Acórdão Nº 08174194420168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 12-05-2020

Data de Julgamento12 Maio 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08174194420168205001
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0817419-44.2016.8.20.5001
Polo ativo
FLAVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA
Advogado(s): LUDMILA LYRA DA COSTA, JOSE ROMEU DA SILVA
Polo passivo
RENATO CIRILO DA SILVA e outros
Advogado(s): VITOR SOARES FERREIRA

Apelação Cível nº 0817419-44.2016.8.20.5001

EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BENS IMÓVEIS. CAUSA DE PEDIR E PEDIDO QUE NÃO RETRATAM VÍCIO DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO MAS DE RESCISÃO DO CONTRATO. CORRETA APLICAÇÃO PELO JULGADOR DO PRIMADO JURÍDICO “DÁ-ME OS FATOS QUE TE DAREI O DIREITO”. SENTENÇA MANTIDA NESTA PARTE. PROVA DE VENDA DE IMÓVEIS EM DUPLICIDADE.-FÉ CONTRATUAL E BUSCA DE VANTAGEM INDEVIDA CARACTERIZADAS. AÇÃO DE USUCAPIÃO PENDENTE SOBRE OS IMÓVEIS OBJETO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CIÊNCIA DO COMPRADOR E POSTERIOR SUCUMBÊNCIA DOS VENDEDORES NA AÇÃO DOMINIAL. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DO NEGÓCIO CASO OCORRIDA A PERDA DO OBJETO DO CONTRATO. APLICAÇÃO DO ART. 239 DO CÓDIGO CIVIL. OBJETOS DE VENDA QUE SE PERDERAM POR CULPA DOS VENDEDORES. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO QUE SE IMPÕE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES EFETIVAMENTE PAGOS ABATIDA A COMISSÃO DE CORRETAGEM. APURAÇÃO A SER FEITA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível, deste egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade, sem opinamento do Ministério Público, em conhecer e prover parcialmente o recurso nos termos do voto do relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível movida por FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA em face da sentença proferida pelo Juiz da 6ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da ação ordinária na qual contende com RENATO CIRILO DA SILVA e ALBANITA DE SOUZA SILVA, julgou improcedentes os pedidos da inicial, condenando-o ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa.

FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA impugna a sentença acima, sob os seguintes argumentos:

1 - é nulo o contrato de compra e venda dos lotes adquiridos em 01/03/2016 a RENATO CIRILO DA SILVA e ALBANITA DE SOUZA SILVA, eis que, após pagar a quantia de R$ 160.000,00, ficou sabendo que os bens haviam sido negociados em 12/05/2014 a terceiro, conforme prova o Contrato de Compromisso de Compra e Venda de imóvel urbano, juntado ao ID 26548952, o qual não foi observado pelo julgador;

2 - foi levado a realizar negócio jurídico sem a devida informação de que o objeto do contrato estava indisponível, faltando a este os seus elementos, devendo ser compensando moralmente.

Diante do exposto, requer o provimento do recurso "para reformar o decisum a quo, nos exatos termos combatidos, reconhecendo o vício presente no objeto do contrato de compromisso de compra e venda, condenando o Apelado, inclusive, ao pagamento dos honorários sucumbenciais na importância de 20% do valor da causa, por ser medida de Direito e da mais lídima Justiça."

Nas contrarrazões, os recorridos pedem o desprovimento do apelo.

Sem opinamento do Ministério Público.

É o relatório.

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA pretende anular o Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda, firmado com RENATO CIRILO DA SILVA e ALBANITA DE SOUZA SILVA em 01/03/2016, por meio do qual adquiriu 42 lotes situados no Loteamento Nova Atlântica, centro da Cidade de Extremoz, constituído pelos lotes 76 ao 95 da Quadra 5 e pelos lotes 28 ao 49 da Quadra 03, ao fundamento de que todos haviam sido anteriormente vendidos a terceiro.

Alega, para tanto, que os objetos do contrato, não estavam disponíveis para venda.

O exame dos autos demonstra que, em 2016, o ora apelante FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA realizou o negócio de compra dos lotes por intermédio de corretores de imóveis.

Segundo afirmou, os lotes custaram R$ 600.000,00, em que a quantia de R$ 300.000,00 seria paga por meio da dação em pagamento de um apartamento, mais 3 veículos no valor de R$ 140.000,00 e R$ 160.000,00 em dinheiro no ato da assinatura do contrato.

Consignou que havia repassado a quantia de R$ 265.000,00 entre bens e quantias em dinheiro, até o momento do protocolo da ação.

Relatou que, posteriormente, ficou sabendo que esses mesmos lotes haviam sido prometidos à venda para terceiro em contrato anterior firmado ao seu.

