Acórdão Nº 08133167220228205004 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 18-07-2023

Data de Julgamento18 Julho 2023
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08133167220228205004
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
3ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0813316-72.2022.8.20.5004
Polo ativo
BANCO SANTANDER
Advogado(s): EUGENIO COSTA FERREIRA DE MELO
Polo passivo
JOSE RONILDO DE MEDEIROS
Advogado(s): ANELIZA GURGEL DE MEDEIROS

RECURSO INOMINADO CÍVEL N.º: 0813316-72.2022.8.20.5004

ORIGEM: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE NATAL

RECORRENTE: BANCO SANTANDER

ADVOGADO(A): EUGENIO COSTA FERREIRA DE MELO

RECORRIDO(A): JOSE RONILDO DE MEDEIROS

ADVOGADO(A): ANELIZA GURGEL DE MEDEIROS

RELATORA: JUÍZA SABRINA SMITH CHAVES

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO QUE CONTÉM DESCRIÇÃO CLARA, PRECISA E EXPRESSA DO SERVIÇO BANCÁRIO PRESTADO E DO PAGAMENTO MÍNIMO DA FATURA MEDIANTE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL NOS PROVENTOS. INOCORRÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. DEVER DE INFORMAÇÃO OBSERVADO. EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO CARACTERIZADAS. JUNTADA DE TED QUE COMPROVA A EFETIVA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO CONSIGNADO PARA REALIZAÇÃO DE QUATRO SAQUES. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Decidem os Juízes da Terceira Turma Recursal do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, em razão do provimento parcial do recurso.

Natal, 04 de julho de 2023.

Sabrina Smith Chaves

Juíza Relatora

RELATÓRIO

Sentença proferida pela Juíza LUCIANA LIMA TEIXEIRA, cujo Relatório se adota:

Dispenso o relatório na forma do art. 38 da Lei nº 9.099/95.

Trata-se de Ação Declaratória de Nulidade Contratual cumulada com Ação Indenizatória por Danos Materiais e Morais proposta por JOSE RONILDO DE MEDEIROS em desfavor do Banco Santander Brasil S/A, sob o fundamento de ter firmado contrato de empréstimo consignado com Banco demandado para ser pago mediante desconto em seu contracheque até a quitação total, quando na verdade cuidava-se de contrato de cartão de crédito consignado.

A parte autora requereu a nulidade contratual, no entanto pugnou pela rescisão do contrato.

Decido.

Preliminar.

Rejeito a preliminar de complexidade da causa por necessidade de perícia grafotécnica ou contábil, haja vista que os documentos coligidos aos autos são suficientes para garantir um julgamento escorreito do caso, prescindindo-se, portanto, da produção de novas provas. Ademais, o autor não nega que celebrou o aludido contrato com a instituição financeira.

Passo ao mérito.

No contrato de cartão de crédito consignado, a instituição financeira emissora do cartão transfere o valor correspondente ao limite desse cartão de crédito para a conta-corrente do contratante e a parcela mínima da fatura é desconta em seu contracheque. Denomina-se saque essa transferência bancária realizada via “TED”. O restante do valor vem cobrado através de faturas mensais com juros definidos no contrato, podendo o contratante pagá-las.

Em que pese a natureza desse contrato, as informações existentes no instrumento contratual bem como as repassadas aos consumidores pelos correspondentes bancários não são suficientes para esclarecer que os descontos efetuados em seus contracheques correspondem ao valor mínimo da fatura do cartão de crédito, os quais não quitarão o contrato de “empréstimo”; que o crédito recebido através de transferência bancária diz respeito ao saque do limite do seu cartão de crédito; e que o restante da dívida vem discriminada na fatura mensal deste cartão de crédito.

Na realidade, os funcionários públicos/aposentados com perfil de superendividamento fazem empréstimos consignados até o limite legal permitido e na medida que essas margens são liberadas, renovam tais empréstimos. Em sendo assim, tornam-se dependentes deste modelo de empréstimos e assim vão sobrevivendo, independentemente do padrão financeiro.

