Acórdão Nº 08115367420228200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 19-07-2023

Data de Julgamento19 Julho 2023
Número do processo08115367420228200000
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0811536-74.2022.8.20.0000
Polo ativo
BANCO BRADESCO S/A
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR registrado(a) civilmente como WILSON SALES BELCHIOR
Polo passivo
A MARE MANSA COMERCIO DE MOVEIS E ELETRODOMESTICO LTDA
Advogado(s): ADEMAR MENDES BEZERRA JUNIOR

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0811536-74.2022.8.20.0000

ORIGEM: 2ª VARA DA COMARCA DE CURRAIS NOVOS

AGRAVANTE: BANCO BRADESCO S/A

ADVOGADOS: WILSON SALES BELCHIOR (OAB/RN 768A)

AGRAVADO: A MARÉ MANSA COMÉRCIO DE MÓVEIS E ELETRODOMÉSTICOS LTDA.

ADVOGADO: ADEMAR MENDES BEZERRA JÚNIOR (OAB/CE 15786)

RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA DE LOURDES AZEVÊDO


EMENTA: EMPRESARIAL (RECUPERAÇÃO JUDICIAL) E PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO JUDICIAL QUE HOMOLOGOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRELIMINAR DE TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO DA ANÁLISE DO TEMA CONCERNENTE À SUPRESSÃO JUDICIAL DO PERÍODO FISCALIZATÓRIO. ACOLHIMENTO. MÉRITO. A) HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PELO MAGISTRADO, AINDA QUE NÃO ALCANÇADO O QUORUM DO ARTIGO 58 DA LEI Nº 11.101/2005. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 'CRAM DOWN' A FIM DE SE EVITAR ABUSO DO DIREITO DE VOTO POR ALGUNS DOS CREDORES. GARANTIA DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. B) CLÁUSULA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL QUE PREVÊ A LIBERAÇÃO DE GARANTIAS REAIS E PESSOAIS. EFICÁCIA CONDICIONADA À ANUÊNCIA EXPRESSA DO CREDOR TITULAR DA GARANTIA. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 49, § 1º, E 59, AMBOS DA LEI Nº 11.101/2005. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NULIDADE CONFIGURADA. C) CLÁUSULA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL QUE PREVÊ A EXTINÇÃO DE TODA E QUALQUER EXECUÇÃO CONTRA GARANTIDORES. NULIDADE. POSSIBILIDADE APENAS DE SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES. ARTIGO 6º DA LEI Nº 11.101/2005. MEDIDA QUE INVIABILIZARIA POSTERIORES COBRANÇAS SE FOR CONVOLADA A RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. REFORMA DA DECISÃO NESSES PONTOS. D) SUPRESSÃO DO PERÍODO FISCALIZATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE DETERMINAÇÃO NESSE SENTIDO NA DECISÃO COMBATIDA. ADOÇÃO TÁCITA DO MAGISTRADO AO DISPOSTO NO ARTIGO 61 DA LEI REFERIDA. PERÍODO FISCALIZATÓRIO QUE DEVE SER OBSERVADO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, transferir para o mérito a análise do tema relativo à supressão do período fiscalizatório, como suscitado pela Procuradoria de Justiça; No mérito, pela mesma votação, em consonância parcial com o Parecer do 16º Procurador de Justiça, Dr. Arly de Brito Maia, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, a fim de considerar ilegal o Item IV.1 do Plano de Recuperação Judicial e Aditivos da empresa ora agravada, para que a supressão das garantias reais e pessoais só se aplique aos credores que expressamente deram sua anuência e que as execuções contra a empresa recuperanda sejam apenas suspensas, e não extintas, nos termos do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005, mantido o Decisum agravado nos demais termos, tudo conforme voto da Relatora, que integra o acórdão.

RELATÓRIO


Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo Banco Bradesco S/A contra a Decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Currais Novos, que nos autos da Ação de Recuperação Judicial nº 0103603-83.2016.8.20.0103, movida pela empresa A Maré Mansa Comércio de Móveis e Eletrodomésticos Ltda., concedeu à empresa ora agravada a Recuperação Judicial, homologando o Plano de Recuperação Judicial com seus aditivos.

Em suas razões (ID. 16482698), o agravante insurge-se contra a decisão de homologação, alegando, em primeiro lugar, que a 2ª Seção do STJ, em julgamento realizado em 12/05/2021, decidiu que é ilegal retirar as garantias reais e pessoais à revelia do credor garantido quando diante de uma empresa em recuperação judicial, bem como que as garantias reais e pessoais do crédito devem ser integralmente preservadas, sendo possível ao credor exercer a cobrança da dívida por inteiro em face dos terceiros garantidores (fiadores, avalistas, obrigados de regresso e devedores solidários ou coobrigado em geral), independentemente da recuperação judicial do devedor principal.

