Acórdão Nº 08169377220168205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 20-10-2023

Data de Julgamento20 Outubro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08169377220168205106
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TRIBUNAL PLENO

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0816937-72.2016.8.20.5106
Polo ativo
MPRN - 07ª Promotoria Mossoró e outros
Advogado(s):
Polo passivo
LEODISE MARIA DANTAS SOARES CRUZ
Advogado(s): LUIZ GUILHERME SOARES CRUZ

EMENTA: AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. TEMA 1.199 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DOLO PARA TIPIFICAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE. ACÓRDÃO DESTA CORTE QUE ESTÁ ALINHADO AO JULGAMENTO DO PRECEDENTE QUALIFICADO. ART. 1.040, I, DO CPC. ARGUMENTAÇÃO DO AGRAVANTE INSUFICIENTE A ENSEJAR A MODIFICAÇÃO DA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. O acórdão que julgou o apelo cível se encontra alinhado com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 1.199, razão pela qual deve ser mantida a decisão que, em juízo de admissibilidade, negou seguimento ao recurso especial, com fundamento na técnica de vinculação decisória prevista no art. 1.040, I, do CPC.

2. Inexistência de argumentos suficientes apresentados no recurso de agravo para infirmar a decisão anterior.

3. Conhecimento e desprovimento do agravo interno.

ACÓRDÃO

ACORDAM os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em sessão plenária, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Relator.

VOTO

Sem maiores transpirações argumentativas, realço que o agravo interno manejado preenche os requisitos de admissibilidade, devendo, portanto, ser conhecido (§ 2º do art. 1.030 do CPC).

No entanto, embora admitida a via recursal pretendida, verifico, desde já, que os fundamentos lançados não se revelam hábeis a autorizar a modificação da decisão que negou seguimento ao recurso especial, por aplicação do Tema 1.199 do STF.

Sem delongas, nos termos dos artigos 1.030, I e II, e 1.040, I, do Código de Processo Civil (CPC), recai sobre os tribunais de origem a obrigação de aplicar aos recursos especiais o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) acerca de temas submetidos à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral.

E essa atribuição constitui incumbência a ser exercida, senão, pelo Vice-Presidente do Tribunal de segunda instância, o qual deverá, quando julgado o mérito dos recursos com relação aos quais foi estabelecida a tese em paradigma, negar seguimento aos recursos interpostos contra decisões proferidas em conformidade com o pronunciamento do STJ ou do STF, ou encaminhar os recursos para juízo de retratação, se a decisão combatida estiver em confronto com o entendimento dos referidos tribunais.

Pois muito bem. Entendo que a decisão recorrida deve ser mantida.

Isto porque, no acórdão da Segunda Câmara Cível desta Corte, de relatoria do Des. Virgílio de Macêdo, restou motivadamente consignada a inexistência da figura do “DOLO”, como se verifica do seu ementário (Id. 16697832):

“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. PLEITO DE REFORMA DO JULGADO COM CONDENAÇÃO DA APELADA. NÃO ACOLHIMENTO. DOLO NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. 1. A espécie carece exatamente da comprovação acerca da conduta intencional da apelada em se esquivar de sua obrigação de prestar as informações solicitadas, pois a resposta apresentada a destempo ou após pedido de dilação de prazo, conforme ocorreu no caso em tela, não constitui subsídio suficiente à configuração do ato ímprobo. Diante disso, evidencia-se infrutífero o pedido de reforma da sentença, dada a ausência do dolo na conduta da recorrida. 2. Recurso conhecido e desprovido”.