Quando surgiu o modelo do empréstimo na modalidade “cartão de crédito consignado”, os funcionários públicos/aposentados/PENSIONISTA com o perfil em referência foram imediatamente atraídos à proposta e, conforme os processos apreciados neste Juizado, todos acreditavam tratar-se de mais um tipo de empréstimo consignado com o “plus” a mais do cartão de crédito, o qual em sua maioria sequer chegavam a recebê-lo. Ao longo dos anos, as instituições financeiras aperfeiçoaram o instrumento contratual no sentido de identificar o tipo de contrato, o que antes não era feito. Contudo as informações levadas ao conhecimento dos consumidores por meio dos correspondentes bancários omitem um ponto essencial, que as parcelas descontadas de seus salários jamais quitarão a dívida. Ademais, o próprio termo “cartão de crédito consignado” é capaz de fazer o consumidor acreditar tratar-se de um empréstimo consignado sem maiores indagações. Um consumidor corretamente esclarecido certamente optará por aderir ao contrato de empréstimo consignado, com prazo definido para sua quitação e incidência de juros inferiores, em vez de aderir ao contrato de cartão de crédito consignado, cujos juros são altos e sem possibilidade alguma de quitá-lo com os descontos das parcelas mínimas em seu contracheque. Por essa razão, não raras vezes os correspondentes bancários usam manobras para enganar os consumidores e vender propostas de cartão de crédito consignado.

Importante frisar que nesses tipos de contratos não há uma advertência ao consumidor no sentido de que a parcela a ser descontada de seu contracheque corresponde ao valor mínimo de sua dívida, cabendo-lhe efetuar a quitação da fatura mensal, sob pena de aumento da dívida e incidência dos juros do contrato de cartão de crédito.

O cartão de crédito nem sempre é enviado ao consumidor e, quando enviado, raramente é utilizado para fins de compras e, na medida que há pagamento da dívida, a instituição financeira entra em contato e, em havendo margem consignável, oferece-lhe mais crédito e aumenta o valor das parcelas a serem descontadas de seu contracheque. Tudo isso é fomentado por correspondente bancário que assedia o consumidor a receber mais crédito.

Todo esse enredo induz o consumidor a acreditar haver firmado contrato de empréstimo consignado, cujo prejuízo só é detectado após passar anos pagando parcelas desse “empréstimo” e não haver minimamente uma data para sua quitação em razão do alto valor da dívida.

De acordo com a Legislação Consumerista, o contrato de adesão rege-se pelo princípio da transparência, devendo ser claras as suas cláusulas (art. 423 do CC e 54, § 3º do CDC), de forma que em caso de dúvida, ambiguidade ou contrariedade serão as mesmas sempre interpretadas em favor do aderente. Vigora também o princípio da legibilidade (art. 54, § 4º do CDC), pelo qual se determina que as cláusulas que implicarem em limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Assiste ao consumidor o direito de ser informado das condições do negócio jurídico, sendo vedada ao fornecedor de serviço ou produto à adoção de práticas desleais capazes de induzi-lo a erro e, com isso, alcançar vantagem econômica exagerada (art. 6º, incisos I a IV, do CDC.). O princípio da boa fé objetiva atua como instrumento de controle dos abusos verificados nas relações jurídicas, guardando relação direta com o princípio da confiança legítima. Ademais, prevê o art. 46 do CDC:

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

Na hipótese dos autos, o autor, pessoa idosa, sem qualquer discernimento acerca de contratos bancários, foi levada a erro pela instituição financeira ré, pois, segundo relatou na inicial, procurou a instituição financeira demandada a fim de realizar um empréstimo consignado tradicional, no entanto, quando da celebração do negócio jurídico aqui impugnado, em momento algum o funcionário do banco réu explicou as especificidades de tal contrato, fazendo-o crer que se cuidava de apenas mais um empréstimo consignado, como os demais.

Por tais fundamentos, restou comprovado que o Banco réu feriu a legislação consumerista, precisamente no que se refere ao direito de informação ao consumidor e na adoção de práticas desleais para induzir o consumidor a erro essencial, alcançando com isso vantagem econômica exagerada, em total desrespeito aos princípios suso mencionados. Tais garantias estão previstas no art. 6º, incisos I a IV, do CDC. Ademais, prevê o art. 46 que “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.” Soma-se a isso, são tidas como nula de pleno direito as cláusulas que “ estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”, nos termos do art. 51. III, do CDC, incluindo neste contexto o que define a § 3º deste mesmo artigo sobre a presunção de vantagem exagerada.

Pois bem.

Nesse contexto, importa considerar a análise do contrato como de empréstimo consignado e a sua quitação face o capital já pago ao Banco demandado.

No caso, a despeito de a instituição financeira alegar que o autor efetuou saques complementares, tais operações não ficaram comprovadas. Por outro lado, restou demonstrado que o autor recebeu um único crédito, no valor de R$ 5.034,77, nos idos do mês de setembro de 2015, vide cópia do contrato em comento em ID...

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