Acórdão Nº 08218722420178205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 14-04-2020

Data de Julgamento14 Abril 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo08218722420178205106
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoTribunal Pleno

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0821872-24.2017.8.20.5106
Polo ativo
MARIA ALEXSANDRA PESSOA DA SILVA
Advogado(s): ENOK DE ALMEIDA JALES
Polo passivo
FRANCERLI DE MACEDO AMARAL
Advogado(s): ROBERTO BARROSO MOURA

APELAÇÃO CÍVEL (198): 0821872-24.2017.8.20.5106

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ATOS ANTERIORES DE POSSE. TENTATIVA DE DISCUSSÃO DE POSSE COM BASE EM TÍTULO DE PROPRIEDADE. SENTENÇA IMPROCEDENTE. APELANTE QUE NÃO ENFRENTA OS FUNDAMENTOS DE MÉRITO DA DECISÃO. VIOLAÇÃO DA DIALETICIDADE. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. APELO NÃO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO APENAS PARA CONCEDER O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1º Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, não conhecer em parte o recurso e conhecer e dar provimento em parte apenas conceder o benefício da justiça gratuita a Apelante, nos termos do voto do relator que integra este acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de apelo interposto por MARIA ALEXSANDRA PESSOA DA SILVA em face de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, que, nos autos da Ação de Reintegração de Posse c/c Indenizatória, registrada sob nº 0821872-24.2017.8.20.5106, proposta por MARIA ALEXSANDRA PESSOA DA SILVA em desfavor de FRANCERLI DE MACEDO AMARAL, julgou improcedentes os pedidos autorais, bem como revogou o benefício de gratuidade judiciária deferido anteriormente em favor da parte Autora.

Em suas razões recursais, MARIA ALEXSANDRA PESSOA DA SILVA pugna pela reforma da sentença argumentando: 1) ser a legítima proprietária do imóvel em disputa, tendo-o adquirido desde 2008; 2) que o contrato de compra e venda do Réu é indigno de fé, tendo sido falsificado; 3) que o único indício de prova apontado pela Apelado que merece ser considerado é o comprovante da Cosern do ano de 2016, mas inapto a ensejar a improcedência da Ação; 4) que o Réu não requisitou ao município qualquer alvará para construção no imóvel; 5) que há prova nos autos evidenciando que em 2014 não existia qualquer construção realizada no imóvel.

Devidamente intimado, o Apelado apresentou contrarrazões recursais.

O Ministério Público, através da 13ª Procuradoria de Justiça, deixou de opinar, ante a inexistência de interesse público no caso vertente.

É o relatório.

VOTO

DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA

Precipuamente, reputo satisfeitos os requisitos legais da gratuidade judiciária em favor da parte Apelante, uma vez que consta nos autos que a Autora não exerce trabalho formal, nem possui renda própria, gozando de isenção de imposto de renda (Id 5526041; Id 5526042).

Consigne-se que a mera qualidade de professor aposentado e militar das Forças Armadas do companheiro da parte Apelante não configura signo de riqueza apto a afastar a presunção estabelecida pelo §§ 2º e 3º do art. 99 do CPC.

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

(...) § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

DA PRELIMINAR – VIOLAÇÃO DA DIALETICIDADE

Ainda antes de adentrar ao mérito, cumpre ressaltar que o recurso não é um mero pedido de reapreciação do que foi discutido anteriormente, é preciso que nele sejam apresentadas razões efetivas para que a decisão seja alterada ou invalidada. Confira:

“Pelo princípio da dialeticidade se deve entender que todo recurso deve ser discursivo, argumentativo, dialético. A mera insurgência contra a decisão não é suficiente. Não basta apenas manifestar a vontade de recorrer. Deverá também o recorrente demonstrar o porquê de estar recorrendo, alinhando as razões de fato e de direito pelas quais entende que a decisão está errada, bem como o pedido de nova decisão.” (JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 4. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 206)

Assim, percebe-se que o recurso não tem o condão de apenas reafirmar as razões já apresentadas na petição inicial ou na defesa. Ele deve promover uma discussão, sendo apresentados argumentos suficientes para combater a decisão proferida. Nesse sentido, convém trazer à baila o enunciado sumular 182 do STJ:

Súmula 182 - “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.”