Vejamos, ainda, excertos do julgado (Id. 16697832):

“(...) 3. Observa-se que a sentença de improcedência pautou-se na ausência de dolo, o que não destoa do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. 12. A imputação dirigida à apelada consiste na prática de ato de ato de improbidade administrativa, consubstanciada no ato de retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, o que teria obstaculizado os apuratórios em andamento. 13. Para o julgador de primeiro grau, a conduta apurada não se enquadra no tipo descrito no art. 11, caput, da Lei nº 8.429/1992, cujo teor dispõe: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:” 14. Em decorrência disso, absolveu a parte apelada da acusação. 15. Decerto que, com as alterações à lei nº 8.429/92 promovidas com o advento da Lei nº 14.230/2021, só existe ato de improbidade administrativa se houver dolo específico. Além disso, é salutar destacar que o rol de atos de improbidade administrativa previstos do art. 11 da lei de improbidade administrativa passou a ser taxativo e não se pode mais enquadrar a conduta no caput, pois a conduta deve guardar correspondência nos incisos do referido artigo. 16. Inclusive, a alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021 no art. 11, inciso VI, enfatizou a necessidade de demonstração do dolo do agente público em ocultar irregularidades, com os seguintes termos: “VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;” 17. A espécie carece exatamente da comprovação acerca da conduta intencional da apelada em se esquivar de sua obrigação de prestar as informações solicitadas, pois a resposta apresentada a destempo ou após pedido de dilação de prazo, conforme ocorreu no caso em tela, não constitui subsídio suficiente à configuração do ato ímprobo. 18. Diante disso, evidencia-se infrutífero o pedido de reforma da sentença, dada a ausência do dolo na conduta da recorrida. (...)”.

Assim, o entendimento perfilhado no julgado do Colegiado fracionário se acha sim em confluência com o entendimento do STF, no julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199[1]), ao considerar essencial a presença do dolo para a tipificação dos atos ímprobos previsto nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, não se admitindo a "responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92".

Ora, no referido tema foi firmada a orientação que, mesmo antes da edição da Lei 14.230/21 (que revogou a modalidade de ato de improbidade administrativa culposo, prevista na redação originária do art. 10 da Lei 8.429/92 e incluiu, nos arts. 9º e 11, a imprescindibilidade do dolo), sempre foi EXIGIDA A PLENA COMPROVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA por ato de improbidade administrativa - de natureza civil qualificada[2], consubstanciado na má-fé, com o intento de obtenção de vantagens materiais indevidas ou produção de prejuízos ao patrimônio público (finalidade ilícita com vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito).

Também, restou reverberado que a revogação da modalidade culposa do art. 10 da Lei 8.429/92 pela Lei 14.230/21 tem incidência sobre os processos SEM trânsito em julgado[3], raciocínio jurídico que se emprega identicamente para a conotação intelectiva trazida pela novel norma no respeitante ao elemento anímico do dolo “não bastando a voluntariedade do agente”, repercutindo, inclusive, em alteração dos precedentes jurisprudenciais de outrora de forma a não mais se permitir aos feitos não finalizados uma condenação por “uma conduta não mais tipificada legalmente”.

Aliás, o paradigma qualificado lastreou a orientação no sentido de impedir, reflexamente, a ultra-atividade da lei anterior, observando-se, ainda, o tempus regit actum, em que a pretensa tipificação se acha lastreada em comportamento expressamente revogado/modificado (voluntariedade não mais sancionável pelo sistema de improbidade).

Trago, no que interessa, trechos esclarecedores do voto prevalente:

“(...) Em que pese sua natureza civil, o ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º (...) Observe-se que, apesar da LIA, em sua redação original, somente permitir, excepcionalmente, responsabilidade a título culposo nas condutas definidas em seu artigo 10, o legislador pretendeu reafirmar a necessidade do elemento subjetivo – DOLO – também nos artigos 9º e 11 – que sempre foram tipos eminentemente dolosos –, incluindo as expressões “mediante a prática de ato doloso” e “ação ou omissão dolosa”, respectivamente. A ratio desse reforço legislativo foi reafirmar a total impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa em qualquer de suas condutas, bem como a inexistência de atos de improbidade administrativa culposos nos artigos 9º,10 e 11. A necessidade de apontar os fatos e imputações de cada um dos réus, mesmo que não se exija a mesma rigidez de tipicidade do campo do Direito Penal, sempre foi exigência legal, pois não há responsabilidade objetiva que possibilite as sanções da Lei de Improbidade...

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