Acórdão Nº 08134926220218200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 21-12-2022

Data de Julgamento21 Dezembro 2022
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08134926220218200000
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0813492-62.2021.8.20.0000
Polo ativo
CHB - COMPANHIA HIPOTECARIA BRASILEIRA
Advogado(s): JUBSON TELLES MEDEIROS DE LIMA, DIOGO PINTO NEGREIROS
Polo passivo
LUIS JORGE ROQUE SEQUEIRA
Advogado(s): RUBENS DE SOUSA MENEZES

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202):

EMENTA: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DECISÃO ATACADA QUE DEFERIU PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, DETERMINANDO A ADOÇÃO DAS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS AO CANCELAMENTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DO IMÓVEL EM DEBATE. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES PELA PROMITENTE COMPRADORA. IMPEDIMENTO À TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE. UNIDADE HABITACIONAL GRAVADA POR HIPOTECA. GARANTIA FIRMADA ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO, QUE NÃO TEM EFICÁCIA PERANTE O ADQUIRENTE DO IMÓVEL. SÚMULA 308 DO STJ. MANUTENÇÃO DO DECISUM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator que integra este acórdão.

RELATÓRIO


Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por CHB - Companhia Hipotecária Brasileira – em Liquidação Extrajudicial, em face de decisão proferida pelo Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim, que nos autos da Ação de Obrigação de Fazer nº 0808458-94.2020.8.20.5124, proposta por Luís Jorge Roque Sequeira, deferiu o pedido de tutela de urgência, nos seguintes termos:

“(...) Pelo exposto, DEFIRO o pedido de tutela antecipada formulado por Luis Jorge Roque Sequeira, determinando que as demandadas, de forma solidária, no prazo de 15 (quinze) dias, adotem as providências administrativas necessárias ao cancelamento da alienação fiduciária do imóvel designado por lote 11, da quadra 01, integrante do Exclusive Condomínio Residencial, situado na Rua Interna 01, arcando com eventuais custas e emolumentos, sob pena de multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) até o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”.

Nas razões de ID 12352479, sustenta a agravante, em suma, que ao ingressar com a demanda originária, teria o ora agravado relatado ter firmado com a Ex Incorporações, instrumento particular de promessa de compra e venda de imóvel, para aquisição de 01 (um) lote integrante do empreendimento “Exclusive Condomínio Residencial ”; e que após integralmente quitado o preço, teria sido surpreendido com a impossibilidade de lavratura da Escritura Pública Definitiva, em razão de gravame de alienação fiduciária em favor da ora agravante.

Diz que analisando a tutela de urgência, entendeu o julgador a quo por acolher a pretensão endereçada, declarando a ineficácia da alienação firmada entre a Construtora e a recorrente, sobre o imóvel objeto da demanda, aplicando, analogicamente, o entendimento assentado na Súmula 308/STJ.

Argumenta que diversamente do quanto concluído na decisão atacada, a aplicação da Súmula 308/STJ não se mostraria possível na hipótese em debate, porquanto referente a gravame hipotecário e de incidência restrita à casa própria, enquanto o caso dos autos se trataria de alienação fiduciária e de aquisição de terreno para especulação imobiliária.

Defende que ao tempo da formalização do “contrato de gaveta” celebrado entre a “Ex Incorporações” e o agravado, em 25/09/2019, já teriam decorrido aproximadamente 03 (três) anos do registro do gravame na matrícula do imóvel, de modo que aquele instrumento não seria oponível à credora fiduciária/agravante, salvo anuência desta, o que alegadamente não teria ocorrido na espécie.

Ademais, que teria o Magistrado Monocrático olvidado de observar a ausência de efetiva comprovação da quitação anunciada; que a recorrida não teria logrado êxito em evidenciar os requisitos necessários à concessão da antecipação de tutela pleiteada, tampouco teria legitimidade para desconstituir um negócio jurídico do qual sequer teria participado; e que na qualidade de credora fiduciária, não poderia lhe ser subtraído o direito real que detém sobre o bem.

Por conseguinte, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, e no mérito pelo provimento do agravo.

Junta documentos.

Em decisão de ID 13911234, restou indeferida a suspensividade pleiteada.

A parte agravada não apresentou contrarrazões, apesar de devidamente intimada.

