Acórdão Nº 08149091620228200000 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo08149091620228200000
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO - 0814909-16.2022.8.20.0000
Polo ativo
MUNICIPIO DE SAO BENTO DO TRAIRI
Advogado(s): ANESIANO RAMOS DE OLIVEIRA
Polo passivo
SEVERINO NASCIMENTO CONSTANTINO
Advogado(s):

EMENTA: DIREITOS CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE ENFISEMA E FIBROSE PULMONARES. FORNECER MEDICAMENTO. TRIMBOW E IMURAN. FÁRMACOS REGISTRADOS NA ANVISA. OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. ARTIGOS 6° E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGOS 8°, 125, CAPUT E 126 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade, em desprover o recurso, nos termos do voto do relator.

Agravo de Instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO TRAIRI, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por SEVERINO NASCIMENTO CONSTANTINO (processo nº 0802727-43.2022.8.20.5126), objetivando reformar a decisão da Juíza de Direito da 2ª Vara de Santa Cruz, que deferiu o pedido de tutela de urgência para determinar que o agravante, juntamente com o Estado do Rio Grande do Norte, disponibilizem o fármaco Trimbow spray, na quantidade mensal de 01 caixa (contendo 01 frasco), e o medicamento Imuran 50 mg, na quantidade de 60 (sessenta) comprimidos por mês, em volume suficiente para quatro meses de tratamento médico do requerente ou custeiem sua aquisição em empresa da rede privada, depositando o valor correspondente ao orçamento indicado na exordial, sob pena de bloqueio de verbas públicas.

Alega que: “ao analisar o pleito autoral, o magistrado a quo não sopesou diversas peculiaridades presentes no caso em apreço, dentre elas a realidade orçamentária do Município demandado”; “muito embora a prestação da saúde seja uma obrigação solidária da União, dos Estados e dos Municípios, é cediço que diversos atos normativos, entre eles a Portaria nº 204/2007 e a Portaria nº 2.203/1996, ambas do Ministério da Saúde, bem como a Norma Operacional de Assistência à Saúde/SUS (NOAS-SUS 01/2002), estabelecem uma divisão entre os entes públicos no tocante a obrigação aqui discutida”; “o art. 8º da Lei nº 8.080/90 [...] estabelece uma ordem de responsabilidade entre os entes públicos, de acordo com a complexidade do procedimento necessário a garantia do direito à saúde”; “nas hipóteses de medicamentos que possuem um custo elevado ou procedimentos mais complexos, a responsabilidade deverá ser repassada àqueles que possuem uma capacidade financeira maior, isto é, o Estado ou a União”; “são de responsabilidade do ente municipal o fornecimento dos serviços de saúde de menor complexidade”; “nos orçamentos carreados aos autos pelo requerente, verifica-se que o custo médio mensal dos medicamentos perfaz o montante de R$ 808,42”; “considerando a alta complexidade do tratamento recomendado e o elevadíssimo valor a ser despendido para o seu custeio, a responsabilidade deve ser atribuída aos entes com maior capacidade financeira, Estado e União”.

Por fim, pugna pela concessão do efeito suspensivo e, no mérito, pelo provimento do recurso para afastar a ordem liminar.

Indeferido o pedido de efeito suspensivo. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso.

Os artigos e 196 da Constituição Federal asseguram a todos os brasileiros o direito à saúde, cabendo ao Poder Público, em quaisquer de suas esferas de governo, prover os meios para garantir a efetividade de tais direitos. Esses direitos também são assegurados nos artigos , 125, caput, e 126, todos da Constituição Estadual. Trata-se de direito fundamental, emanado de normas constitucionais autoaplicáveis e, como tais, independem de regulamentação, passíveis, portanto, de aplicação imediata. De sorte que, caso qualquer brasileiro necessite de medicamentos, tratamentos médicos, exames, ou quaisquer outros meios terapêuticos para restabelecer sua saúde, ou, evitar danos a esta, ou até mesmo salvar sua vida, e não possuir recursos para custeá-los, como é o caso dos presentes autos, deverá o Poder Público provê-los.