Requereu, então, a declaração de nulidade do contrato, além da devolução da quantia de R$ 190.000,00 e a condenação dos demandados por danos morais.

RENATO CIRILO DA SILVA e ALBANITA DE SOUZA SILVA, na contestação, alegaram que: (1) não há provas do histórico de negociação anterior dos lotes; (2) R$ 30.000,00 foram pagos pela comissão de corretores; (3) a dação em pagamento não se concretizou; (4) apenas dois veículos foram entregues, cuja transferência de titularidade não realizou; (5) o preço de R$ 160.000,00 não foi pago em espécie mas em cheques, dos quais três foram sustados na quantia de R$ 70.000,00; (6) notificaram FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA em razão do inadimplemento o qual recusou-se a receber; e (7) estão suportando o prejuízo.

O Juízo agendou audiência de organização e saneamento do processo, intimando as partes para apresentarem o rol de testemunhas, cujo ato foi reagendado a pedido dos demandados.

RENATO CIRILO DA SILVA e ALBANITA DE SOUZA SILVA indicaram as testemunhas e FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA juntou documentos.

Na audiência, não houve conciliação e os pontos controvertidos foram fixados. Posteriormente, a audiência de instrução e julgamento foi reagenda duas vezes, a pedido dos demandados, ora apelados, sendo indeferido o terceiro pleito de adiamento.

O Juízo ouviu o corretor de imóveis Antônio Sérgio Pereira cujo depoimento ressaltou que:


“(...)o Sr Flávio estava ciente das questões jurídicas que envolviam o terreno; que sobre o terreno pendia uma ação de usucapião e este fato inclusive foi citado no contrato(…) não tem ciência de o Sr Renato ter vendido o imóvel a terceiros após o contrato com o autor (…) depois da conversa que o autor teve com o advogado de Renato ficou como certo que a causa do usucapião seria ganha pelo réu (...) acredita que não foi previsto o desfazimento do negócio caso a ação de usucapião fosse procedente(…)”


Apresentadas as alegações finais, sobreveio sentença e o magistrado, aplicando o direito aos fatos apresentados, decidiu que:


Sobre a causa de pedir, é importante que se diga que há franca diferença no que pretende o autor, a deduzir seu pedido de declaração de nulidade, com o fundamento que esboça de que houve ipsi litteris ato ilícito por parte dos réus que afrontaria a boa-fé. Dessa forma, ao relacionar a essência da causa de pedir com o efeito do pedido – desfazimento da relação – é de se entender que busca o autor não uma declaração de nulidade, mas a rescisão do contrato por afronta à boa-fé objetiva”


Por fim, concluiu pela ausência de provas hábeis à rescisão do negócio, julgando improcedentes os pedidos da inicial.

Nesta instância revisora, FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA insiste na nulidade do contrato, argumentando que, embora seja lícito o objeto do contrato, o mesmo não era possível porque já prometido à venda em contrato pretérito.

Analisando a sentença, verifica-se que esta se divide em duas partes.

Na primeira, o Juiz, aplicando o primado jurídico dá-me os fatos que te darei o direito”, decidiu, acertadamente, após examinar a causa de pedir e o pedido, que o relato de duplicidade de venda do imóvel, não traduziria vícios de nulidade do negócio, mas de má-fé que resultaria na rescisão do contrato.

Sobre a questão, transcrevo o seguinte aresto da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


“2. É assente no Superior Tribunal de Justiça que os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). (AgInt no AREsp 1414263/MG, Rel.Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019)(...)”(STJ - AgInt no AREsp 1420454/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 03/03/2020)


Quanto à esta matéria, a sentença deve ser preservada por não caracterizar a duplicidade de venda, qualquer dos vícios elencados nos incisos I a III do art. 104 do Código Civil, verificando-se que as partes contraentes são maiores e capazes, os 42 lotes, objeto do contrato, são lícitos, possíveis e determináveis e a forma do contrato de promessa de compra e venda está prescrita em lei.

Por sua vez, o contrato possui os seus elementos, em que a coisa se traduz pelos lotes individualizados, o preço está expresso, a forma de parcelamento demonstra-se clara e FLÁVIO AUGUSTO GOMES DE LIMA, maior e capaz, não mostrou qualquer vício de consentimento na sua pactuação, sendo firme e valioso.

Quanto ao argumento de que a nulidade da promessa de compra e venda firmada, reside no fato de que o bem não estava disponível para venda por conta da negociação pretérita feita a terceiro, calha, inicialmente, identificar a existência dessa promessa anterior, para depois verificar a impossibilidade da venda dos lotes, conforme alega o apelante.

Pois bem, os vendedores disseram, na contestação, não haver provas de venda anterior dos 42 lotes.

Por sua vez, o corretor chamado a depor como testemunha disse apenas não ter “ciência de o Sr Renato ter vendido o imóvel a...

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