Acórdão Nº 08172920420198205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 16-10-2021
Data de Julgamento | 16 Outubro 2021 |
Classe processual | APELAÇÃO CÍVEL |
Número do processo | 08172920420198205001 |
Órgão | Tribunal Pleno |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Processo: | APELAÇÃO CÍVEL - 0817292-04.2019.8.20.5001 |
Polo ativo |
VALENTINA COSTA MACIEL DE MIRANDA e outros |
Advogado(s): | HENRIQUE EDUARDO BEZERRA DA COSTA |
Polo passivo |
SULAMÉRICA SAÚDE |
Advogado(s): | ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA |
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDOS DE TUTELA ANTECIPADA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. TRATAMENTO DE CRIANÇA QUE PADECE DE TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA. INDICAÇÃO MÉDICA PARA O TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PATAMAR MÓDICO. RECURSO DA CONSUMIDORA CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. RECURSO DA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE CONHECIDO E DESPROVIDO
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 17ª Procuradoria de Justiça, conhecer e dar provimento parcial ao recurso de V. C. M. D. M, representada por sua genitora e conhecer e negar provimento ao recurso da Sul América Companhia de Seguro Saúde, nos termos do voto do relator que integra este acórdão.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Cíveis interpostas pela Sul América Companhia de Seguro Saúde, e por V. C. M. D. M, representada por sua genitora, propostas em face da sentença prolatada pelo Juízo da 7ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, que nos autos da Ação de obrigação de fazer c/c pedidos de tutela antecipada e de indenização por danos morais e materiais, de nº 0817292-04.2019.8.20.5001, jugou parcialmente procedente a pretensão autoral, no seguintes termos:
Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE os pedidos formulados na inicial, para: CONFIRMAR a tutela liminar concedida, condenando PROCEDENTES o plano de saúde Demandando a autorizar/custear as despesas necessárias para o tratamento do Demandante nas áreas de terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia com metodologia comportamental ABA, fisioterapia motora, com a programação de 20 horas semanais de intervenção pelo método ABA, por tempo indeterminado, através de profissionais credenciados ao plano, ou, caso não haja profissionais credenciados que utilizem a técnica indicada para a Autora, que o plano efetue o ressarcimento do valor, tomando como parâmetro o valor da tabela de ressarcimento ou o valor que o plano paga por cada consulta a cada profissional médico (especialidade) credenciado, ficando o possível valor excedente a cargo da parte autora.
Diante da vedação expressa à compensação em caso de sucumbência recíproca, CONDENO cada uma das partes ao pagamento de 50% sobre as custas processuais e ainda aos honorários sucumbenciais devidos à parte contrária, os quais fixo em 10% do valor da causa. (art. 85, §§ 2º e 14º, CPC).
Em suas razões recursais no Id. nº 10060522, a Sul América Companhia de Seguro Saúde pugnou pela reforma da sentença para julgar improcedente os pleitos contidos na inicial, argumentando que o tratamento multidisciplinar solicitado não se encontram previsto no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde – ANS, além da impossibilidade de custeio de terapias alheias aos serviços médicos, alegando também que a imposição de custeio de tais tratamentos coloca em desequilíbrio o contrato firmado entre as partes, como também requerem a condenação da Autora em honorários advocatícios sucumbências.
Por sua vez, a apelante V. C. M. D. M., representada por sua genitora, em suas razões recursais de Id. nº 10060520, argumenta, em suma, que a negativa de realização do tratamento multidisciplinar que necessita, ocasionou danos ensejadores do dever de reparar e por este motivo, pugnou pela da condenação a indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), além da condenação aos honorários advocatícios sucumbenciais.
Regularmente intimadas, somente a Sul América Companhia de Seguro Saúde apresentou contrarrazões, pugnando pelo conhecimento e desprovimento do recurso, conforme Id. nº 10060528.
O Ministério Público, por meio da 17ª Procuradoria de Justiça, emitiu Parecer de Id. nº 10459657, opinando pelo provimento e desprovimento do Recurso.
