Acórdão Nº 08210690220168205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 23-01-2020

Data de Julgamento23 Janeiro 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo08210690220168205001
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoTribunal Pleno

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0821069-02.2016.8.20.5001
Polo ativo
COMERCIO E SERVICOS MELO LTDA - ME
Advogado(s): EDGAR SMITH NETO
Polo passivo
BANCO DO BRASIL SA
Advogado(s): SERVIO TULIO DE BARCELOS, JOSE ARNALDO JANSSEN NOGUEIRA

Apelação Cível nº 0821069-02.2016.8.20.5001

Apelante: COMERCIO E SERVIÇOS MELO LTDA - ME

Advogado: Edgar Smith Neto (8223/RN)

Apelado: BANCO DO BRASIL S/A

Advogado: Sérvio Tulio de Barcelos (1085-A/RN)

Relatora: Desembargadora Judite Nunes


EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A DEMANDA. APELAÇÃO CÍVEL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO ATRAVÉS DAS SÚMULAS 539 E 541 DO STJ E SÚMULA 27 DESTA CORTE. CONTRATO ENTRE AS PARTES FIRMADO APÓS A EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 2.170-36/2001, QUE PREVÊ A TAXA DE JUROS ANUAL SUPERIOR AO DUODÉCUPLO DA MENSAL. CONDIÇÃO SUFICIENTE PARA CONSIDERAR EXPRESSA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS E PERMITIR SUA PRÁTICA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS AO PERCENTUAL DE 12% AO ANO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DE REGRAMENTO LEGAL ESPECÍFICO. CARÊNCIA DE REGULAÇÃO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 1º DO DECRETO Nº 22.626/33 (LEI DE USURA). PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. ABUSIVIDADE RECONHECIDA NA APLICAÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PAGAMENTO DE TAL ENCARGO QUE RESTOU DEMONSTRADO. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS A MAIOR NA FORMA SIMPLES. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.


A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao apelo, nos termos do voto da Relatora, que integra o acórdão.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Apelação Cível interposta por VINHEDOS DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS LTDA., em face da sentença proferida pelo Juízo da Quinta Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos de Ação de Cobrança ajuizada pelo ITAÚ UNIBANCO S/A, em seu desfavor, julgou procedente a pretensão autoral nos seguintes termos:

“(...) Ante o exposto, com base na legislação citada, julgo procedente o pedido para condenar a requerida no pagamento de R$ 170.999,29 (cento e setenta mil, novecentos e noventa e nove reais e vinte e nove centavos) atualizado até março de 2015 conforme planilha de id 1941599, com incidência de correção monetária pelo INPCe juros de mora de 1% ao mês desde 09/03/2015, data da apuração (id 1941595).

Condeno ainda a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme art. 85, §§2º, do Código de Processo Civil.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

P.R.I.”

Em suas razões recursais (ID. 3478799), o apelante pugnou pelo provimento do recurso, alegando, em síntese: a) nulidade das cláusulas abusivas presentes no contrato em foco, defendendo a intransponibilidade do limite de 23,16% de juros ao ano, conforme taxa média de juros apresentada pelo apelado ao Banco Central, e o cálculo de tais juros em sua forma simples, sem capitalização; b) ilegalidade da cobrança da comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios, além das tarifas de crédito não autorizadas; c) restituição de indébito em dobro.

Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (ID Num. 3478803).

Instada a se pronunciar, a Décima Sétima Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (ID Num. 4371622).

Feito remetido ao Núcleo de Conciliação do Segundo Grau, retornando sem êxito na tentativa de acordo.

É o relatório.

V O T O

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Insurge-se a apelante acerca da legalidade dos encargos contratuais previstos no contrato de Crédito Direto ao Consumidor, firmado com a instituição financeira, ora apelada.

No que diz respeito à capitalização mensal de juros, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, através das Súmulas 539 e 541, no sentido de ser possível a sua incidência, consoante a seguir transcrito:

"Súmula 539: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada".

"Súmula 541: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada".

No mesmo sentido, esta Corte de Justiça também consolidou entendimento, por meio da Súmula 27, acerca da validade da cobrança de juros capitalizados, senão vejamos:

"Desde que expressamente pactuada, será válida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP n. 2.170-36/2001)".

In casu, observa-se que o contrato discutido na lide (ID Num. 3478756 p.9 a 19) foi firmado em data posterior à edição da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, havendo previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, sendo tal condição suficiente para se considerar expressamente pactuada a capitalização de juros e permitir sua prática pela instituição financeira.

Sobre os juros remuneratórios, insta registrar que o mesmo STJ afirma que "no que concerne à utilização da Tabela Price na formação dos juros remuneratórios, inexiste vedação legal à sua aplicação como sistema de amortização de dívidas, mesmo que acarrete capitalização mensal de juros, visto que os tribunais superiores tem entendimento consolidado acerca da legalidade do anatocismo (STJ, REsp 973.827/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j. 08/08/2012, DJe 24/09/2012)", (TJRN, Apelação Cível nº 2015.015817-0, 2ª Câmara Cível, Relator Desembargador Virgílio Macêdo Jr.).

Importante registrar que o artigo 192, §3º, da Constituição Federal, revogado pela EC n° 40/03, estabelecia um limite máximo de 12% (doze por cento) ao ano, a ser regulamentado por lei complementar, nos seguintes termos: "§3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as modalidades, nos termos que a lei determinar."

O dispositivo transcrito, mesmo antes de revogado, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar, conforme reconheceu o Excelso Pretório no julgamento da ADI n° 04/DF. Como inexiste lei complementar regulamentando o assunto, conclui-se que a limitação dos juros a 12% (doze por cento) ao ano nunca existiu.

Diante disso, independentemente de quando os contratos tenham sido firmados (antes ou após a EC nº 40/03), os juros remuneratórios não se sujeitam a qualquer limite legal e devem ser analisados caso a caso.

No entanto, verifica-se que o contrato em questão consiste em Cédula de Crédito Rural e Comercial, que possui regramento diverso dos contratos de financiamento comum. Com efeito, é cediço que as cédulas de crédito rural, comercial e industrial, possuem regramento legal próprio, o qual atribui ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros nessas operações.

Não havendo, assim, a devida deliberação do citado órgão a respeito da questão, deve prevalecer o disposto no artigo 1º do Decreto n° 22.626/33 (Lei de Usura), que estabelece o limite de 12% (doze por cento) ao ano, sendo pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido. Vejamos:

"PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO PELO RELATOR. POSSIBILIDADE. SÚMULA 568/STJ. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. JULGADO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ.

1. Nos termos da Súmula 568 do STJ, editada sob a égide do novo CPC, "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". Ciente disso, a decisão ora hostilizada foi amplamente fundamentada na atual e dominante jurisprudência deste Tribunal, não havendo falar, portanto, em violação do princípio da colegialidade.

2. Ademais, no tocante à suposta afronta ao art. 932, IV, do CPC/2015, o STJ entende que eventual violação do mencionado dispositivo legal será suprida com a ratificação da decisão pelo órgão colegiado com a interposição de Agravo Interno.

3. A jurisprudência desta Corte Superior entende que as cédulas de crédito rural, industrial e comercial submetem-se a regramento próprio, que confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Não havendo atuação do referido órgão, adota-se a limitação de 12% ao ano prevista no Decreto n. 22.626/1933.

4. No mais, a jurisprudência do STJ, firmada por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, fixou entendimento de que "o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade...

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