Acórdão Nº 08217745820208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 07-10-2021
Data de Julgamento | 07 Outubro 2021 |
Classe processual | APELAÇÃO CÍVEL |
Número do processo | 08217745820208205001 |
Órgão | Segunda Câmara Cível |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Processo: | APELAÇÃO CÍVEL - 0821774-58.2020.8.20.5001 |
Polo ativo |
PLANINVESTI - ADMINISTRACAO E SERVICOS LTDA. |
Advogado(s): | MARIA EMILIA GONCALVES DE RUEDA |
Polo passivo |
MARIA JOSE MARQUES DA SILVA |
Advogado(s): | THIAGO MARQUES CALAZANS DUARTE |
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA E REVISÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL DA RÉ. ALEGADA TAXA DE JUROS E CAPITALIZAÇÃO PACTUADAS EXPRESSAMENTE NA AVENÇA. TESE INVEROSSÍMIL. CONSIGNADO E REFINANCIAMENTO CONTRATADOS POR TELEFONE. JUROS MENSAL E ANUAL NÃO APRESENTADOS A CONTRATANTE, BEM ASSIM A PRÁTICA DE ANATOCISMO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO (ART. 6º, INC. III, DO CDC). ABUSIVIDADE CONSTATADA QUE IMPÕE A RENEGOCIAÇÃO DO EMPRÉSTIMO COM A INCIDÊNCIA DE JUROS SIMPLES BASEADA NA TAXA MÉDIA DE MERCADO, EM OBSERVÂNCIA A SÚMULA 530 DO STJ. ENTENDIMENTO QUE PREJUDICA O EXAME DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE ACRÉSCIMO DE 50%. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, por unanimidade de votos, sem manifestação ministerial, em conhecer e negar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.
RELATÓRIO
O MM. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Natal /RN, ao decidir a Ação Declaratória de Inexistência de Cláusula Expressa e Revisão Contratual c/c pedido de Exibição de Documentos nº 0821774-58.2020.8.20.5001, julgou procedente a pretensão inicial ajuizada por Maria José Marques da Silva contra a Policard Systems e Serviços S/A, conforme parte dispositiva abaixo transcrita:
“Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por MARIA JOSE MARQUES DA SILVA em face de POLICARD SYSTEMS E SERVIÇOS S/A (incorporadora reconhecer a pelo UP BRASIL – ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS LTDA), nulidade da taxa de juros aplicada nos contratos firmados, determinando a sua redução para o limite da taxa média de mercado, correspondente ao dobro da Taxa Selic vigente à época do ajuste, qual seja, de 1,44% ao mês, bem como nulificar a cláusula que autorize a capitalização composta de juros, de modo que a taxa de juros há de ser calculada de forma simples (sem capitalização) e nominal (taxa pura de juros, e não a taxa efetiva ou equivalente), através do sistema de amortização linear.
Condeno o Réu na restituição, em dobro, por repetição do indébito, dos valores pagos em excesso nas parcelas do referido contrato, com esteio no art. 42, parágrafo único, do CDC, a partir do decênio que antecedeu o ajuizamento da presente demanda, devidamente corrigidos pela tabela da Justiça Federal e juros de mora em 1% (um por cento) ao mês, desde das datas dos pagamentos efetuados, tudo a ser apurado em fase de cumprimento de sentença.
Tendo a parte autora decaído de parte mínima do seu pedido, condeno, ainda, o demandado nas custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.”
Inconformada, a financeira protocolou apelação cível com base nos seguintes argumentos (Id. 10589787):
a) a taxa de juros aplicada foi informada em Diário Oficial, portanto, é de conhecimento público, consequentemente, de todos os servidores públicos civis, militares estaduais e pensionistas do Estado do Rio Grande do Norte;
b) a apelada apresentou réplica à contestação mas não impugnou especificamente as alegações de que o encargo em questão estava previamente estabelecido no Decreto Estadual nº 21.860/2010;
c) não está sujeita à limitação de juros no patamar de 12% (doze por cento) ao ano imposto pela Lei de Usura;
d) incabível sua condenação em custas processuais e honorários advocatícios, em virtude de sua sucumbência mínima, eis que a apelada não negou a existência do débito, apenas sustentou sua cobrança excessiva.
Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso para que a demanda seja julgada totalmente improcedente.
Subsidiariamente, pugnou pela fixação de juros com base na taxa média de mercado acrescida de 50% (cinquenta por cento) e a condenação do recorrido ao pagamento de honorários de sucumbência.
O recolhimento do preparo foi comprovado (Id. 10589789).
A recorrida apresentou contrarrazões, refutou os argumentos do recurso e pediu seu desprovimento (Id. 10589791).
O Dr. José Braz Paulo Neto, 9° Procurador de Justiça, disse ser desnecessária a intervenção ministerial (Id. 10683124).