É o que importa relatar.
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.
Compulsando os autos em apreço, verifico que os pontos centrais dos méritos recursais residem em perquirir a análise da suposta negativa da autorização de tratamento multidisciplinar e, se ensejaria reparação por danos e morais e os eventuais valores indenizatórios.
É imperioso, de logo, frisar-se, que estamos diante de uma relação de consumo amparada na Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), onde o consumidor é considerado como " aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida, porém, a que se deve dar valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando, quer reparando os danos sofridos" (Waldírio Bulgarelli, Tutela do Consumidor na Jurisprudência e de lege ferenda, in Revista de Direito Mercantil, Nova Série, ano XVII, nº 49).
Consoante a Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. (SÚMULA 608, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018).
É indiscutível, portanto, que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual, interpretação das cláusulas contratuais devem considerar a condição de hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor.
Convém ressaltar ainda que, o art. 47 do CDC dá ao consumidor o direito de obter a interpretação mais favorável das cláusulas contratuais.
Vejamos o que dispõe o referido artigo:
Art. 47 - "As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".
Da detida análise do caderno processual, constata-se que a consumidora apelante comprovou a existência de vínculo contratual com a Sul América Saúde, consoante Id.nº 10060356, somado as contundentes provas das condições do paciente e o mais grave, os riscos do retardamento do seu tratamento.
Convém ressaltar que, no presente caso, conforme os documentos de Id. nº 8712952, restou fartamente comprovado a necessidade do tratamento para tratar a enfermidade, conforme laudo médico de do Pediatra DR. Ney Marques Fonseca – CRM/RN427, que repousa às fls. 26 do caderno processo, indicando as condições do paciente, evidenciando os riscos do retardamento do tratamento multidisciplinar para o cuidado do transtorno de espectro autista do qual padece a criança V.C. M de M.
A propósito, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça:
"O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura." (STJ, Resp 668.216/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 02/04/2007)
"A jurisprudência deste Tribunal Superior é uníssona no sentido de que é abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde terapia ou tratamento mais apropriado para determinado tipo de patologia alcançada pelo contrato" (STJ, AgRg no REsp 1300825/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 28/02/2014)
Sem dúvida, o médico que acompanha o paciente é quem deve estabelecer o tratamento mais adequado à sua completa recuperação, pois somente ele tem o verdadeiro domínio e conhecimento nesse sentido. Deixar esse papel à seguradora de saúde seria criar obstáculo ao melhor tratamento.
Colhe-se, a esse respeito, do Superior Tribunal de Justiça:
"Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor" (Resp n. 1053810/SP, Terceira Turma, Rela. Mina. Nancy Andrighi, j. Em 17.12.2009)
Ademais, se o avanço tecnológico na área da medicina quanto à tratamentos, métodos de abordagens, procedimentos, cirúrgicos ou não, possibilita que as moléstias sejam tratadas de formas mais eficazes, indolores e com menor risco de morte ao paciente, é inquestionável que tais recursos devem ser utilizados em detrimento de métodos ultrapassados ou menos eficazes.
Assim, não pode o paciente, na condição de consumidor, ser impedido de realizar procedimentos com métodos mais modernos que os do momento em que celebrara o contrato, se estes são necessários ao tratamento da doença que a acomete.
Ademais, o bem jurídico que se pretende tutelar é da maior importância, concernente à própria vida do usuário, cuja proteção decorre de imperativo constitucional que resguarda, no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana, e deve sobrepor-se ao direito eminentemente pecuniário.
Quanto aos danos morais, cumpre destacar que a jurisprudência do STJ vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura do plano de saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do paciente, uma vez que, ao pedir a autorização ao plano, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada.
E na hipótese dos autos, o Apelante encontrava-se padecendo de diagnóstico de espectro autista, evidenciando o quanto a demora e a negativa do tratamento multidisciplinar contribuíram para postergar ainda mais a evolução do paciente.
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