Acórdão Nº 08120341020218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 11-11-2021

Data de Julgamento11 Novembro 2021
Classe processualHABEAS CORPUS CRIMINAL
Número do processo08120341020218200000
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: HABEAS CORPUS CRIMINAL - 0812034-10.2021.8.20.0000
Polo ativo
WILSON PEREIRA DE ALENCAR
Advogado(s): MARCOS JOSE MARINHO JUNIOR
Polo passivo
JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA COMARCA DE PAU DOS FERROS/RN
Advogado(s):

Habeas Corpus Com Liminar n° 0812034-10.2021.8.20.0000

Impetrante: Marcos José Marinho Júnior

Paciente: Wilson Pereira de Alencar

Aut. Coatora: MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca de Pau dos Ferros/RN

Relator: Desembargador Glauber Rêgo.

EMENTA: MENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM FACE DA PRÁTICA DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PENA IMPOSTA SUPERIOR A 15 (QUINZE) ANOS DE RECLUSÃO. PACIENTE QUE AGUARDOU O JULGAMENTO EM LIBERDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. PRISÃO IMEDIATA E AUTOMÁTICA EM RAZÃO DO PREVISTO NO ART. 492, I, ALÍNEA “E”, DA LEI 13.964/19. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 1068) COM JULGAMENTO SUSPENSO. REFLEXOS NA SEGURANÇA JURÍDICA E PAZ SOCIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA.

1. O Plenário do e. STF declarou a constitucionalidade do art. 283 do CPP – no julgamento das ADCs 43, 44 e 54 – e firmou posição contrária à execução provisória da pena. Em julgamentos recentes, as duas Turmas do e. STF afastaram a possibilidade do imediato e automático cumprimento da pena do réu sentenciado no Tribunal do Júri.

2. Ainda que inadmitida a execução provisória da pena, a qualquer tempo poderá ser decretada a prisão processual, desde que haja requerimento do órgão acusador (sistema acusatório) e definida em deliberação devidamente fundamentada.

3. Ordem concedida.

ACÓRDÃO


Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em dissonância com o parecer da 11.ª Procuradoria de Justiça para, ratificando a decisão liminar, conceder o writ para suspender a execução provisória da pena imposta ao paciente com a consequente expedição de Alvará de Soltura, a fim de assegurar-lhe o direito de recorrer em liberdade, salvo se por outro motivo não deva permanecer preso, sem prejuízo de que, a qualquer tempo, possa haver a decretação de prisão processual, desde que provocado pelo órgão acusador e em deliberação devidamente fundamentada, tudo nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pelo advogado Marcos José Marinho Júnior em favor de Wilson Pereira de Alencar, apontando como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca de Pau dos Ferros/RN.

Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 31 (vinte e um) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado.

Sustentou o impetrante a ilegalidade da execução antecipada da condenação face a violação ao princípio constitucional da presunção da inocência. Além disso, aduziu que a execução provisória no Tribunal do Júri viola a presunção de inocência, mencionando o julgamento em conjunto das ADCs 43, 44 e 45 pelo STF e relatando que o órgão julgou procedente a constitucionalidade do art. 283 do CPP.

A defesa esclareceu que “tramita outra ação penal contra o paciente perante o Juízo de Marcelino Vieira/RN, de número 0000104-85.2001.8.20.0143, onde foi instaurado o Insanidade Mental nº. 0000491-61.2005.8.20.0143, que ainda não foi concluído. Nesse procedimento foi encaminhado ofício ao Diretor do Setor de Psiquiatria Forense do ITEP/Natal-RN para submeter o paciente a nova avaliação, que deverá entrar em conflito com a conclusão apresentada na Ação Penal n°. 0003391-25.2005.8.20.0108, porque não precisa ser um especialista para constatar que o paciente tem graves transtornos mentais, melhor dizendo é doido”.

Junta ao processo os documentos de ID. 11789264-11790708.

Liminar deferida (ID 11801912 - Págs. 01-10).

A autoridade coatora prestou as informações solicitadas (ID 10525298 - Págs. 01-03).

Parecer da 11.ª Procuradoria de Justiça opinando pelo conhecimento e denegação da ordem (ID 11905709 – págs. 01-07).

É o relatório.

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da presente ordem.

Inicialmente, impende destacar que, após a decisão ID 11801912 - Págs. 01-10, não vieram aos autos quaisquer elementos novos capazes de modificar as razões ali consignadas. Desta forma, transcrevo os fundamentos utilizados na decisão monocrática para o deferimento da medida liminar, ratificando-os:

(...)

