Acórdão Nº 08134013820208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 23-09-2021

Data de Julgamento23 Setembro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08134013820208205001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0813401-38.2020.8.20.5001
Polo ativo
JOAQUIM EDIBERTO CAMARA e outros
Advogado(s): THIAGO MARQUES CALAZANS DUARTE, MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA
Polo passivo
POLICARD SYSTEMS E SERVICOS S/A e outros
Advogado(s): MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA, THIAGO MARQUES CALAZANS DUARTE

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA E REVISÃO CONTRATUAL C/C EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELAÇÃO CÍVEL APRESENTADA POR AMBAS AS PARTES. MÉRITO DO RECURSO DA RÉ. TESE DE JUROS PACTUADOS EM PERCENTUAL INFERIOR AO DEFINIDO NO DECRETO ESTADUAL Nº 21.860/2010, DE CONHECIMENTO PÚBLICO, BEM ASSIM DE CAPITALIZAÇÃO EXPRESSAMENTE AJUSTADA. ARGUMENTOS INSUBSISTENTES. CONSIGNADO E REFINANCIAMENTOS CONTRATADOS POR TELEFONE. ESCLARECIMENTOS QUANTO AOS ENCARGOS (JUROS MENSAL E ANUAL) E PRÁTICA DE ANATOCISMO NÃO APRESENTADOS À CONTRATANTE. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 6º, INC. III, DO CDC). ABUSIVIDADE CONFIGURADA QUE IMPÕE A RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA, COM A INCIDÊNCIA DE JUROS SIMPLES BASEADA NA TAXA MÉDIA DE MERCADO, EM OBSERVÂNCIA AO ENUNCIADO DA SÚMULA 530 DO STJ. PARTICULARIDADE QUE PREJUDICA O EXAME DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE ALTERAÇÃO DOS CUSTOS REMUNERATÓRIOS PARA A TAXA MÉDIA DE MERCADO (DEFINIDA NA SENTENÇA) ACRESCIDA DE 50% (CINQUENTA POR CENTO). INCONFORMISMO DA EMPRESA DESPROVIDO. QUESTÕES DE FUNDO DEBATIDAS PELO SERVIDOR. A) RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR MEDIANTE RECÁLCULO PELO MÉTODO LINEAR PONDERADO (GAUSS), EM SUBSTITUIÇÃO AO SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE (SAC), ARBITRADO NO JULGADO A QUO. ALTERAÇÃO QUE SE IMPÕE DIANTE DO AFASTAMENTO DA CAPITALIZAÇÃO. B) REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA DOBRADA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. C) IMPOSIÇÃO DOS ÔNUS PROCESSUAIS APENAS EM DESFAVOR DA FINANCEIRA. ACOLHIMENTO DECORRENTE DO ÊXITO DO POSTULANTE EM TODAS AS SUAS PRETENSÕES. PROVIMENTO DE SEU APELO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em votação com o quorum ampliado, conforme o art. 942 do CPC, à unanimidade de votos, sem manifestação ministerial, conhecer dos recursos formulados por ambas as partes para desprover o da parte ré, e por maioria, dar provimento parcial ao recurso do demandante, divergindo da relatora apenas com relação à adoção imediata do Método Gauss, por entender que a apreciação da questão correspondente ao apropriado método de cálculo da dívida por juros simples deve ser realizada na liquidação de sentença, divergindo nesse ponto a Desª. Maria Zeneide Bezerra que votou pelo provimento do apelo.

RELATÓRIO

Joaquim Ediberto Camara ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Cláusula Expressa e Revisão Contratual c/c pedido de Exibição de Documentos 0813401-38.2020.8.20.5001 contra a Policard Systems e Serviços S/A.

Ao decidir o feito, a MM. Juíza da 8ª Vara Cível da Comarca de Natal /RN julgou-o parcialmente procedente, condenando a ré a fazer incidir nos contratos de financiamento questionados nos autos, a taxa média de juros do mercado divulgada pelo Banco Central e praticada em operações da mesma espécie.

Além disso, declarou abusiva a capitalização composta de juros, por ausência de pactuação expressa, e ordenou o recálculo das parcelas com a aplicação de juros simples.

A seguir, impôs à demandada a obrigação de restituir ao autor a quantia paga a título de juros compostos superiores à média do mercado, cujo montante deve ser aferido na fase de liquidação e mediante a utilização do Sistema de Amortização Constante – SAC, salvo se existente débito pendente pelo consumidor, ficando desde já autorizada a compensação.

Em relação ao valor a ser devolvido, na forma simples, estabeleceu que deve ser corrigido monetariamente pelo INPC, desde o desembolso até a citação, a partir da qual deverá incidir unicamente a taxa SELIC, a título de correção monetária e juros moratórios, conforme Tema 76 do Superior Tribunal de Justiça.

Por último, em razão da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser repartido na proporção de 80% (oitenta por cento) para a ré e o restante (20%), para o autor, ficando suspensa a execução dos encargos em relação a esse último, beneficiário da justiça gratuita (Id 9765138, págs. 01/06).

