Acórdão Nº 08184020920178205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 25-03-2021

Data de Julgamento25 Março 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08184020920178205001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0818402-09.2017.8.20.5001
Polo ativo
ADEMILSON PEREIRA DA SILVA
Advogado(s): PAULO CESAR FERREIRA DA COSTA, AMANDA MACEDO MARTINIANO
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, §6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PESSOAS CONDENADAS FORAGIDAS DO SISTEMA PRISIONAL. DANO CAUSADO A TERCEIRO. INCÊNDIO DE ÔNIBUS DE PROPRIEDADE DO AUTOR PROMOVIDO POR PRESIDIÁRIOS EM FUGA APÓS REBELIÃO EM PRESÍDIO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ATO DA FUGA E A CONDUTA DANOSA. TEMA 362 DO STF FIXADO EM TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas, ACORDAM os Desembargadores que integram a 3.ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao apelo interposto, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Ademilson Pereira da Silva em face da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Parnamirim que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais de nº 0818402-09.2017.8.20.5001, julgou improcedente o pleito autoral, tendo em vista a não demonstração do nexo de causalidade entre a conduta atribuída ao Estado apelado e o suposto dano provocado.

Em suas razões recursais (Id 8253853), o recorrente sustenta que em razão da crise penitenciária e rebelião que ocorreu no presídio de Alcaçuz, no dia 18/01/2017, enquanto o seu ônibus realizava o percurso Macaíba-Natal, no qual prestava serviço público à população, quatro indivíduos, divididos em duas motos, exigiram a saída dos passageiros e motorista e atearam fogo no veículo todo, o que acarretou perda total do mesmo, requerendo, ao final, pagamento dos danos materiais suportados, no importe de R$ 119.237,00 (cento e dezenove mil, duzentos e trinta e sete reais), bem como à indenização por danos morais no valor de R$ 80.000, 00 (oitenta mil reais).

Aduz que há nexo de causalidade entre a omissão do Réu em decorrência da ineficiência do serviço público de segurança e os danos perpetrados pelos meliantes, isso se efetivou pelo descaso com a segurança pública

Ressalta que a regra geral da responsabilidade civil do Estado está esculpida no § 6º do art. 37 da CF/88, o qual determina que as pessoas jurídicas de direito público respondam objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Defende que nem sempre a responsabilidade por omissão será subjetiva se decorre de uma omissão específica, quando é o próprio ente que cria situação propícia para a ocorrência do evento em hipótese que tinha o dever de agir para impedi-lo. Esse é o caso, por exemplo, de quando o Estado permite circular veículo sem condições de oferecer segurança, onde a instabilidade é geral.

Ressalta que no caso é evidente a omissão do Estado que muito tardiamente admitiu a colaboração da Força Nacional, pois apesar do conhecimento antecipado das ameaças de dentro das prisões pelo crime organizado, omitiu-se das providências de segurança, conforme disposto no artigo 144 da Constituição Federal de 1.988, permitindo que ocorresse a institucionalização da anarquia com o incêndio de dezenas de ônibus, entre outros bens, dentre estes o bem de trabalho do demandante

Sustenta que a “omissão estatal” trata-se de verdadeira conduta ilícita, em razão do dever do Estado prover a segurança dos cidadãos em geral, especialmente diante de qualquer evento lesivo causado por terceiro em via pública, desde que no local devesse estar presente a Polícia para evitá-lo ou coibi-lo ou, estando presente, deixar de agir devidamente ou, ainda, tendo prévia ciência da ocorrência, haja simplesmente se omitido de agir, situações que constituem a conhecida omissão específica, devendo, portanto, o Estado responder segundo os princípios da responsabilidade subjetiva, na modalidade de culpa ou dolo, conforme haja ocorrido falta do serviço.

Por fim, requer o conhecimento e provimento do recurso, com a reforma da sentença, no sentido de julgar procedente os pedidos autorais.

Intimado, o Estado apelado deixou de apresentar contrarrazões, conforme certidão de Id 8253856.

Instada a se pronunciar, a Procuradoria de Justiça deixou de opinar, por entender inexistir interesse público suficiente a justificar a intervenção ministerial.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Pelo que se infere das razões recursais, a pretensão da apelante é responsabilizar civilmente o Estado do Rio Grande do Norte, ora apelado, em razão da crise penitenciária e rebelião que ocorreu no presídio de Alcaçuz, no dia 18/01/2017, enquanto o seu ônibus realizava o percurso Macaíba-Natal, no qual prestava serviço público à população, quatro indivíduos, divididos em duas motos, exigiram a saída dos passageiros e motorista e atearam fogo no veículo todo, o que acarretou perda total do mesmo.

É sabido que a responsabilidade das Pessoas Jurídicas de Direito Público rege-se pela teoria do risco administrativo, consoante a previsão do parágrafo 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, que trata da modalidade da responsabilidade objetiva, conforme abaixo transcrito:

"Art. 37 – omissis

(...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa

(...)".

Neste contexto, vale ressaltar a lição do Professor Hely Lopes Meirelles acerca da matéria em análise. Senão vejamos: “O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão."

E arremata:

“Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização". (in Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622/627).

Por sua vez, o art. 43 do Código Civil, assim dispõe: "Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

Outrossim, podemos concluir que a responsabilidade do Estado, trata-se de responsabilidade objetiva, na qual não se discute se houve culpa dos servidores, agente ou preposto do poder público. Nestes casos, a culpa do agente serve apenas para fixar o direito de regresso do Estado contra o responsável direto pela ocorrência do ato ilícito.

Todavia, a responsabilidade do Estado, ainda que objetiva em razão do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, exige a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou omissão atribuída aos seus agentes e o dano.

Por conseguinte, de acordo com a teoria adotada pelo ordenamento pátrio – risco administrativo, o prejudicado deve provar apenas o fato, o dano e o nexo causal existente entre este e a atividade estatal, o que torna desnecessária a prova da culpa de um determinado agente ou mesmo da falta ou falha do serviço em geral.

Sobre a teoria do risco administrativo, impende destacar, mais uma vez, a lição do ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles, que assim pondera:

"O risco administrativo não significa que a administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização". ("in" "Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros Editores, 18ª ed. p. 555).

Dessa forma, para que o Estado apelado seja responsabilizado basta que seja demonstrado o fato, o dano e o nexo causal entre ambos, tornando desnecessária a prova da culpa do agente ou mesmo da falta ou falha do serviço em geral.

Por outro lado, para se eximir da obrigação, o apelado deve demonstrar que houve culpa exclusiva da vítima, tendo em vista que a teoria adotada pelo nosso ordenamento é a do risco administrativo.

In casu, o Juiz a quo não evidenciou o liame de causalidade necessário para a responsabilização civil do Estado demandado, por entender que não se pode imputar ao réu a responsabilidade pelo incêndio do ônibus do autor, entendimento do qual me coaduno.

Isso porque, inexiste relação de causa e efeito entre a ação/omissão e o dano, notadamente porque, não se pode atribuir ao Estado apelado a culpa pela ineficiência do serviço público de segurança quando o fato (incêndio do ônibus por presidiários em fuga) se deu de forma imprevisível, não podendo, portanto, o Estado do RN ser responsabilizado pela conduta de terceiros que não possuem vinculação com à administração pública.

Verifica-se, ainda, que, mesmo...

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