Acórdão Nº 08195865820218205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 03-03-2023

Data de Julgamento03 Março 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08195865820218205001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0819586-58.2021.8.20.5001
Polo ativo
RHANA LUANA RODRIGUES TERTO COSTA
Advogado(s): ANA LUIZA BEZERRA LEITE
Polo passivo
BANCO DO BRASIL SA
Advogado(s): EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. TAXA DE JUROS. FIXAÇÃO FORA DA MÉDIA DE MERCADO. EXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. PRÁTICA DE ANATOCISMO. EXPRESSA PREVISÃO EM AVENÇA FIRMADA APÓS 2001. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS NOS 539 E 541 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E 27 E 28 DESTA CORTE ESTADUAL DE JUSTIÇA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ADMISSIBILIDADE. DANOS MORAIS NÃO EVIDENCIADOS. EFETIVA CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO



Acordam os Desembargadores da 2ª Turma da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em conhecer e julgar parcialmente provido o apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Rhana Luana Rodrigues Terto Costa em face de sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Natal (ID 17655954), que julgou improcedente a pretensão inicial.

Em suas razões recursais (ID 17655965), a parte apelante discorre que, por não tem mais condições financeiras e psicológicas de arcar com os empréstimos, pretende a revisão contratual, bem como a devolução do inédito em dobro das tarifas e juros abusivos.

Justifica que existe abusividade nas taxas do contrato de financiamento.

Colaciona jurisprudências em defesa de sua tese.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso.

A parte apelada apresentou contrarrazões (ID 17655968), nas quais afirma que os juros praticados pelo banco do Brasil encontram-se dentro da média de mercado e podem ser livremente pactuados entre as partes.

Ao final, requer o desprovimento do apelo.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, por sua 12ª Procuradoria de Justiça, declinou de participar do feito por falta de interesse público (ID 17880845).

É o que importa relatar.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se o mérito recursal à análise da idoneidade da cláusula contratual constante no negócio jurídico firmado entre os litigantes, no que se reporta ao exame sobre a legalidade da taxa de juros pactuada, da prática de anatocismo e da possibilidade de repetição do indébito.

Para a solução meritória, mister considerar que se aplicam à situação em tela os dispositivos emanados do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a relação jurídico-material estabelecida entre as partes litigantes é dotada de caráter de consumo.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento:

Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Assim, mostra-se possível a revisão das cláusulas contratuais, sobretudo quando se mostrem abusivas ou colocarem em desvantagem exagerada o consumidor, minimizando-se, pois, o princípio da obrigatoriedade dos contratos, relativizando-se a máxima pacta sunt servanda.

Cumpre discutir, inicialmente, acerca da taxa de juros a ser aplicada ao caso concreto.

Neste específico, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, cuja solução estava afetada pelo instituto do Julgamento Uniforme de Recursos Repetitivos (Lei 11.672/2008) que:

- as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), a teor do que prevê a Súmula 596 do STF[1]. As estipulações de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento do caso concreto.

Dessume-se, pois, em que pese a não limitação de juros em 12% (doze por cento) ao ano, consoante se observa da Súmula n° 596 do Supremo Tribunal Federal, em observância ao Código de Defesa do Consumidor, não se pode legitimar aqueles que tenham sido fixados de forma indiscriminada e unilateral por apenas uma das partes.

Em exame ao caso vertente, constata-se que o contrato aperfeiçoado entre as partes é típico negócio jurídico de adesão, o que faz presumir que as cláusulas atinentes aos juros remuneratórios não decorreram de deliberação conjunta dos contraentes, mas sim impingidas pelo banco.

No sentido de resguardar o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes, mister se faz que o percentual de juros a incidir para efeitos de remuneração do capital emprestado seja realizado de forma razoável, assegurando-se a justa compensação do credor pelo valor cedido e evitando-se, noutro passo, a onerosidade excessiva da parte adversa.

No caso concreto, conforme contrato de ID 17655667, é possível verificar que, de acordo com a cláusula que fixou o custo efetivo total do contrato, a taxa de juros mensal pactuada é de 6,29% (seis vírgula vinte e nove por cento).

Compulsando-se os autos, tem-se que o contrato foi firmado em 04 de março de 2021 e que à época a taxa média de mercado girava em torno de 3,52% ao mês e, por conseguinte, taxa de juros anual de 51,42% (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/reporttxjuroshistorico/?page=1&Segmento=1&Modalidade=221101&tipoModalidade=D&InicioPeriodo=2021-03-01), respectivamente, de modo que o dobro desses percentuais se revelam bem inferiores às taxas que foram fixadas nos contratos firmados entre as partes, de 6,29% a.m. e 103,73% a.a., devendo, portanto, ser revisada a referida cláusula, para que se adeque aos padrões acima definidos.

Assim, merece reforma o julgado a quo para determinar que a taxa média de mercado seja a utilizada no caso concreto.

A respeito da prática da capitalização dos juros nos contratos bancários, a qual possui como fundamento jurídico o art. 5º da Medida Provisória nº. 2.170-36/2001, necessário destacar decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade da referida norma, através do julgamento do Recurso Extraordinário nº. 592.377, em sede de Repercussão Geral.

Nestes termos, forçoso é o reconhecimento da legalidade da cláusula contratual que prevê a capitalização da taxa de juros com periodicidade inferior a um ano, em relação aos pactos firmados após 31.03.2000.

Neste sentido, é o enunciado da Súmula nº. 539 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.

No mesmo norte, esta Corte Estadual de Justiça publicou a Súmula nº 27, que preceitua:

Desde que expressamente pactuada, será válida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.96317/2000 (em vigor como MP n. 2.170-36/2001).

No caso concreto, foi juntado aos autos documento comprobatório do pacto entre as partes (ID 17194046), sendo possível averiguar que houve expressa previsão da capitalização dos juros em periodicidade inferior a um ano, uma vez que apresentam a taxa de juros mensal e anual, bem como que sua contratação se deu em 2016, incidindo, pois, a regra da possibilidade de capitalização de juros.

Destaque-se que, no que pertine ao reconhecimento de previsão expressa da cobrança dos juros capitalizados, formalizou a jurisprudência o entendimento através da Súmula n° 541 do Superior Tribunal de Justiça de que a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.

Da mesma forma, a Súmula nº 28 deste Tribunal de Justiça, estabelece que: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal permite a cobrança da taxa de juros anual efetivamente contratada”.

Conforme se verifica do pacto firmado entre as partes (ID 17655667), o valor da taxa de juros anual é de 6,29% , superior ao percentual da taxa de juros mensal multiplicado por doze (6,29% x 12 = 75,48%), estando expressamente pactuada, pois, a capitalização de juros.

Assim, merece confirmação o julgado a quo quanto a este ponto.

Quanto ao pleito para que a restituição seja feita em dobro, verifica-se que o mesmo merece prosperar.

É que, considerando que o atual entendimento do Superior de Justiça, impõe a repetição do indébito, na forma do art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, independente da má-fé do credor.

Neste diapasão, válidas as transcrições:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. PROVA DE MÁ-FÉ DO CREDOR. DESNECESSIDADE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EAREsp 600.663/RS, Rel. Min. MARIA TEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. para Acórdão Min. HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021). 2. Na hipótese, o acórdão embargado exigiu como requisito a...

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