Inconformada, a Policard Systems e Serviços S/A protocolou apelação cível baseada nas seguintes alegações (Id 9765143, págs. 01/13):

a) o autor realizou diversas operações de crédito (financiamentos/refinanciamentos) junto à demandada e os juros cobrados foram de, no máximo, 4,99%, percentual autorizado pelo Decreto Estadual nº 21.860/2010, informado no Diário Oficial, sendo, pois, de conhecimento público, tanto assim que ele não impugnou, especificamente, a assertiva de que os encargos em questão estavam previamente estabelecidos no referido Decreto;

b) “ficou comprovado que não houve cobrança indevida, muito menos má-fé: os marcos regulatórios foram todos observados, tendo a parte autora, CONFORME ÁUDIO, EXPRESSAMENTE concordado com todas as condições do contrato, excluído, assim, qualquer nexo de causalidade entre uma suposta ilicitude por parte da ré com o que fora explanado pela autora em peça exordial”;

c) no caso concreto, as taxas de juros estão reguladas no Decreto mencionado anteriormente, logo, não há razão para determinar o recálculo das parcelas ou a devolução de quaisquer valores, eis que não agiu com abusividade;

d) o autor alcançou parte mínima de seus pedidos, sendo necessária, portanto, a revisão dos ônus sucumbenciais, de modo que ele responda integralmente pelas despesas e honorários.

Com estes fundamentos, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso para que a demanda seja julgada totalmente improcedente.

Subsidiariamente, pediu a fixação de juros com base na taxa média de mercado acrescida de 50% (cinquenta por cento), além da condenação exclusiva do recorrido ao pagamento dos encargos sucumbenciais.

O recolhimento do preparo foi comprovado (Id 9765144, págs. 01/02).

Por sua vez, o autor também se insurgiu contra a sentença, buscando sua reforma, para que seja(m):

(i) determinada a utilização do método linear ponderado (Gauss) para recalcular as operações discutidas a juros simples;

(ii) autorizada a restituição dos valores cobrados indevidamente na forma dobrada (e não simples);

(iii) suportados apenas pela ré, os encargos processuais (Id 9765141, págs. 01/11).

Sem preparo, por ser beneficiário da justiça gratuita.

Em contrarrazões ao recurso do autor, a ré discordou de todas as teses que ele arguiu e disse esperar a manutenção do julgado quanto aos pontos questionados (Id 9765146, págs. 01/11).

Do mesmo modo, manifestou-se o demandante em suas contrarrazões (Id 9765150, págs. 01/05), em face do recurso da empresa.

A Dra. Rossana Mary Sudário, 8ª Procuradora de Justiça, declinou da intervenção ministerial (Id 9891542).

É o relatório.


VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade de ambos os recursos, passo a examiná-los, mas diante das pretensões devolvidas ao segundo grau, analiso, primeiro, o arrazoado da Policard Systems e Serviços S/A, eis que eventual acolhimento de sua tese principal prejudicará a análise do inconformismo do autor.

Pois bem. Para ver reformada a sentença, a financeira traz, como argumento inicial, a versão de que o consumidor teve acesso e consentiu com todas as condições previstas no contrato e que os valores a ele disponibilizados foram calculados conforme livremente pactuado, tanto assim que ele não impugnou, especificamente, a alegação da empresa de que os encargos em questão foram previamente estabelecidos no Decreto Estadual nº 21.860/2010.

Disse, ainda, que acostou áudios suficientes para comprovar que as cobranças foram realizadas nos termos ajustados.

Nesse aspecto, sem razão a demandada, mas antes de expor minhas razões de decidir, destaco que a Legislação Consumerista se aplica às relações de consumo envolvendo instituições financeiras, conforme enunciado da Súmula 297 do STJ, bem assim nos termos do entendimento da Suprema Corte no julgamento da ADI 2.591/DF, sendo plenamente possível a revisão judicial de cláusulas contratuais consideradas abusivas, incompatíveis com a boa-fé ou equidade, e que coloquem o(a) consumidor(a) em desvantagem exagerada ou estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V e art. 51, IV, do CDC).

Além disso, a Súmula 283 da Corte Superior estabelece que as operadoras de cartão (realidade da apelante) são autorizadas a explorar operações de crédito e, inclusive, podem praticar juros capitalizados com periodicidade inferior à anual, com fundamento legal na MP nº 2.170-36/2001, logo, não sofrem as limitações da Lei de Usura.

Feitos esses registros, observo que a discussão de mérito se resume a verificar o acerto na sentença que procedeu com a revisão dos contratos firmados entre os litigantes após reconhecer a abusividade dos juros praticados e contestados pelo autor, mas rebatida pela ré, que alega que eles são inferiores ao permitido pelo Decreto Estadual nº 21.860/2010.

Passo, então, a analisar os argumentos e provas trazidos pelos envolvidos na contenda.

De início, vejo que Joaquim Ediberto Camara, servidor público estadual, ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Cláusula Expressa e Revisão Contratual c/c pedido de Exibição de Documentos em face da Policard Systems e Serviços S/A, alegando ter celebrado contrato de empréstimo consignado em dezembro de 2009.

Sustentou que, na ocasião, recebeu informações sobre o crédito disponível, a quantidade e o valor das parcelas a serem pagas, todavia, não lhe foram prestados esclarecimentos indispensáveis como, por exemplo,...

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