Acórdão Nº 08146859120198205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 27-11-2023

Data de Julgamento27 Novembro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08146859120198205106
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0814685-91.2019.8.20.5106
Polo ativo
CINELANDIA DE FREITAS BARROS
Advogado(s): OSMAR FERNANDES DE QUEIROZ
Polo passivo
SUA CASA MATERIAIS DE CONSTRUCAO LTDA e outros
Advogado(s): JOSE DE OLIVEIRA BARRETO JUNIOR

EMENTA: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO PELO RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA E CONSEQUENTE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS AUTORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DECADÊNCIA AFASTADA. ENTENDIMENTO DO STJ. PRAZO DE 5 (CINCO) ANOS. MÉRITO. CAUSA MADURA. DEMANDANTE QUE APRESENTOU ELEMENTOS DE CONVICÇÃO SUFICIENTES PARA RESPALDAR AS SUAS ARGUMENTAÇÕES. PARTE RÉ QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR FATO EXTINTIVO, MODIFICATIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO DA AUTORA, A TEOR DO QUE DISPÕE O ART. 373, II, DO CPC. ACERVO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA O VÍCIO OCULTO ALEGADO. DANO MATERIAL E MORAL (IN RE IPSA) CONFIGURADOS. ABALO PSICOLÓGICO SUSCETÍVEL DE REPARAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. MONTANTE QUE DEVE SER FIXADO EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO


ACÓRDÃO

Acórdão os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, sem parecer ministerial, conhecer e dar provimento ao recurso para afastar a decadência e condenar a ré ao pagamento de danos materiais nos limites dos gastos da autora e morais arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

Apelação Cível (Id. 20453892) interposta por CINELÂNDIA DE FREITAS BARROS contra sentença (Id. 20453891) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais c/c Danos Morais movida em desfavor de SUA CASA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA e ELIZABETH REVESTIMENTOS LTDA, julgou improcedente a demanda, por ter considerado que ocorreu o instituto da decadência no caso concreto, nos seguintes termos:


A parte autora alegou que em 11 de janeiro de 2017 adquiriu junto a primeira demandada, entre outros produtos, peças cerâmicas de piso tipo porcelanato 50X50 da marca Elizabeth, segunda demandada e fabricante, no valor total de R$ 2.892,72 referente a 111,69 metros, mais 79,26 referente a 3,06 metros, esta diferença comprada em 22 de março de 2017, o que importou o valor de R$ 2.971,98.


Aconteceu que, após realizado o assentamento das referidas peças cerâmicas por profissional capacitado, surgiram falhas do produtos de planicidade e empenos (vício oculto), certamente decorrente de falha industrial (má qualidade) dos produtos ofertados referidos. A falha do produto resta demonstrada por perícia técnica realizada por engenheiro civil.


Há de sopesar que, além das despesas com a aquisição das peças cerâmicas, a autora despendeu valores com produtos necessários para o assentamento das peças, quais sejam: argamassa e rejunte no valor total de 1.149,67 (259,08 mais 890,59), além do valor de 3.732,00, com mão-de-obra contratada para realizar o assentamento do referido piso cerâmico. O prejuízo total foi de R$ 7.853,65. Procurou resolver a situação extrajudicialmente, mas sem sucesso.

(…)

A respeito da decadência, dispõe o CDC:


Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

§ 2° Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

II – (Vetado).

III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito. (grifei).


Como é cediço, nas relações de consumo, os prazos de 30 e 90 dias são decadenciais e se referem ao vício do produto. O CDC restringiu a incidência da prescrição para a responsabilidade pelo fato do produto (art. 27 do CDC – prazo prescricional de cinco anos), ao passo que a decadência ocorrerá somente na responsabilidade pelo vício do produto, contudo o prazo prescricional também se aplica após o exercício do direito formativo pelo consumidor, mas não é satisfeito pelo fornecedor, logo, o direito de ação só nasce após o exercício pelo consumidor da opção legal expressa no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor.

(…)

Sendo assim, diante da improcedência do feito, não há que se falar em indenização material, tampouco moral.


Posto isso, reconheço a decadência do direito do autor e julgo improcedentes dos pedidos, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.


Isento a parte autora das custas processuais, diante da gratuidade judiciária e previsão do artigo 38, inciso I da Lei nº 9.278/2009-RN. Outrossim, condeno-a em honorários advocatícios, em favor de SUA CASA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.