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Maria José Marques da Silva, servidora pública estadual, ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Cláusula Expressa e Revisão Contratual c/c Pedido de Exibição de Documentos em face da Policard Systems e Serviços S/A, alegando ter celebrado contrato de empréstimo consignado em novembro de 2009.
Sustentou que, na ocasião, foi informada sobre o crédito disponível, a quantidade e o valor das parcelas a serem pagas, restando omissas informações indispensáveis como, por exemplo, as taxas de juros mensal e anual.
Afirmou ainda que, a seguir, a Instituição Financeira a contatou novamente, sempre por telefone, e ofertou novos créditos mediante a renegociação do saldo devedor do contrato anterior, alterando o valor e a quantidade das prestações, mais uma vez, sem lhe informar os encargos, então, de boa-fé, autorizou o desconto das prestações em folha de pagamento, que já chegaram a 109 (cento e nove) parcelas, as quais totalizam o montante de R$ 11.589,96 (onze mil quinhentos e oitenta e nove reais e noventa e seis centavos).
A ré, por sua vez, ao contestar a ação, bem assim em suas razões recursais, alegou a impossibilidade da revisão contratual sob o fundamento de que a autora teve acesso e anuiu com todas as cláusulas entabuladas.
Defendeu também que a taxa de juros aplicada foi informada em Diário Oficial, portanto, é de conhecimento público, consequentemente, de todos os servidores públicos civis, militares estaduais e pensionistas do Estado do Rio Grande do Norte.
Pois bem. Primeiro, bom destacar que a Legislação Consumerista aplica-se às relações de consumo envolvendo instituições financeiras, conforme enunciado da Súmula 297 do STJ, bem assim em entendimento firmado pela Suprema Corte, no julgamento da ADI nº 2.591/DF, sendo, pois, plenamente possível a revisão judicial de cláusulas contratuais consideradas abusivas, incompatíveis com a boa-fé ou equidade, e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V e art. 51, IV, do CDC).
Além disso, a Súmula 283 do STJ estabelece que as operadoras de cartão de crédito (realidade da apelante) são, sim, autorizadas a explorar operações de crédito e, inclusive, podem praticar juros capitalizados com periodicidade inferior à anual, com fundamento legal na MP nº 2.170-36/2001, logo, não sofrem as limitações da Lei de Usura.
Feitos esses registros, vejo que a discussão de mérito se resume à possibilidade de revisão do contrato firmado entre os litigantes diante de suposta abusividade na pactuação, pelo fato da ré não ter prestado informações necessárias e indispensáveis à formalização da avença, especialmente em relação aos encargos (juros mensal e anual) cobrados e à prática de anatocismo.
Ora, a Policard Systems e Serviços S/A assevera que prestou todos os esclarecimentos sobre os custos, inclusive seguindo o Decreto Estadual nº 21.860/2010, cuja norma regulamenta as Consignações em Folha de Pagamento de Servidores Públicos Civis, Militares Estaduais e Pensionistas, dispondo, em seu art. 16, § 1º, o seguinte:
Art. 16. omissis.
§ 1º As consignações em folha de pagamento, decorrentes de empréstimo ou financiamento perante instituição financeira, cooperativa de crédito, entidade aberta de previdência complementar e seguradora do ramo vida, somente é autorizada quando a taxa de juros praticada for igual ou inferior:
I - ao teto autorizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nas operações de empréstimos ou financiamentos consignados nos benefícios previdenciários dos aposentados e pensionistas;
II - a 4,15% (quatro inteiros e quinze centésimos por cento) ao mês, acrescida da taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC ao mês, para cartão de crédito consignado.
Ocorre, todavia, que diferentemente do que a recorrente menciona, entendo que o dispositivo legal transcrito apenas estabelece o limite admitido em consignados, não especificando, assim, uma taxa única para essas operações financeiras.
E mais: de acordo com o art. 6º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor, ao contratante deve ser prestada “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificações correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
Logo, a carência de quaisquer desses dados compromete, sim, a legalidade da relação jurídica, eis acarretar uma vantagem indevida por parte da instituição financeira, sobre a fragilidade/ignorância do consumidor que, muitas vezes, não possui conhecimentos específicos quanto aos encargos incidentes sobre a operação entabulada, o que configura prática abusiva, nos termos do art. 39, inc. IV¹, do CDC, realidade dos autos. Explico.
Ao examinar as provas produzidas e, especificamente, os elementos essenciais dos contratos (valor e forma de aplicação dos juros) questionados na inicial, evidencio não restar provado o dever de informação por parte da ré sobre a taxa remuneratória assumida por Maria José Marques da Silva e, por óbvio, quanto à prática de capitalização de juros.
Isso porque os documentos apresentados pela demandada são os seguintes: a) créditos em conta corrente de titularidade da apelada dos valores de:...
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