese de legislação aplicável vir a permitir periodicidade de reajuste inferior à anual, a correção do valor do ALUGUEL MENSAL passará, automaticamente, a ser feita na forma da n ova lei, independentemente de qualquer aviso, comunicação, notificação, ajuste ou formalidade das partes contratantes, ficando ajustado, assim, que o reajuste será sempre feito segundo a menor periodicidade legalmente admitida, ficando desde logo eleita, como periodicidade mínima, a periodicidade mensal.

Em pese a possibilidade de reajuste anual no valor mensal da locação, não há como se desconstituir a convicção firmada no primeiro grau de que a data de 31.07.2017 não é valida para marco do aumento anual.

Isto porque, da análise do conjunto probatório formado pelos cadernos processuais, percebe-se que a apelante não se desincumbiu o ônus imposto pelo art. 373, do CPC, tendo em vista que não desconstituiu a alegação da locatária de “atraso do prazo de conclusão das obras civis necessárias para início das obras de adequação às necessidades de cada comerciante”.

Além do apontado descumprimento na entrega da obra do shopping, o que ensejou o reaprazamento da abertura do ponto comercial, afere-se que a 1ª taxa de implantação do condomínio teve como vencimento o dia 15.12.2017, sendo esta coerente com a programação de inauguração do empreendimento.

Nesse sentir, as argumentações recursais no sentido de que “a mensagem eletrônica objeto do (Id. Num. 32331452), enviada pela Apelante à Apelada, apenas reconheceu que a inauguração das lojas estavam programadas para o final de novembro e início de dezembro de 2018”, não encontram amparo nos demais elementos constantes dos autos.

Dessa forma, não há que se afastar as conclusões do magistrado de origem que pontou:

“Além disso, o teor do comunicado de ID 32331437 – pág. 36 e da cópia do e-mail de ID 32331452 – pág. 40, revelam a confirmação pela própria parte requerida de que a inauguração das lojas estaria programada para o final de novembro e início de dezembro de 2017.

Registra-se, por oportuno, que o art. 422, do Código Civil dita que "os contratantes são obrigados guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Nessa toada, não se revela razoável, a implementação do reajuste locatício em questão, porquanto sequer decorrido o lapso de 01 (um) ano desde a efetiva inauguração da loja em que exerce a parte autora suas atividades comerciais.

Sob esse prisma, reputo que a data correta para o reajuste é a de 15/12/2018, motivo pelo qual o pagamento de ID 32331472 referente ao reajuste do mês 07/2018, deverá será abatido no valor devido por ocasião do reajuste após 01 (um) ano da inauguração da loja”.

Demais disso, a previsão contida na Cláusula 9.1 de O SUC será entregue a LOCATÁRIA para execução das suas obras de instalação, conforme estabelecido no CADERNO TÉCNICO DO SHOPPING CIDADE VERDE, por si só, não exclui a obrigação da locadora de possibilitar à locatária as condições prévias para a realização das obras de instalação do salão de uso comercial.

Assim, por expressa previsão contratual, devido é que as mensalidades e o reajuste anual tenham como referência a data da efetiva inauguração (15.12.2017), de modo que irretocável o entendimento primevo, uma vez que em consonância com os ditames legais e contratuais.

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do apelo, mantendo o julgado em todos os seus termos.

Em atenção ao disposto no art. 85, §11, do CPC, majoro para 15% (quinze por cento) os honorários advocatícios arbitrados na origem

É como voto.

Natal, data da assinatura eletrônica.

Desembargador Cornélio Alves

Relator

Natal/RN, 4 de Abril de 2023.

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