Acórdão Nº 08121116120208205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08121116120208205106
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0812111-61.2020.8.20.5106
Polo ativo
LUCAS VINICIUS DA SILVA
Advogado(s): ADOLPHO LUCAS MEDEIROS EVANGELISTA, ANTENOR GONCALVES CALIXTO
Polo passivo
TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA
Advogado(s): RENATA MALCON MARQUES

RECURSO CÍVEL N.º 0812111-61.2020.8.20.5106

RECORRENTE: LUCAS VINÍCIUS DA SILVA

ADVOGADOS: DR. ADOLPHO LUCAS MEDEIROS EVANGELISTA E OUTRO

RECORRIDA: TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S.A.

ADVOGADA: DRª. RENATA MALCON MARQUES

RELATOR: JUIZ RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE PASSAGEM AÉREA EM DECORRÊNCIA DAS RESTRIÇÕES SANITÁRIAS IMPOSTAS PELA PANDEMIA DA “COVID-19”. AUTOR QUE VIAJOU AO EXTERIOR EM MARÇO/2020, COM PREVISÃO DE RETORNO EM JUNHO/2020. REMARCAÇÃO DA PASSAGEM DE VOLTA PARA OUTUBRO/2020. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL SEM RECONHECER OS DANOS MORAIS ALEGADOS À INICIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL DO AUTOR OBJETIVANDO A CONDENAÇÃO DA DEMANDADA AO PAGAMENTO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. A CONDUTA ILÍCITA NÃO DECORREU DO CANCELAMENTO DO VOO, QUE SE DEU POR FORÇA MAIOR (PANDEMIA DA “COVID-19”), MAS DO DESCUMPRIMENTO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS PREVISTAS NO ARTIGO 3º, § 2º, DA LEI N.º 14.034/2020. NÃO FOI OFERTADA AO AUTOR A POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO DO VOO NEM DE REEMBOLSO. IMPOSIÇÃO DE MULTA PARA ANTECIPAÇÃO DO VOO. DEMONSTRAÇÃO, ATRAVÉS DAS PROVAS PRODUZIDAS, QUE O VOO PODERIA TER SIDO ANTECIPADO, JÁ QUE AS RESTRIÇÕES SANITÁRIAS SÓ FORAM MANTIDAS ATÉ MEADOS DE JULHO/2020. AUTOR FORA DO PAÍS POR TEMPO BEM ACIMA DO PREVISTO PARA RETORNO. POR CULPA DA EMPRESA AÉREA, PERDEU DE VIVENCIAR OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE VIDA DE SEU PAI, QUE FALECEU ANTES DE SUA CHEGADA AO BRASIL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VALOR ARBITRADO EM R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS), PROPORCIONAL ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.

Sem condenação em custas processuais e em honorários advocatícios, ante o provimento do recurso.

Participaram do julgamento, além do relator, a juíza Sandra Simões de Souza Dantas Elali e o juiz Agenor Fernandes da Rocha Filho.

Natal/RN, data do sistema.

RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO

Juiz Relator

I – RELATÓRIO

1. Recurso Inominado interposto por LUCAS VINÍCIUS DA SILVA contra a sentença proferida pelo 3º Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Mossoró/RN, que julgou parcialmente procedente a pretensão por si deduzida contra a TAP AIR PORTUGAL, para condenar a empresa aérea à obrigação de reacomodar o autor no voo do dia 20/08/2020, no trecho Viena-Fortaleza, sem qualquer ônus adicional, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

2. Na sentença, o MM. Juiz consignou que no período relativo ao trecho de volta do autor ao Brasil, foram de conhecimento notório as restrições de tráfego aéreo, inclusive com o fechamento das fronteiras na União Europeia, especialmente com relação ao Brasil, que se tornou um dos epicentros da doença.

3. Disse que a demandada comprovou que o cancelamento do voo se deu por motivo de caso fortuito e/ou força maior, em virtude das restrições governamentais, aplicando-se ao caso o artigo 251, § 3º, incisos III e IV, da Lei n.º 7.565/1986, para afastar a responsabilidade civil da demandada quanto ao dano pelo cancelamento em si.

4. Registrou, contudo, que em caso de cancelamento de voo no contexto da pandemia, o transportador deve oferecer ao consumidor, como alternativa ao reembolso, opção de reacomodação em outro voo, próprio ou de terceiro, e de remarcação da passagem aérea, nos termos do art. 3º, § 2º, da Lei n.º 14.034/2020. Assim, como o autor comprovou a existência de opção de voo para o seu destino em data anterior à ofertada para remarcação da passagem, é dever da transportadora reacomodá-lo nesse traslado, sem qualquer ônus ao passageiro.

5. Assinalou que o pedido de condenação à compensação por danos morais não merece prosperar, pois o cancelamento não pode ser imputado à demandada, uma vez que o fechamento das fronteiras consubstancia fortuito externo.

6. Em suas razões, o recorrente sustentou que o juízo sentenciante reconheceu o ato ilícito praticado pela recorrida, pois, se a companhia aérea tinha a possibilidade de reacomodar o autor em outro voo, não poderia ter negado a antecipação de seu retorno ao Brasil. Disse que se a empresa tivesse agido conforme determina a legislação, ele não teria perdido os últimos momentos com o seu genitor, que faleceu em 13/08/2020.

