Acórdão Nº 08218944320218205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 24-01-2023

Data de Julgamento24 Janeiro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo08218944320218205106
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0821894-43.2021.8.20.5106
Polo ativo
S. B. D. S. C. e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MUNICIPIO DE MOSSORO
Advogado(s):

Apelação Cível nº 0821894-43.2021.8.20.5106.

Apelante: S.B.D.S.C representado por sua genitora, Lucilene Martins de Souza Carvalho.

Representante: Defensoria Pública do estado do Rio Grande do Norte.

Apelado: Município de Mossoró.

Relator: Desembargador João Rebouças.



EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE FRALDAS DESCARTÁVEIS PELO ENTE MUNICIPAL. CRIANÇA PORTADORA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. PACIENTE IMPOSSIBILITADO DE ARCAR COM OS CUSTOS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. GARANTIA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DO MATERIAL E DA INCAPACIDADE FINANCEIRA EM ADIMPLÍ-LO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DA APELAÇÃO. PRECEDENTES.

- O direito à saúde é assegurado constitucionalmente, garantindo-se através de ações necessárias à sua promoção.

- Comprovada a patologia do autor, bem como a necessidade de aquisição de insumos, conforme prescrição médica, imperioso dar efetividade ao direito à saúde, uma vez que se constitui decorrência da própria dignidade da pessoa humana.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma da Terceira Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.

RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por S.B.D.S.C representado por sua genitora, Lucilene Martins de Souza Carvalho, em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Mossoró que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer promovida contra o Município de Mossoró julgou improcedente a pretensão inicial que visava o fornecimento de fraldas descartáveis ao infante portador de Transtorno do Espectro Autista.

Em suas razões, alega que o apelante necessita fazer uso contínuo de 240 unidades de fraldas mensais, sendo portanto, o município de Mossoró parte legítima para integrar o polo passivo da lide.

Declara que o infante apresenta mobilidade física reduzida e que não possui controle sobre as necessidades fisiológicas, necessitando realizar troca de fraldas a cada 02 (duas) horas durante o dia, e a cada 03 (três) horas no período noturno.

Ressalta que as fraldas não se constituem como instrumentos para simples manutenção de higiene, “mas sim como meio para garantir a saúde do infante, um vez que o quadro de TEA dificulta o controle dos esfíncteres”, prejudicando a qualidade de vida deste.

Destaca que a Lei nº 12.764/2012 estabelece que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”, com total acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde.

Assegura sobre os diversos julgamentos dos Tribunais Pátrios no sentido de reconhecerem o direito de pessoas com autismo a receberem fraldas descartáveis como insumos fornecidos pelo Poder Público.

Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso no sentido de que se reconheça a obrigação do município de Mossoró em fornecer fraldas descartáveis ao apelante conforme prescrição médica.

Contrarrazões pelo improvimento do recurso (Id. 16690449)

A 6ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (Id. 17034059).

É o relatório.

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

A questão em análise diz respeito à responsabilidade do Poder Público em fornecer fraldas pediátricas, na quantia de 240 (duzentos e quarenta) unidades mensais, ao autor, por ser portador de "Transtorno do Espectro Autista CID F 84.0" conforme prescrição médica.

Inicialmente, vale dizer que tal matéria se encontra especificamente delineada na Constituição Federal, que em seu artigo 198, § 1º, prevê:

O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes."


Vislumbra-se do texto legal, que a referência é feita às três esferas do Poder Executivo, a fim de ampliar a responsabilidade do Poder Público, de tal forma que, tratando-se de responsabilidade solidária o autor pode insurgir-se contra todos ou somente um dos devedores solidários.

Além do mais, o texto do artigo 196 da CF, ao falar genericamente em Estado, tem cunho geral, preconizando que o custeio do Sistema Único de Saúde se dê por meio de recursos orçamentários da seguridade social comum a todos os entes federados, regionalização e hierarquização nele referidas que devem ser compreendidas sempre como intenção de descentralizar e garantir sua efetividade.

Ademais, impende registrar que não existe subordinação, concorrência ou subsidiariedade entre as esferas municipal, estadual e federal, frisando-se, inclusive, que qualquer uma delas responde autonomamente pela proteção à saúde do particular necessitado.

Assim sendo, não se verifica imprescindível o chamamento ao processo da União ou do Estado, vez que, em que pese tratar-se de um dever solidário dos entes federativos, tal fato não impõe o seu acatamento, posto que não são litisconsortes necessários, mas, sim, facultativos, podendo ser exigida a obrigação de cada um dos entes públicos de forma isolada.


Sobre o tema, invoco a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 46 E 47 DO CPC/1973. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. ACÓRDÃO PARADIGMA: RE 855.178/SE, REL. MIN. LUIZ FUX, DJE 16.3.2015 (TEMA 793). DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DO USO DE MEDICAMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO COMPROVADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. AGRAVO INTERNO DO ENTE ESTATAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o Tema 793 da Repercussão Geral do STF, o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente (RE 855.178/SE, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 16.3.2015).

3. Na mesma linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda que objetive o acesso a medicamento para tratamento de saúde. Inexistente, portanto, a alegada ofensa aos arts. 47, 113 e 267, VI do CPC/1973.

4. Ao julgar o REsp. 1.657.156/RJ, Rel. Min.BENEDITO GONÇALVES, DJe 3.5.2018, submetido ao regime dos Recursos Especiais Repetitivos, o STJ decidiu pela existência de obrigação estatal a fornecer medicamento não contemplado em lista do SUS, desde que atendidos certos requisitos (inexigíveis no presente caso, em razão da modulação temporal então feita). No entanto, mesmo antes do referido julgamento, esta Corte Superior já se manifestava pela possibilidade de condenação do Ente Público. Julgados: REsp.

1.522.409/RN, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 6.2.2017; e REsp.

1.570.396/PI, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.12.2016. Destarte, a tese recursal se encontra plenamente afastada pela jurisprudência do STJ.

5. O Tribunal de origem, com base no substrato fático-probatório - mormente em avaliação médica -, asseverou restar comprovada a necessidade da paciente quanto ao fármaco pleiteado, bem como sua vulnerabilidade financeira. A inversão do julgado, na forma pretendida, demandaria a incursão no acervo fático-probatório da causa, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.

Julgados: AgInt no REsp. 1.612.893/PI, Rel....

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