Nesse diapasão, há previsão também nos art. 932, III e 1.010, III, do Código de Processo Civil. Veja-se:

Art. 932. Incumbe ao relator: (…)

III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”

Art. 1.010 - A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: (…)

III – as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade”

Logo, o recurso deverá atacar especificamente os fundamentos principais da decisão, mostrando-se apto a desconstituí-la ou modificá-la, sob pena de não conhecimento.

No caso dos autos, observo que a sentença julgou improcedentes os pedidos autorais ante a inexistente de prova efetiva de prova posse anterior pelo Demandante. Eis o teor do julgado vergastado:

“Aqui, vislumbro contradição no depoimento da testemunha arrolada pela autora com o seu relato fático em sua exordial, já que o Sr. Gilvan afirmou, em juízo, que quando da primeira visita ao imóvel, que se deu dois meses após a compra, já existia cerca no referido terreno, ao passo em que a demandante aduz na inicial que somente tomou conhecimento da existência de benfeitorias e construções no ano de 2017.

Ora, entendo que não restou demonstrado que a autora exerce a posse do imóvel localizado na Rua Firmino Ferreira Gomes, n° 677, Bairro Aeroporto II, localizado nesta cidade, adquirido por Escritura Pública de Compra e Venda firmado com David Pinheiro de Arruda.

Some-se a isso, o fato de que a autora deixou de exercer a posse do referido imóvel, já que afirma que comprou o terreno desde o ano de 2008, porém, somente no ano de 2017, ajuizou a presente ação reintegratória, reivindicando a sua posse.”

Embora o juízo a quo tenha manifestado juízo de valor acerca do direito de posse “ad usucapionem” em favor da parte contrária, o fez apenas na qualidade de reforço argumentativo (obiter dictum), mas não como fundamento principal da improcedência, como deixa claro a transcrição alhures e arremata o trecho transcrito abaixo:

“No mais, em que pese restarem demonstrados os requisitos da posse " ", por parte da demandada, nos ad usucapionem moldes do art. 1.238, parágrafo único do Código Civil de 2002, tal alegativa de defesa nesta seara possessória não possui o condão de ensejar a aquisição da propriedade do bem objeto da presente demanda, uma vez que, foi utilizado como tese defensiva, conforme estabelece a Súmula 237 do STF, fazendo-se necessário o seu reconhecimento por meio de ação própria, já que demanda diligências específicas que não podem ser realizadas por meio deste feito.”

Como se nota, o fundamento principal que levou a improcedência do pleito foi a inexistência de prova efetiva de posse anterior por parte da Autora, temática não abordada pelo Recorrente, que se limitou a salientar a existência de direito de propriedade sobre o imóvel em liça, bem como atacar o reconhecimento de posse em favor da parte adversa.

Assim, não conheço dos argumentos recursais tendentes a desconstituir a posse do Apelado, até mesmo porque as razões de decidir nesse tocante não fazem coisa julgada material, uma vez que não houve qualquer declaração expressa de usucapião em favor do Recorrido.

DO MÉRITO

Preenchidos os demais requisitos de admissibilidade recursal, conheço parcialmente do recurso.

Sem preliminares arguidas ou oficiosas, passo a fundamentação.

No mérito, a questão remanescente cinge-se em saber se o título de domínio da parte Apelante é apto para garantir a proteção possessória.

Esclareça-se que o art. 560 e art. 561 do CPC/2015, estabelece que nas ações possessórias de reintegração é necessário que a parte autora comprove, cumulativamente, a sua posse; o esbulho praticado; a data deste e a perda da posse.

Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho.

Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

Também a teor do art. 1.196 do Código Civil "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade", porquanto a tutela possessória pressupõe uma situação anterior de poder fático sobre o bem, decorrente de um ato, direito ou obrigação.

Nas hipóteses em que a tutela possessória se funda unicamente em título de propriedade sobre o imóvel, como se observa no caso em espeque, ressoa inócua a proteção possessória, devendo a parte se valer da via petitória, mediante o manejo de ação reivindicatória.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LOTEAMENTO PÚBLICO MUNICIPAL. USUFRUTO CONSTITUÍDO ANTES DA INCORPORAÇÃO DO IMÓVEL AO DOMÍNIO PÚBLICO. PERMANÊNCIA PACÍFICA E DE BOA-FÉ DO PARTICULAR POR MAIS DE...

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