Afirmou ainda que é insensato manter concordância com um Plano de Recuperação Judicial que submete o credor à renúncia, sem o seu consentimento, das suas garantias reais e pessoais, irresignando-se, ainda, quanto à cláusula que prevê a dispensa do biênio de fiscalização judicial referente ao cumprimento do PRJ, bem como que não terá garantia de que aquele plano será iniciado, porque prevê o encerramento da recuperação judicial logo após a decisão de homologação, em afronta ao disposto no artigo 61, caput e § 1º, da Lei nº 11.101/2005, pois ainda obsta a convocação da recuperação judicial em falência.

Ao final, resumiu seu arrazoado alegando que o Plano de Recuperação Judicial não oferece qualquer segurança de que será cumprido e que, caso não o seja, os credores estarão impossibilitados de reaverem seus créditos em execuções individuais, incentivando, aquele plano, a inadimplência da recuperanda.

Assim, entendendo presentes os requisitos autorizadores (probabilidade do direito e receio de lesão grave e de difícil reparação), pugnou pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, provido o agravo de instrumento ao final, a fim de que apresentado outro Plano de Recuperação Judicial ou, alternativamente, seja reconhecida a validade da deliberação ocorrida da Assembleia Geral de Credores, “que reprovou o plano”.

Trouxe com a inicial os documentos ID Num. 16482716 a 16482699.

O processo foi redistribuído para esta Relatoria por despacho da Juíza Convocada Martha Danyelle, em razão da dependência ao Agravo de Instrumento nº 0000944-77.2017.8.20.0000.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido, conforme Decisão ID. 16581688.

Em sede de contrarrazões (ID. 16987342), pediu o agravado seja desprovido o recurso.

Instado a se manifestar, o 16º Procurador de Justiça, Dr. Arly de Brito Maia, suscitou a preliminar de não conhecimento parcial do recurso por carência de interesse processual em questionar supressão judicial de período fiscalizatório com transferência para o mérito. No mérito, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO


Conheço do presente recurso.

No presente caso, na decisão combatida, o Juízo a quo concedeu à empresa ora agravada a Recuperação Judicial, homologando o Plano de Recuperação Judicial com seus aditivos, ainda que sem a aprovação integral da Assembleia Geral de Credores, com fundamento no instituto do 'cram down', além de outras determinações, insurgindo-se o banco agravante contra a determinação de possibilidade de homologação de cláusulas afetas à liberação das garantias reais e pessoais, extinção das execuções porventura proposta em face dos garantidores e a dispensa do período de fiscalização judicial, por decisão judicial, por violação aos artigos 49, § 1º, 59 e 61, caput e § 1º, todos da Lei nº 11.101/2005.

Entretanto, em que pese as alegações do recorrente, entendo que o magistrado adotou posicionamento corrente no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é possível a concessão da recuperação judicial pelo magistrado, ainda que não alcançado o quorum do artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, visando a evitar eventuais abusos de direito de voto por alguns credores, garantindo-se a preservação da empresa, principalmente diante no momento em que a firma tem necessidade de garantir o mínimo para o seu funcionamento, consoante os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça, das Terceira e Quarta Turmas, os quais transcrevo as respectivas ementas:


"EMENTA: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. TRIBUNAL DE ORIGEM. HOMOLOGAÇÃO. ABUSO DE DIREITO. CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. JULGADO ATACADO. FUNDAMENTOS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. SÚMULA Nº 283/STF. ART. 58, § 1º, DA LEI Nº 11.101/2005. REQUISITOS. EXCEÇÃO. CRAM DOWN. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 568/STJ.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. O acolhimento da pretensão recursal quanto à alegada ausência de abuso de direito na recusa ao plano de recuperação judicial demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, procedimento inviável ante a natureza excepcional da via eleita, conforme dispõe a Súmula nº 7/STJ.

3. A ausência de impugnação dos fundamentos do acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso, atraindo a incidência da Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal.

4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firmada no sentido de ser possível a concessão da recuperação judicial pelo magistrado, ainda que não alcançado o quórum do artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, a fim de evitar o abuso do direito de voto por alguns credores e para garantir a preservação da empresa. Incidência da Súmula nº 568/STJ.

5. Agravo interno não provido." (Grifos acrescidos).

(STJ, AgInt no AREsp n. 1.632.988/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 30/5/2022, DJe de 2/6/2022).


"EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO. APROVAÇÃO JUDICIAL. CRAM DOWN. REQUISITOS LEGAIS. EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. DECISÃO MANTIDA.

1. A jurisprudência do STJ entende pela possibilidade de se mitigar os requisitos do art. 58, § 1º, da LRJF, para a aplicação do chamado 'cram down' em circunstâncias que podem evidenciar o abuso de direito por parte do credor recalcitrante.

2. 'Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação...

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