O Supremo Tribunal Federal fixou tese de repercussão geral sobre a matéria constitucional contida no Recurso Extraordinário (RE) 855178. Entendeu que há responsabilidade solidária de entes federados para o fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde. Com a fixação da tese, a Corte reafirmou sua jurisprudência sobre o tema. Vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (STF, RE 855178, Rel. Min. Relator: MIN. LUIZ FUX, DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 16/03/2015).

Com o mesmo entendimento o Tribunal de Justiça deste Estado editou o enunciado nº 34 de sua Súmula: “A ação que almeja a obtenção de medicamentos e tratamentos de saúde pode ser proposta, indistintamente, em face de qualquer dos entes federativos”.

No que se refere à legalidade orçamentária e à ordem de responsabilidade entre os entes públicos estabelecida na Lei nº 8.080/90, esta Corte Estadual já decidiu que não devem se sobrepor às garantias constitucionais de preservação da vida e da saúde. Cito o precedente:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÕES CÍVEIS DO MUNICÍPIO DE JANDUÍS E DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. APELADA ACOMETIDA DE DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE A AMPARAR O PEDIDO DE FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO RECEITADO POR MÉDICO. DIREITO À SAÚDE E À VIDA DECORRENTE DO INTOCÁVEL PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NECESSIDADE DE TRATAMENTO MEDICAMENTOSO. REMÉDIO PREVISTO NA RENAME, ENTRETANTO, NÃO DISPONIBILIZADO PELO ENTE PÚBLICO. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE A AMPARAR O PEDIDO DE FORNECIMENTO DO FÁRMACO PELO ESTADO DE FORMA CONTÍNUA, ENQUANTO PERDURAR A NECESSIDADE DO IMPETRANTE, DESDE QUE RECEITADO POR MÉDICO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.1. A despeito das disposições infraconstitucionais da Lei nº 8.080/90, que, tratando do funcionamento dos serviços de saúde, adota a descentralização político-administrativa como princípio básico do sistema de saúde, dando ênfase à atuação do Município, certo é que todas as esferas de governo são responsáveis pela saúde da população, visto que o direito à vida e à saúde se sobrepõe a todo e qualquer interesse do Estado, como consequência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana. 2. O postulado processual relativo à legalidade orçamentária deve ser suplantado diante da prevalência de direitos tão plausíveis quanto os da saúde e da vida.3. Diante da prevalência do direito à saúde, constitucionalmente assegurado e de caráter fundamental, não cabe negar o direito ao fármaco pretendido por não estar relacionado entre os fornecidos pelo SUS.4. Precedentes do STF (RE 855.178 RG, em 5/3/2015 - Tese de Repercussão Geral n. 793), do STJ (AgInt no REsp 1587343/PI, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 19/05/2020, DJe 26/05/2020 e AgInt no AREsp 1320125/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/04/2020, DJe 05/05/2020), TJRN (Apelação / Remessa Necessária, 0807334-96.2016.8.20.5001, Dr. Ibanez Monteiro Da Silva, Gab. Des. Ibanez Monteiro na Câmara Cível, assinado em 31/01/2020, Apelação Cível, 0800114-43.2018.8.20.5109, Dr. Roberto Francisco Guedes Lima, Gab. Des. Expedito Ferreira na Câmara Cível - Juiz convocado Dr.Roberto Guedes, assinado em 21/01/2020 e Mandado De Segurança Cível, 0804333-66.2019.8.20.0000, Dr. Virgilio Fernandes De Macedo Junior, Gab. Des. Virgílio Macedo Junior no Pleno, assinado em 19/12/2019).5. Apelações conhecidas e desprovidas. (TJRN, APELAÇÃO CÍVEL 0801393-43.2019.8.20.5137, Des. Virgílio Macêdo, Segunda Câmara Cível, ASSINADO em 25/11/2020).

Comprovado que os medicamentos Trimbow e Imuran são necessários para o tratamento do quadro de enfisema e fibrose pulmonar que acomete o agravante (ID 91909240 dos autos de origem). Além disso, os medicamentos são registrados na ANVISA.

Posto isso, voto por desprover o recurso.

Consideram-se prequestionados todos os dispositivos apontados pelas partes em suas respectivas razões. Será manifestamente protelatória eventual oposição de embargos de declaração com notória intenção de rediscutir a decisão (art. 1.026, § 2° do CPC).

Data de registro do sistema.

Des. Ibanez Monteiro

Relator

Natal/RN, 6 de Março de 2023.

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