Instado a se manifestar, o Ministério Público declinou de sua intervenção no feito.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Na situação em exame, pretende a agravante a reforma da decisão que deferiu pedido de tutela de urgência, determinando o cancelamento da alienação fiduciária da unidade identificada, sob pena de multa.

Mister ressaltar, por oportuno, que em se tratando de Agravo de Instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, aos requisitos aptos a concessão da medida sem, contudo, adentrar à questão de fundo da matéria.

Desse modo, em uma análise perfunctória, própria desse momento processual, entendo que a irresignação não comporta acolhida, devendo ser mantida a decisão atacada.

Isso porque, do que se depreende, ao ingressar com a demanda de origem, relatou a parte autora/agravada ter adquirido 01 (um) lote de terreno integrante do empreendimento “Exclusive Condomínio Residencial ”; e que após integralmente quitado o preço, teria sido surpreendido com a impossibilidade de lavratura da Escritura Pública Definitiva, em razão de gravame fiduciário em favor da Companhia ora agravante.

Nesse contexto, a questão recursal ora posta a exame, cinge-se a perquirir se a alienação fiduciária firmada entre a construtora e a recorrente – exercendo atividade equiparável a agente financeiro – tem eficácia perante o adquirente do imóvel, de forma a se admitir a aplicação analógica da Súmula 308/STJ.

“Súmula – 308/STJ - a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

A esse respeito, necessário pontuar que, embora a dicção do preceito retrate hipótese em que a unidade autônoma, objeto de promessa de compra e venda, é dada em garantia hipotecária para o pagamento da dívida que a construtora contraiu perante o agente financeiro para viabilizar a incorporação imobiliária, da análise dos julgados que motivaram a elaboração do enunciado, extrai-se um escopo de controle da abusividade das garantias constituídas na incorporação imobiliária, de forma a proteger o consumidor de pactuação que acabava por transferir os riscos do negócio a ele, impingindo-lhe desvantagem exagerada.

É que, apesar de aludir, em termos gerais, à ineficácia da hipoteca perante o promitente comprador, o que se verifica, por meio da análise contextualizada do enunciado, é que ele traduz hipótese de aplicação circunstanciada da boa-fé objetiva ao direito real de hipoteca (OLIVA, Milena Donato. Tutela do consumidor na perspectiva civil-constitucional: A cláusula geral de boa-fé objetiva nas situações jurídicas obrigacionais e reais e os enunciados 302 e 308 da súmula da jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça. In: Revista de direito do consumidor, v. 24, n. 101, p. 120, set./out. 2015).

Dessume-se, destarte, que a intenção da Súmula 308/STJ é a de proteger, propriamente, o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de
compra e venda do imóvel e quitou o preço ajustado, até mesmo porque este possui legítima expectativa de que a construtora cumprirá com as suas obrigações perante o financiador, quitando as parcelas do financiamento e, desse modo, tornando livre de ônus o bem negociado.

Corroborando o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA FIRMADA ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO ADQUIRENTE DO IMÓVEL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 308/STJ. 1. Ação declaratória cumulada com obrigação de fazer, por meio da qual se objetiva a manutenção de registro de imóvel em nome da autora, bem como a baixa da alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro. 2. Ação ajuizada em 12/03/2012. Recurso especial concluso ao gabinete em 05/09/2016. Julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é definir se a alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro tem eficácia perante a adquirente do imóvel, de forma a se admitir a aplicação analógica da Súmula 308/STJ. 4. De acordo com a Súmula 308/STJ, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. 5. A Súmula 308/STJ, apesar de aludir, em termos gerais, à ineficácia da hipoteca perante o promitente comprador, o que se verifica, por meio da análise contextualizada do enunciado, é que ele traduz hipótese de aplicação circunstanciada da boa-fé objetiva ao direito real de hipoteca. 6. Dessume-se, destarte, que a intenção da Súmula 308/STJ é a de proteger, propriamente, o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de compra e venda do imóvel e quitou o preço ajustado, até mesmo porque este possui legítima expectativa de que a construtora cumprirá com as suas obrigações perante o financiador, quitando as parcelas do financiamento e, desse modo, tornando livre de ônus o bem negociado. 7. Para tanto, partindo-se da conclusão acerca do real propósito da orientação firmada por esta Corte - e que deu origem ao enunciado sumular em questão -, tem-se que as diferenças estabelecidas entre a figura da hipoteca e a da alienação fiduciária não são suficientes a afastar a sua aplicação nessa última hipótese, admitindo-se, via de...

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