Acórdão Nº 08130679820228200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 03-03-2023

Data de Julgamento03 Março 2023
Classe processualREPRESENTAÇÃO CRIMINAL/NOTÍCIA DE CRIME
Número do processo08130679820228200000
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: REPRESENTAÇÃO CRIMINAL/NOTÍCIA DE CRIME - 0813067-98.2022.8.20.0000
Polo ativo
MInistério Público do RN - Promotoria de São José do Campestre
Advogado(s):
Polo passivo
Edgar Fabrício da Silva e outros
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE DESAFORAMENTO. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DESAFORAMENTO. ALEGAÇÃO DE RISCO À GARANTIA DE IMPARCIALIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA. CARACTERIZAÇÃO DAS HIPÓTESES INSCULPIDAS NO ART. 427 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE DENOTAM A DÚVIDA SOBRE A IMPARCIALIDADE DO JÚRI. DEFERIMENTO DO PEDIDO QUE SE IMPÕE. DESLOCAMENTO DO JULGAMENTO PARA A COMARCA DE NATAL.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram o Tribunal Pleno deste Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 5ª Procuradoria de Justiça, julgar procedente o pedido de desaforamento formulado, deslocando o julgamento do feito para uma das Varas do Tribunal do Júri Comarca de Natal, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público objetivando o deslocamento da competência do julgamento da ação penal nº 0100493-57.2015.8.20.0153, que tramita na Vara Única da Comarca de Parelhas/RN em desfavor de Roberto Matheus de Melo Silva e Edgar Fabrício da Silva.

Em seus fundamentos, esclarece o representante do Ministério Público sobre as circunstâncias de fato que deram ensejo à propositura da ação penal no juízo de origem.

Diz que os acusados foram pronunciados pela prática de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, IV, do CP).

Ressalta a necessidade do desaforamento por interesse da ordem pública e da segurança pessoal do réu.

Aduz que Edgar Fabrício da Silva responde a múltiplos processos por crimes de alta gravidade, inclusive com sentenças transitadas em julgado.

Pontua o intenso vínculo que o acusado tem com a região, na qual já é conhecido pelo envolvimento com atividades criminosas.

Acrescenta que “durante o tempo em que esteve foragido, o acusado continuou praticando diversos crimes, sobretudo relacionado à traficância de drogas, tendo em vista ser um membro da organização criminosa autodenominada ‘Sindicato do RN’”.

Complementa que ante o histórico de fugas e tentativa de fuga do acusado e a premente necessidade de traslado do Município de Ceará-Mirim para São José do Campestre – cuja distância é de aproximadamente 106 km (cento e seis quilômetros) –, impõe-se a necessidade de desaforamento da sessão do Júri para outra Comarca, pois assim o exige o interesse da ordem pública e a garantia de imparcialidade dos jurados.

Cita que “a Polícia Civil como a Polícia Militar confirmaram que o acusado é uma liderança ativa da facção denominada ‘Sindicato do RN’, com atuação destacada não apenas neste Município como nas cidades vizinhas, citando-se como exemplo os Municípios de Tangará e de Santa Cruz. Inclusive, foi destacada a grande influência exercida por Edgar Fabrício da Silva sobre os demais membros da organização criminosa atuantes nessa região, havendo risco concreto de que seus comparsas m liberdade empreendam esforços em prol da sua fuga por ocasião da sua vinda a este Município para o julgamento pelo Júri.”

Menciona que “O risco de o acusado empreender nova fuga vê-se sensivelmente ampliado pelo baixo efetivo de agentes policiais disponíveis, devendo-se considerar o conhecido poder bélico da organização criminosa da qual o acusado faz parte, de forma que o policiamento local não possui condições estruturais de manter incólume a ordem pública, nem mesmo com reforço, como asseverado pela PM.”

Sustenta que “Não bastasse o evidente risco à ordem pública, a manutenção da sessão do Júri em São José do Campestre compromete sobremaneira a garantia de imparcialidade dos jurados sorteados para compor o Conselho de Sentença, visto tratar-se de pessoas pertencentes à sociedade campestrense, em cujo seio há nítido temor quanto à pessoa do acusado.”