Em suas razões, alegou que a “ao contrário do fundamento da r. sentença, a decadência do direito de reclamar junto ao fornecedor no prazo de 90 dias, tal como estabelecido no art. 26, II, do referido diploma legal, não impede o consumidor de pleitear reparação de danos no prazo de 5 anos”.


Para sustentar tais argumentos, colacionou o dispositivo do art. 27, caput do CDC e julgado do TJDF neste sentido, informando que a legislação consumerista diferencia a ocorrência da prescrição e da decadência nas diferentes hipóteses de responsabilidade do fornecedor, sustentando que a pretensão indenizatória prescreve em 05 (cinco) anos contados do conhecimento do dano ou de sua autoria, estando, portanto, a ação dentro do prazo de cinco anos.


Assim, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença combatida, acolhendo os pedidos da inicial.


Gratuidade deferida em sentença.


Contrarrazões apresentadas pugnando pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Id. 20453897).


O Ministério Público declinou apresentação de parecer (Id. 21279605).


É o que importa relatar.


VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.


Cinge-se o apelo em reformar a decisão para afastar a decadência e julgar totalmente procedente os pedidos contidos na exordial, qual sejam, a reparação em danos materiais pelos vícios ocultos encontrados na cerâmica que adquiriu junto às rés por falha industrial.


A autora sustentou que após adquirir o produto, surgiram problemas de “planicidade” e “empenos” nas cerâmicas, o que fez com que despendessem valores com produtos necessários para o assentamento das peças (argamassa, rejunte e mão de obra extra), o que não deveria ser necessário, suportando o prejuízo total de R$ 7.853,65, visto que todo serviço realizado não atendeu ao padrão de qualidade em decorrência das indesejadas falhas nas placas do piso cerâmico.


Inclusive, a respectivo vício só foi constatado com a perícia técnica datada de 16 de novembro de 2017, a qual foi anexada aos autos sob os Id’s. de nº 20453632, 20453633 e 20453634.


Além disso, importa consignar que, por se tratar de relação consumerista, é plenamente cabível a aplicação do CDC ao caso concreto.


Feitas estas considerações, passo à análise do mérito. Pois bem, analisando os autos da demanda, observo que após a constatação do vício oculto, durante o prazo do art. 27, caput, do CDC, a demandante veio a ingressar com a presente ação judicial para buscar a reparação dos danos decorrentes do fato do produto, o qual pode ser compreendido, conforme entendimento do Juiz Paulista Fabio Castaldello em artigo científico disponibilizado ao TJSP:


“o fato do produto ou do serviço como a ocorrência de um evento danoso ao consumidor decorrente de um vício do produto ou do serviço” (CASTALDELLO, Fabio. O conceito de fato do produto ou do serviço e sua (necessária?) vinculação à ocorrência de um perigo à segurança do consumidor. TJSP.)


Este entendimento é o mesmo consagrado pelo jurista Theodoro Júnior. Destaco:


“O fato é o evento danoso externo gerado pelo produto em prejuízo do consumidor ou de terceiro que venha utilizá-lo ou consumi-lo” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil: dos atos jurídicos lícitos. 2008, p. 435).


Em continuação, o referido magistrado (Fabio Castaldello) acentuou que a doutrina e os tribunais pátrios demonstram a existência de duas correntes interpretativas que tratam sobre este assunto, uma que vincula essa caracterização aos casos de perigo à saúde e incolumidade física ou psíquica do consumidor e outra que admite sua caracterização sempre que o consumidor vier a suportar qualquer prejuízo que extrapole o próprio valor ou utilidade do produto ou serviço viciado.


Além disso, o STJ possui entendimento de que quando o vício for grave ao ponto de repercutir sobre o patrimônio material ou moral do consumidor, a hipótese será de responsabilidade pelo fato do produto, observando-se o prazo prescricional de 5 (cinco) anos do art. 27 do CDC. Destaco:


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CDC. SÚMULAS NºS 7/STJ E 282/STF. PRODUTO DEFEITUOSO. FATO DO PRODUTO. PRAZO PRESCRICIONAL.

1. Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais proposta por consumidor contra o fabricante e o comerciante de revestimentos cerâmicos após o surgimento de defeito do produto.

2. O vício do produto é aquele que afeta apenas a sua funcionalidade ou a do serviço, sujeitando-se ao prazo decadencial do ...

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