Acórdão Nº 08201118920168205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 25-03-2021

Data de Julgamento25 Março 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08201118920168205106
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0820111-89.2016.8.20.5106
Polo ativo
QUEIROZFILHOS COMERCIAL LTDA
Advogado(s): LEONARDO NAPOLIAO CABO, ALDO FERNANDES DE SOUSA NETO
Polo passivo
C.A.T. BISCONTI e outros
Advogado(s): FABIO ROBERTO HAGE TONETTI, MICHELLE HAGE TONETTI FURLAN, ANGEL ARDANAZ, PAULO CESAR GUZZO, FERNANDO DENIS MARTINS, RODRIGO AUGUSTO KALACHE DE PAIVA, POLLYANNA SERRAO BOTELHO ALMEIDA

EMENTA: EMPRESARIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DUPLICATAS MERCANTIS. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO A FUNDAMENTAR A COBRANÇA DOS VALORES POSTOS. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO PARA ANULAR A DÍVIDA QUESTIONADA. TRANSFERÊNCIA DOS TÍTULOS ATRAVÉS DE ENDOSSO-MANDATO OU ENDOSSO-PROCURAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENDOSSANTE. EMISSÃO DE DUPLICATAS DESACOMPANHADAS DA COMPROVAÇÃO DA ENTREGA DAS MERCADORIAS. IRREGULARIDADE. TRATANDO-SE A DUPLICATA DE TÍTULO CAUSAL, É ÔNUS DO EMITENTE A PROVA DA EXISTÊNCIA DO LASTRO MERCANTIL, NOS TERMOS DO ART. 373, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DANOS MORAIS. PROTESTOS DE TÍTULOS QUE FORAM EFETIVADOS. VIOLAÇÃO À HONRA OBJETIVA. DANO CONFIGURADO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES.

- Considera-se que o banco endossatário só responde por eventuais danos se, após receber o título de crédito mediante endosso-mandato, o leva a protesto, extrapolando os poderes de mandatário ou em razão de falha na prestação do seu serviço.

- "A cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, de que cogita o Livro II do Código de Processo Civil, quando se tratar: I - de duplicata aceita protestada ou não; II - de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente: a) haja sido protestada; b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório de entrega e recebimento da mercadoria; (STJ - AREsp 6000903-MG, o Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJ edição de 10.11.2014).

- Conforme entendimento consolidado no Enunciado 227 da Súmula do STJ, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, todavia, para que faça jus à reparação deve haver ferimento à sua honra objetiva, conceito que desfruta no meio social, o que ocorreu nos presentes autos diante da efetivação do protesto indevido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível, entre as partes em evidência,

Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, majorando os honorários advocatícios para 20% (vinte por cento), diante do disposto no art. 85, §11º do CPC, nos termos do voto do Relator, que se torna parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por BRR Fomento Mercantil S.A. em face de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN que, nos autos da Ação Anulatória de Débito c/c Danos Morais intentada por Queiroz e Filhos Comercial Ltda., julgou procedente o pedido, anulando a dívida cobrada, além de condenar a parte demandada ao pagamento de danos morais no montante de R$ 7.000,00 (sete mil reais).

Em sede de primeira instância, alegou a empresa apelada que recebeu em sua sede 02 (duas) duplicatas, nos valores de R$ 2.699,45 (dois mil e seiscentos e noventa e nove reais e quarenta e cinco centavos) e de R$ 2.076,50 (dois mil e setenta e seis reais e cinquenta centavos), com vencimentos para 16.07.2016 e 20.07.2016 e emitidas pela empresa C. A. T. Bisconti.

Asseverou que, apesar de o negócio ter sido iniciado, as mercadorias nunca lhe foram entregues, e que, inclusive, tentou resolver extrajudicialmente a contenda, avisando-a da ilegitimidade dos títulos cambiários. Não obtendo sucesso, adentrou em juízo com a presente ação a fim de ver anuladas as cártulas emitidas, além de obter compensação pelo dano moral sofrido, uma vez que os títulos foram protestados.

Nas razões do recurso, a apelante reitera a argumentação disposta por ocasião da contestação, ao afirmar que não possui responsabilidade pelo protesto dos títulos, uma vez que os repassou para o Banco Sofisa S.A.

Defende que, “no presente caso, os títulos foram transferidos através de operação de desconto de duplicatas, conforme já explicado acima. Logo, o Banco passa a ser o real credor dos títulos, sendo o único responsável pelo protesto das duplicatas.” (ID 8235323 - Pág. 5).

