Acórdão Nº 08122488720228205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2ª Turma Recursal, 27-06-2023

Data de Julgamento27 Junho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08122488720228205004
Órgão2ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
2ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0812248-87.2022.8.20.5004
Polo ativo
JULIANA LEITE DA SILVA e outros
Advogado(s): JULIANA LEITE DA SILVA
Polo passivo
TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA
Advogado(s): GILBERTO RAIMUNDO BADARO DE ALMEIDA SOUZA, RENATA MALCON MARQUES, CATARINA DA SILVA DIAS

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, CRIMINAIS E DA FAZENDA PÚBLICA

2ª TURMA RECURSAL

Gabinete do Juiz Fábio Antônio Correia Filgueira

RECURSO INOMINADO CÍVEL n.º0812248-87.2022.8.20.5004

RECORRENTES: JULIANA LEITE DA SILVA E MARCILIO FILGUEIRA BRAULINO

ADVOGADO (A): JULIANA LEITE DA SILVA

RECORRIDO: TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA

ADVOGADOS (A): GILBERTO RAIMUNDO BADARO DE ALMEIDA SOUZA, RENATA MALCON MARQUES E CATARINA DA SILVA DIAS

RELATOR: FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA.

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS. AQUISIÇÃO DE PASSAGENS. PERÍODO DA PANDEMIA DA COVID-19. DESISTÊNCIA. CONCESSÃO DE CRÉDITO PARA USO FUTURO COM BÔNUS. PRAZO DE VALIDADE ATÉ MARÇO DE 2022. MANUTENÇÃO DOS EFEITOS NEFASTOS DA PANDEMIA. ALTO RISCO DE CONTAMINAÇÃO. RESTRIÇÃO DE ENTRADA DE BRASILEIROS EM PORTUGAL. NOVA DESISTÊNCIA DA VIAGEM. PEDIDO DE REEMBOLSO NEGADO. IMPOSIÇÃO CONTRATUAL DA VIAGEM. EXPOSIÇÃO À VIDA, À SAÚDE E À INTEGRIDADE FÍSICA DO PASSAGEIRO A PERIGO DE CONTAMINAÇÃO POR VÍRUS AGRESSIVO. EXEGESE DOS ARTS.3º, §3º, 251-A, §3º, IV, DA LEI 14.034/20, 51, IV, DO CDC, E 1º, III, DA CF. ILÍCITO CONTRATUAL CONFIGURADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESSARCIMENTO DO VALOR DAS PASSAGENS. DETERMINAÇÃO. ACRÉSCIMO DO BÔNUS. REJEIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE.

ACÓRDÃO

DECIDEM os Juízes que integram a Segunda Turma Recursal dos Juizados Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade, conhecer e negar provimento ao Recurso Inominado interposto, nos termos do voto do Relator. Sem custas nem honorários.

Natal/RN, data conforme assinatura digital.

FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA

1ª JUIZ RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto por JULIANA LEITE DA SILVA E MARCILIO FILGUEIRA BRAULINO em face da sentença que julgou improcedente o seu pedido para que a TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES S/A, ora recorrida, restituísse as passagens em pecúnia.

Em suas razões recursais, os recorrentes sustentaram que tinham filho pequeno que, ainda não vacinado da covid-19, por isso, preferiram substituir os vouchers pelo reembolso dos valores pagos. Afirmaram que a reparação dos danos patrimoniais era um direito básico do consumidor, já que houve a negativa da empresa de realizar o reembolso, sendo desarrazoado obrigar o passageiro a viajar com o alto risco de contágio viral em face do estado de pandemia.

Pediram o conhecimento e o provimento do recurso, para condenar a parte recorrida ao reembolso dos danos patrimoniais nos moldes da petição inicial, denegado na sentença.

Contrarrazões pelo desprovimento.

VOTO

De antemão, defiro o pedido de justiça gratuita aos recorrentes, nos termos dos arts. 98 e 99, §3º, ambos do CPC, porque não há nada nos autos que indique desfazer a presunção relativa de veracidade da alegação de hipossuficiência.

Assim, dispenso o recolhimento do preparo, a teor do art.99, §7, do mesmo diploma legal.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O recurso interposto merece ser provido, em parte.

Aqui, verifica-se que as recorrentes adquiriram as passagens aéreas através da empresa recorrida, IDA – “RESERVA - QB7K46 - NATAL - LISBOA-MILÃO- DATA DE 19 DE MAIO DE 2020 - 2 PASSAGEIROS E UM BEBÊ valor pago R$ 3.442,40 - VOLTA - RESERVA - QCCLMM- PARIS-LISBOA- NATAL - DATA DE 06 DE JUNHO DE 2020 - 2 PASSAGEIROS E UM BEBÊ, VALOR PAGO 623,90 EUROS convertido R$ 3.531,27.