Reputa necessário o deslocamento do julgamento para a Comarca de Natal ou outra Comarca distante.

Ao final, pugna pelo desaforamento do julgamento.

O magistrado titular no juízo de origem apresentou informações de Id 17350024.

Os acusados, através da Defensoria Pública, apresenta manifestação de Id 17406921, aduzindo que decisão favorável em relação ao desaforamento só deve ocorrer quando houver dúvida razoável e devidamente atestada da imparcialidade do conselho de sentença formado, o que, ao ver da Defesa Técnica, não restou demonstrado na ação sub judice. Requer, ao final, o indeferimento do pleito de desaforamento.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, por sua 5ª Procuradoria de Justiça, opinou pela procedência do pedido de desaforamento.

É o relatório.

VOTO

Tratam os autos de pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público no qual pretende o deslocamento do julgamento do Processo Crime n.º nº 0100493-57.2015.8.20.0153 para uma das Varas do Tribunal do Júri da Comarca de Natal ou outra distante da Comarca de origem.

Evidencia-se que o procedimento de desaforamento encontra respaldo regimental nesta Corte de Justiça no conteúdo dos arts. 388 e 389, bem como nas hipóteses expressas no artigo 427 do Código de Processo Penal.

Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

§ 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente.

§ 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri.

§ 3º Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.

§ 4º Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado.

Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

§ 1º Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.

§ 2º Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

Trata-se, assim, de medida excepcional somente recomendável quando constatados elementos que permitam inferir sobre possível imparcialidade do Tribunal do Júri, ou mesmo prejuízo para a segurança pessoal do acusado.

Não se presta o requerimento, portanto, para atender reclamos de ordem conjecturais ou suposições do acusado, mas para inviabilizar qualquer mácula que possa comprometer a parcialidade do Tribunal Popular no exercício de suas funções constitucionais.

Do mesmo modo, resta possível o desaforamento quando demonstrado que o acusado sofre perigo em sua integridade física ou segurança pessoal, circunstâncias que nitidamente prejudicam o amplo exercício de sua defesa, bem como dúvida sobre a imparcialidade do júri.

Contudo, em qualquer das hipóteses, necessário que a parte requerente demonstre a idoneidade de seus argumentos, trazendo aos autos provas materiais que recomendem o deslocamento do julgamento para outra Comarca em face da quebra de parcialidade do júri ou por ofensa concreta contra a segurança dos agentes processuais.

Volvendo-se ao caso dos autos, observa-se que a pretensão formulada pelo Ministério Público mostra-se provida de razoabilidade.

No caso dos autos, o requerente fundamentou sua pretensão quanto a incerteza na neutralidade do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, tendo em vista que o considerável temor provocado pelo acusado, que pertence à facção criminosa “Sindicato do Crime” e é acusado da prática de vários delitos na região, fazendo com que exista o receio de que o conselho de sentença não tenha condições para julgar de forma imparcial e com suficiente tranquilidade e independência, ante o temor de retaliação na população.

Vale ressaltar, ainda, que o Ministério Público informou o sério risco de o réu empreender fuga da comarca, considerando as fugas anteriores e em razão da baixa estrutura policial existente.

Ademais, como bem pontuou o representante ministerial “há sério risco de o réu empreender fuga da comarca em razão da baixa estrutura policial existente, além do que, o próprio efetivo da Polícia Militar confirma a periculosidade do acusado e temor gerado nos cidadãos, conforme se infere dos documentos de ID 16896989 - Pág. 19/20 e 16896989 - Pág. 24/25.” (Id 17533432 - Pág. 4)

Da mesma forma, ressaltou o Julgador a quo nas informações de Id 17350024 “que o réu EDGAR FABRÍCIO DA SILVA, vulgo ‘Bimba’, responde e já respondeu a diversas ações penais nesta Comarca, mostrando-se um indivíduo perigoso, integrante de organização criminosa, motivo por que alguns dos seus processos foram remetidos à Unidade Judiciária especializada no combate aos delitos de organizações criminosas (UJUDOCrim).”

O Julgador monocrático acrescentou, ainda, que “Edgar Fabrício da Silva teve decretada prisão preventiva em 14/05/2015, efetivada em...

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