Aduz que não há comprovação, nos autos, do desfazimento do negócio, vez que não há nenhuma comprovação da devolução das mercadorias ou de que estas nunca foram entregues.

Questiona, também, a condenação em danos morais, haja vista não ter havido qualquer violação da honra objetiva da empresa apelada.

Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, julgando totalmente improcedentes os pedidos iniciais. Alternativamente pela redução do valor relativo aos danos morais.

Ofertadas contrarrazões pelo desprovimento do recurso (ID 8235329).

Instada a se pronunciar, a 6ª Procuradoria de Justiça declinou de manifestar-se no feito.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

O cerne do presente recurso reside em saber se deve ocorrer a anulação de títulos cambiários emitidos como decorrência de suposta transação comercial firmada entre as partes, bem como acerca dos danos morais suportados em face do protesto efetivado das duplicatas emitidas.

A apelada ingressou com ação com o objetivo de tornar insubsistentes a cobrança de duplicatas que têm como credora a empresa apelante, conjuntamente com a C. A. T. Bisconti, consubstanciadas nos documentos de nºs 27917-01 e 27917-02, cujos valores alcançam o montante de R$ 2.699,45 (dois mil e seiscentos e noventa e nove reais e quarenta e cinco centavos) e de R$ 2.076,50 (dois mil e setenta e seis reais e cinquenta centavos), com vencimentos para 16.07.2016 e 20.07.2016, respectivamente.

A parte autora, ora recorrida, alega que todos os títulos são ilegítimos, pois que emitidos sem um lastro mercantil a embasá-los, haja vista nunca ter recebido as mercadorias negociadas.

Alegou a apelante, inicialmente, que não possui responsabilidade pelo protesto dos títulos, uma vez que os transferiu para o Banco Sofisa S.A. através da modalidade desconto bancário, o que implicaria na responsabilidade somente deste acerca dos danos causados.

Pois bem. Conforme se pode observar do documento ID 8235220, a apelante transferiu os títulos através de endosso-mandato, ao contrário do afirmado no recurso.

Tal modalidade é prevista no art. 18 da Lei Uniforme de Genebra e no art. 917 do Código Civil, ou seja, a modalidade de endosso impróprio por meio do qual o endossante confere poderes ao endossatário para que atue como seu representante exercendo em nome daquele os direitos contidos no título de crédito.

De acordo com o art. 917 do Código Civil, “a cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente estatuída.”

No endosso-mandato o endossatário responde pelo protesto indevido de título apenas se exorbitou os poderes a ele outorgados ou agiu de modo culposo.

Cumpre assinalar que a matéria cerne dos presentes autos oscilava no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça até ser levada a julgamento perante a Segunda Seção da Corte, que em processo submetido à sistemática de recursos repetitivos, assim se manifestou:

"DIREITO CIVIL E CAMBIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DUPLICATA RECEBIDA POR ENDOSSO-MANDATO. PROTESTO. RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO. NECESSIDADE DE CULPA.

1. Para efeito do art. 543-C do CPC: só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula.

2. Recurso especial não provido." (REsp 1063474/RS, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, j. em 28.09.2011).

Mais recentemente, o assunto foi cristalizado por meio do enunciado 476 daquele Tribunal ao revelar que o endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário.

Desse modo, no caso de endosso-mandato, a responsabilização do banco pelo protesto do título somente se dará se identificado ato ilícito concreto de sua parte, culposo ou doloso, como haver prosseguido na cobrança a despeito de previamente advertido sobre a possível irregularidade da cártula ou quando a cártula não se revestia dos pressupostos formais da espécie e, ainda assim, deu-lhe indevido valor.

Assim, considera-se que o banco endossatário só responde por eventuais danos se, após receber o título de crédito mediante endosso-mandato, o leva a protesto, extrapolando os poderes de mandatário ou em razão de falha na prestação do seu serviço.

Não há nos autos prova de que o Banco Sofisa S.A. tinha conhecimento inequívoco da cobrança indevida, nem de que as instituições excederam os poderes conferidos no mandato, razão pela qual deve ser mantida a responsabilização da apelante pelo protesto, não cabendo, ainda, a alegação feita de que se trata apenas de desconto bancário, conforme já mencionado.

No mais, registro que a duplicata é um título de crédito causal que decorre obrigatoriamente de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de serviços.

Segundo Ricardo Negrão (Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva, 2014, versão eletrônica) a duplicata é um “título de crédito causal que representa saque relativo a crédito oriundo de contrato de compra e...

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