No caso em exame, entendo haver constrangimento ilegal apto a autorizar a concessão da liminar pleiteada. Assim compreendo em razão de o ato apontado como coator apresentar fundamentação inidônea, haja vista que o paciente respondeu ao processo em liberdade e somente em razão da quantidade de pena (prisão automática) fixada na sentença, nos termos do art. 492, I, e, do CPP, teve determinado a execução antecipada da pena.

A propósito, naquilo que interessa, vejamos o que disse o magistrado para justificar a prisão do paciente, in verbis (Id. 11789392):

A respeito da matéria, diz o art. 492, I, “e” do CPP, na redação dada pela Lei n. 13.964/2019, que, no caso de condenação, sendo aplicada pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, o juiz determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.

Com a nova redação, o legislador acabou por incluiu mais uma forma de segregação cautelar no rito do júri antes do trânsito em julgado, além da já amplamente conhecida onde se verifica se estão presentes os requisitos da prisão preventiva (arts. 312 e 313, ambos do CPP. Pela nova dicção do legal, não há uma faculdade do julgador na aplicação da segregação, quando se está diante do quantum de pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, porquanto o réu fora condenado pelo Conselho dos Sete, devendo-se assegurar a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c, da Lei Maior).

A mudança legislativa tem provocado muito debate na doutrina. Parcela considerável sustenta a inconstitucionalidade sob a alegação de que fere o princípio constitucional da presunção de inocência. Nesse sentido, exemplificativamente, sãos os escólios dos seguintes doutrinadores: a) Aury Lopes Júnior e Alexandre Morais da Rosa (LOPES JÚNIOR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Prisão obrigatória no Júri é mais uma vez inconstitucional. São Paulo: Consultor Jurídico, 31 jan. 2020. Disponível em:. Acesso em: 02.05.2021.); b) Douglas Fischer e Eugênio Pacelli (FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2021, E-book, item 492.2.1- não paginado); c) Guilherme Madeira Dezem (DEZEM, Guilherme Madeira; SOUZA, Luciano Anderson de. Comentários ao Pacote Anticrime: Lei 13.964/2019. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 142); d) Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 02 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, E-book, item 14.10 - não paginado); e) Paulo Henrique Fuller (FULLER, Paulo Henrique Aranda. Capítulo 3. Alterações ao Código de Processo Penal. In: JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; VANZOLINI, Patrícia; FULLER, Paulo Henrique Aranda; PARDAL, Rodrigo. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. Gustavo Junqueira [et al.]. 02 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, E-book não paginado); f) Renato Brasileiro de Lima (LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote Anticrime: comentários à Lei nº 13.964/2019 - Artigo por Artigo. 01 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 337-338).

A divergência também piara na jurisprudência dos tribunais, havendo decisões em ambos os sentidos. Pela autorização da execução provisória cito os seguintes precedentes do STF e STJ:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E HOMICÍDIO TENTADO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO DA PENA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIAS. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (...) 3. Em se tratando de paciente condenado pelo Tribunal do Júri, nada impede a execução da pena, na linha dos reiterados pronunciamentos da Primeira Turma do STF. Veja-se, nessa linha, o HC 118.770, para o qual fui designado redator para o acórdão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – Primeira Turma - HC 183.263 AgR/CE – Rel. Min. Roberto Barroso – j. em 16.06.2020 – DJe 177 de 15.07.2020).

HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA EM PLENÁRIO. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. LEI 13.964/2019. PRISÃO PREVENTIVA. REQUERIMENTO REALIZADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. [...] 5. O Ministério Público, nos debates orais em plenário, pediu a prisão do acusado, em face da condenação pelo Júri superior a 15 anos de reclusão, a ensejar a execução provisória da pena, nos termos do art. 492, I, "e", do CPP, e em razão do modus operandi consistente no assassinato de esposa e filha com menos de um ano de idade, enquanto dormiam, a evidenciar conduta violenta e periculosidade real, para fins de garantir a ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP. 6. Ordem denegada. (HC 647.408/CE, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 08/06/2021).

Em sentido contrário é possível identificar os seguintes precedentes do STJ: HC 623.107/PA; HC 560.640/ES; AgRg no HC 541.496/SC; HC 649.103; HC 558.894/SP; AgRg no HC 565.921/PE;

Diante da divergência...

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