Ocorre que, em março/20, o avanço da Covid-19 forçou vários países do mundo a decretar o estado de pandemia, atingindo o deslocamento de pessoas e o desenvolvimentos das atividades econômicas, em particular do transporte aéreo de passageiros, pois inúmeros países adotaram medidas restritivas de entrada em seu território de estrangeiros, inclusive o Brasil.

Num primeiro momento, os recorrentes optaram por receber um crédito, acrescido de 10%, para uso futuro perante a recorrida, com validade para 16/09/21 e 16/03/22. Porém, constando a manutenção da pandemia e dos seus efeitos nefastos, resolveram não mais viajar, por motivo de segurança sanitária, em particular, devido ao filho de colo, ainda não vacinado, ocasião em que pediram o reembolso das passagens, negado pela recorrida.

Pois bem. O estado pandêmico exigiu a edição da Lei 14.034, de 05 de agosto de 2020, que disciplina as medidas emergenciais em virtude da pandemia da Covid-19, prevê, no §3º do art.3º, a possibilidade de o consumidor desistir do voo programado no período de 19 de março a 31 de dezembro de 2021, optando pelo reembolso, e as viagens originárias programadas pelos recorrentes estão dentro desse lapso temporal, o que significa dizer que tal desistência e escolha do reembolso têm base na normativa especial.

Poder-se-ia dizer, como o faz a recorrida, que os recorrentes optaram pelo voucher, mais 10%, cuja data de validade, de um deles, ia até 16/03/2022, o que os obrigava a cumprir o acordo, sob pena de perda do valor das passagens.

Essa interpretação não se afigura razoável. No caso, é público e notório que a pandemia nesse período teve momentos de atenuação e recrudescimento, e, mesmo possibilitando alguma circulação de pessoas inter países, havia muitas restrições, por risco de contágio do vírus. Tanto que Portugal restringiu voos saídos do Brasil até o início do mês de março de 2022.

Ora, nessas circunstâncias, em que os efeitos da pandemia ainda perduravam, causando elevados riscos de contaminação dos que viajavam de avião para outros países, é de todo fora da razoabilidade exigir que os recorrentes e o filho de colo fossem obrigados a viajar, pondo em risco a saúde deles, dada a possibilidade de contaminação pela Covid-19, que, então, já dizimara milhões de pessoas no mundo, em particular, no Brasil, sob pena de perder o valor das passagens. Essa exigência consiste em desrespeito à dignidade humana, protegida constitucionalmente (art.1º, III, da CF), a merecer total censura.

Ainda, não se coaduna com a legislação excepcional publicada, antes referida, que, ao alterar o art.251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica, previu, no parágrafo 3º, IV, desse artigo, que constitui força maior o decreto de pandemia ou publicação de atos de Governo que dele decorram, com vistas a impedir ou a restringir o transporte aéreo ou as atividades aeroportuárias, de modo que, se no aeroporto de destino (Portugal), no mês de março, mantinha restrições, total ou parcial, à entrada de brasileiros, por motivo da pandemia, afigura-se acertado considerar razão de força maior a não realização da viagem pelos recorrentes.

Também, está em dissonância com o Código de Defesa do Consumidor, no art.51, IV, pois tal estipulação contratual compulsória é iníqua e abusiva, uma vez que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, além de ser incompatível com a boa-fé objetiva, que impõe ao contratado prestador de serviço atuar de modo a assegurar a integridade física, a vida, a saúde e a segurança do consumidor contratante, bem como, especialmente em situação de exceção, a exemplo de calamidade pública, cooperar para uma solução adequada da qual não resulte prejuízo injustificável ao consumidor, como, ao contrário, ocorreu à espécie.

Portanto, a negativa da recorrida em reembolsar a quantia despendida pelos recorrentes, que sequer usufruíram do serviço adquirido, constitui falha na prestação do serviço por ilícito contratual, a incidir o art.14, caput, do CDC. Daí, cabível a restituição integral do valor das passagens pagas, contudo, sem o acréscimo de 10%, porque este bônus foi dado para o caso de uso do crédito perante a companhia aérea, e não para o de devolução do adimplemento.

Pelo exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, em parte, para condenar a recorrida a restituir aos recorrentes, de modo integral, o valor adimplido pelas passagens aéreas não usufruídas, a incidir correção monetária pelo INPC, desde o desembolso, mais juros de mora de 1% ao mês, da citação, e negar a inclusão do bônus de 10% nessa devolução.

É como voto.

À consideração superior do juiz togado.

Natal/RN, data do sistema.

Ingrid Ohana Sales Bastos

Juíza Leiga

HOMOLOGAÇÃO

Com arrimo no art. 40 da Lei nº. 9.099/95, bem como por nada ter a acrescentar ao entendimento acima exposto, HOMOLOGO na íntegra o projeto de voto para que surta seus jurídicos e legais efeitos.

Natal/RN, data do sistema.

FÁBIO ANTÔNIO CORREIA FILGUEIRA

1º Juiz Relator

Natal/RN, 13 de Junho de 2023.

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