7. Afirmou que a empresa havia remarcado a passagem de retorno apenas para o dia 25/10/2020, sem consultá-lo previamente, e ainda se negou a antecipar a volta, fato que lhe causou bastante sofrimento, pois estava em outro país, desempregado e enlutado pela partida de seu pai. Diante disso, requereu a reforma da sentença, para que a pretensão de condenação à compensação por danos morais seja julgada procedente.

8. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.

9. É o relatório.

II – VOTO


10. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

11. O recorrente tem razão.

12. O autor viajou para a República Tcheca para atuar na temporada de 2020 do campeonato de futebol americano daquele país (Id. N.º 13075993), tendo partido em 05/03/2020, com previsão de retorno ao Brasil em 03/06/2020 (Id. N.º 13075994).

13. Em decorrência da pandemia da “COVID-19”, os treinos e jogos do time foram cancelados e a empresa aérea remarcou o seu retorno ao Brasil apenas para 25/10/2020, sem consultá-lo previamente, negando-se a antecipar a sua volta sem custo, impondo-lhe o pagamento de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) a título de multa. A afirmação quanto à exigência de multa foi feita pelo autor na inicial e, como não foi negada pela empresa aérea, tornou-se incontroversa.

14. Na contestação, a empresa aérea alegou que o cancelamento do voo foi motivado pelo fechamento das fronteiras internacionais, com proibição de traslados com destino a Fortaleza até, pelo menos, julho/2020. Disse, ainda, que, cumprindo a liminar judicial concedida, acomodou o autor em voo no dia 23/08/2020, mas ele solicitou a reacomodação em outro programado para o dia 27/08/2020 (Id. N.º 13076010 – Pág. 17), o que demonstra que ele não tinha urgência em retornar ao Brasil.

15. Independentemente de ter o autor solicitado ou não a reacomodação do voo, que estava previsto para o dia 23/08/2020, para o dia 27/08/2020, fato é que as alegações da defesa não justificam a conduta de marcação inicial do retorno ao Brasil para outubro/2020.

16. Primeiro, porque os atos do governo português, que interditaram o tráfego aéreo, com destino e a partir de Portugal, de todos os voos de e para países que não integram a União Europeia somente duraram até julho de 2020, conforme alegações da própria companhia aérea e nos termos dos documentos de Id. N.º 13076011, 13076012, 13076013, 13076014, 13076015 e 13076016.

17. Portanto, não havia razão para a postergação do retorno do autor ao Brasil por tanto tempo, haja vista a confessada existência de voos e possibilidade de traslado para esse destino, inclusive porque, no fim das contas, o recorrente retornou ao Brasil em 20/08/2020, antes da data inicialmente prevista.

18. Segundo, porque o artigo 3º, § 2º, da Lei n.º 14.034/2020 estabelece que, se houver cancelamento de voo (em decorrência da pandemia da “COVID-19”), o transportador deve oferecer ao consumidor, sempre que possível, como alternativa ao reembolso, as opções de reacomodação em outro voo, próprio ou de terceiro, e de remarcação da passagem aérea, sem ônus, mantidas as condições aplicáveis ao serviço.

19. Assim, a responsabilização da companhia aérea não decorre do cancelamento do voo em si, mas sim do descumprimento das disposições legais previstas no artigo 3º, § 2º, da Lei n.º 14.034/2020.

20. Houve evidente falha na prestação dos serviços, pois, além de haver possibilidade de retorno antecipado do autor para o Brasil, a companhia aérea não negou a alegação, feita pelo consumidor, de que sequer entrou em contato para saber qual das opções, entre as previstas no art. 3º, § 2º, da Lei n.º 14.034/2020, seria feita pelo viajante.

21. Há evidente dano moral indenizável, que se caracterizou: (i) pela falta de indagação ao autor sobre a opção a ser escolhida diante do cancelamento do voo; (ii) pela imposição de multa de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) para antecipação do voo, quando a alegação era dera de e que o trecho não estaria sendo permitido; e (iii) pelas consequências advindas do não retorno do autor ao Brasil, já que perdeu a possibilidade de estar com o seu genitor em seus últimos momentos de vida, pois ele faleceu em 13/08/2020 (Id. N.º 13075995), quando o autor ainda estava em território estrangeiro.

22. Diante disso, e considerando os motivos detalhados no item acima, entendo adequada e proporcional a condenação da companhia aérea ré ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de compensação por danos morais, valor sobre o qual devem incidir correção monetária (IPCA-E), a partir do arbitramento, e juros de mora (1% ao mês), a partir da citação.

23. Destaco, por fim, que o fato de o autor, ora recorrente, ter solicitado a remarcação do voo previsto para o dia 23/08/2020, agendado pela companhia aérea após determinação judicial, para o dia 27/08/2020, não afasta a ocorrência do dano moral indenizável, já que a violação aos seus direitos à personalidade ocorreram principalmente antes dessa data e se relaciona muito mais à desídia da demandada em solucionar o problema enfrentado pelo passageiro e garantir a antecipação do seu retorno ao Brasil assim que...

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