Acórdão Nº 08176232520158205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 11-06-2020

Data de Julgamento11 Junho 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08176232520158205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0817623-25.2015.8.20.5001
Polo ativo
MARIA RIBEIRO ALVES
Advogado(s): MIELSON DOS SANTOS MENEZES
Polo passivo
MARIA LUCIA COSTA e outros
Advogado(s):

APELAÇÃO CÍVEL 0817623-25.2015.8.20.5001

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – CERTIDÃO CARTORÁRIA QUE NÃO APONTA A TITULARIDADE DO IMÓVEL - AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE O BEM SEJA IMÓVEL PÚBLICO DOMINICAL OU TERRA DEVOLUTA – REQUISITOS LEGAIS PARA A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA VIA USUCAPIÃO PREENCHIDOS - ARTIGO 1.238 DO CÓDIGO CIVIL - REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao apelo, reformando a sentença recorrida, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Maria Ribeiro Alves em face de sentença exarada nos autos da Ação de Usucapião por si interposta em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte, julgou improcedente o pedido inserto na inicial.

A sentença está assim fundamentada (ID 5284409):

“(...) Pelo que se extrai da inicial, a pretensão da autora é o reconhecimento da prescrição aquisitiva sobre o bem imóvel situado na Rua Manoel de Castro, n. 111, esquina com a Rua Sebastião Pinheiro, no bairro Cidade Nova, Natal, medindo 244m².

Voltando os olhos ao processo, em especial à própria documentação que acompanha a peça inicial, conclui-se que a titularidade do imóvel cuja aquisição se busca no presente feito, é do Estado do Rio Grande do Norte.

A titularidade da área em nome do Estado do Rio Grande do Norte encontra-se regularmente comprovada nas certidões sob Id n. 2216665 e 2216626.

Em que pese a parte autora ter, em sua réplica à contestação, afirmado que as referidas certidões gozar de presunção relativa de veracidade, não cuidou ele de repelir tal presunção.

Assim, tratando-se de área pública, a pretensão de usucapião encontra óbice no artigo 183, § 3º, da Constituição Federal de 1988, que dispõe que: "os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião", além do disposto no art. 102, do Código de Civil, que também determina que "os bens públicos não estão sujeitos a usucapião".

Dessa forma, ainda que fosse comprovada a ocupação da área pelo tempo e modo alegados na inicial, não haveria que se falar no exercício de posse, mas mera detenção, de natureza precária, que não induz ao reconhecimento de direitos, tampouco da aquisição da propriedade.

Nesse sentido, a Súmula nº 619, do Eg. STJ: "A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias (Corte Especial, j. 24/10/2018, DJe 30/10/2018)".

No mesmo caminhas, o enunciado sumular nº 340, do STF, segundo a qual: "os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".

Por fim, igualmente não restou demonstrado pela parte autora a constituição de eventual direito real sobre o imóvel objeto do presente feito, que ocasionasse a segregação do domínio útil do domínio pleno, ônus probatório que lhe incumbia, consoante inteligência do art. 373, I, do Código de Processo Civil.

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, condenando a parte autora nas custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, que arbitro no percentual de 10% sobre o valor da causa, observando-se, no entanto, que a exigibilidade do ônus sucumbencial ficará suspensa pelo prazo de 5 anos, na forma do art. 98, § 3º, do CPC, em razão da gratuidade de justiça concedida

As razões do recurso são as seguintes (ID 5284414): a) a certidão fundiária ou imobiliária fornecida pelo cartório não possui qualquer presunção absoluta, dando a entender a intenção manifesta de consagrar uma espécie de presunção de pertença dominial em relação ao Estado do Rio Grande do Norte pelo fato de este “poder” ter sido algum dia, num passado remoto e distante da nossa realidade, o proprietário das referidas terras onde estaria localizado o imóvel usucapiendo, devendo ser considerado o teor de tal certidão totalmente insuficiente a afastar o exercício do direito de posse e propriedade e b) a posse é exercida ininterruptamente desde o ano de 1977, sem que durante este período tivesse sido sequer levantada a questão da possibilidade de tal bem pertencer ou ter pertencido ao Estado do RN.

Requer o provimento do recurso para reconhecer a usucapião sobre o bem objeto do pleito autoral.

Contrarrazões do Estado do RN (ID 5284418).

Instada a se pronunciar, a Procuradora de Justiça não emitiu parecer de mérito (ID 5873768).

É o que importa relatar.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

A sentença apelada merece reforma, pelas razões abaixo expostas.

Para que a parte adquira o direito à propriedade do imóvel pela via da usucapião, é imprescindível que exista o animus domini, devendo a posse ser qualificada como ininterrupta e sem qualquer oposição, exercida de forma direta e pessoal, mansa e pacífica, pelo prazo legal previsto.

No caso, aplica-se a regra geral prevista no art. 1.238 do Código Civil, nos seguintes termos:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Saliente-se que é incontroversa a alegação de que a autora reside no local desde 1977, de forma ininterrupta e sem qualquer oposição, situação fática que não foi refutada pelo contestante (Estado do Rio Grande do Norte), o qual, em sua manifestação, sustentou apenas a impossibilidade de aquisição pela via pretendida, por supostamente o referido bem constituir o patrimônio público, mesmo sem uma destinação pública específica (bem dominical).

Ocorre que, diferentemente do que alega o Magistrado singular, a certidão cartorária de ID 5284372 – Págs. 1 e 2 não é conclusiva a respeito da titularidade do imóvel em nome do Estado do Rio Grande do Norte. Vejamos o seu teor:

Detectamos que referido imóvel encontra-se localizado em área sem plano de loteamento registrado neste município, consequentemente, assim, sob o domínio do ‘Estado do Rio Grande do Norte’, senhor legítimo possuidor de áreas urbanas e suburbanas, desde tempos imemoriais (devendo ser confirmada com as circunscrições abaixo a inexistência de qualquer título/registro) (...)”.

Ou seja, conforme se vê do tal conteúdo da certidão acima transcrito, não existe a certeza quanto ao caráter de bem público dominical, pertencente ao Estado do Rio Grande do Norte. Ao revés, o cartório dá conta de que há apenas uma presunção de que o ente estatal possa ter sido proprietário em "tempos imemoriais", sem apontar qualquer registro neste sentido, pendendo ainda esta propriedade de confirmação por outros documentos.

Mas não...

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