Acórdão Nº 08221634320208205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 04-09-2021

Data de Julgamento04 Setembro 2021
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08221634320208205001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0822163-43.2020.8.20.5001
Polo ativo
FERNANDO DA CUNHA - ME
Advogado(s): JULIANO SANTANA QUINTO SOARES
Polo passivo
SUBCOORDENADOR DE FISCALIZAÇÃO DE MERCADORIAS EM TRÂNSITO E ITINERÂNCIA FISCAL DA SECRETARIA DA TRIBUTAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

Remessa Necessária n.º 0822163-43.2020.8.20.5001

Remetente: Juízo de Direito da 2ª Vara de Execução Fiscal e Tributária da Comarca de Natal/RN

Entre Partes: FERNANDO DA CUNHA – ME

Entre Partes: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Entre Partes: SUBCORRODENADOR DE FISCALIZAÇÃO DE MERCADORIAS EM TRÂNSITO DA SECRETARIA DE TRIBUTAÇÃO DO RN

Relatora: Desembargadora Maria Zeneide Bezerra

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA EM MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR. FISCALIZAÇÃO DA RECEITA ESTADUAL. APREENSÃO E RETENÇÃO DE MERCADORIA PARA COAGIR O CONTRIBUINTE AO PAGAMENTO DE TRIBUTO DE ICMS. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO À SÚMULA 323 DO STF. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DA REMESSA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma e à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 11ª Procuradora de Justiça, Darci Pinheiro, desprover o reexame obrigatório, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

A Juíza de Direito da 2ª Vara de Execução Fiscal e Tributária da Comarca de Natal/RN prolatou sentença (ID nº 9489280) concedendo a segurança para ratificar a liminar concedida em ID 57520010 e reconhecer o direito líquido e certo da impetrante, no tocante à liberação da mercadoria apreendida pela Autoridade Impetrada, constante da Nota Fiscal nº 000538, Série 1, emitida em 16.06.2020, qual seja: TESTE RÁPIDO EM CASSETE COVID-19 MEDICAL SYSTEM.

Ausentes recursos voluntários.

Com vistas dos autos, a 11ª Procuradora de Justiça, Darci Pinheiro, opinou pelo conhecimento e desprovimento da remessa necessária (ID 10019071 – págs. 1/7).

É o relatório.

VOTO

O feito não demanda maiores questionamentos.

No caso em análise, restou impetrado Mandado de Segurança com pedido liminar em face do SUBCOORDENADOR DE FISCALIZAÇÃO DE MERCADORIAS EM TRÂNSITO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE objetivando, liminarmente, a liberação imediata das mercadorias apreendidas, sob o fundamento de que:

a) enviou mercadoria acompanhada de nota fiscal, via Gol Linhas Aéreas SA, como Remessa para Demonstração;

b) os produtos em questão são testes rápidos para diagnóstico da COVID-19, produto esse que está escasso no País, e para que se feche negócio é preciso demonstrar que há como honrar os pedidos;

c) o público-alvo da impetrante é o Poder Público e a iniciativa privada, sendo a venda celebrada apenas com a emissão da competente nota fiscal de venda em nome do comprador, de forma que a quantidade enviada é para atendimento a todo o Estado do RN;

d) apesar de a nota fiscal estar dentro do prazo legal para retorno ao remetente, da mesma fazer prova da origem e do destino e de deixar claro se tratar de material para demonstração, houve a retenção indevida por parte da NACDFe - 1ª URT, para que fosse feito o pagamento do valor referente ao ICMS;

e) foi estabelecido contato por telefone e e-mail, a fim de que se tivesse acesso ao Auto de Infração e o Termo de Apreensão e Depósito, mas referidos atos ainda não foram emitidos;

f) a apreensão de mercadoria para coagir o contribuinte a pagar possível débito tributário é verdadeiro confisco, o que é terminantemente proibido pela Constituição Federal de 1988; e

g) caso o Fisco entendesse ser cabível a cobrança do ICMS, apesar da NFe esclarecer a natureza da remessa, deveria ter procedido à competente lavratura do Auto de Infração, e deste modo, exigir legalmente o tributo, possibilitando assim ao Impetrante valer-se do seu direito ao contraditório e à ampla defesa, tanto na esfera administrativa quanto judicial.

Juntou documentos, notadamente, a Nota Fiscal de ID 57117373, especificando tratar-se de produtos destinados à demonstração.

Restou proferida decisão (ID 57520010), deferindo o pleito liminar e determinando que a Autoridade Impetrada liberasse a mercadoria apreendida constante na Nota Fiscal nº 000538, Série 1, consistente em “ TESTE RÁPIDO EM CASSETE COVID-19 MEDICAL SYSTEM”.

O Ente Público demandado ofertou defesa aduzindo que o ato atacado decorreu do poder de polícia conferido ao agente fiscal (art. 78 do CTN), inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder.

Pois bem. O Mandado de Segurança é instrumento previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, e, em sede infraconstitucional, na Lei n.º 12.016/2009, a ser manejado a fim de se proteger “direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A tese do autor é que a mercadoria, com fins de demonstração, não deveria ser tributada, desde que devolvida até 60 (sessenta) dias da data da emissão da nota fiscal, conforme legislação de ICMS do Estado do RN e examinando as provas, especialmente a Nota Fiscal nº 000538, Série 1, constato se tratar de “TESTE RÁPIDO EM CASSETE COVID-19 MEDICAL SYSTEM”, insumos remetidos com natureza de “Mercadoria ou bem para Demonstração”.

Nesse desiderato, existe previsão no Regulamento do ICMS/RN (art. 8º-B) sobre a suspensão do imposto incidente na saída de mercadoria remetida para demonstração, condicionado ao retorno da mercadoria ao estabelecimento de origem em até 60 (sessenta dias), contados da data da saída. Colaciono:

Art. 8º-B Fica suspenso o imposto incidente na saída de mercadoria remetida para demonstração, inclusive com destino a consumidor ou usuário final, condicionado ao retorno da mercadoria ao estabelecimento de origem em até 60 (sessenta dias), contados da data da saída.

§ 1º O disposto no caput deste artigo abrange, inclusive, o recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna deste Estado e a alíquota interestadual, previsto no Convênio ICMS 93/15, de 17 de setembro de 2015. (NR dada pelo Decreto 28.167, de 28/06/2018, Ajuste SINIEF 02/18)

§ 2º A suspensão compreende, também, a saída da mercadoria promovida pelo destinatário em retorno ao estabelecimento de origem.

§ 3º O imposto suspenso nos termos deste artigo deve ser exigido, conforme o caso, no momento em que ocorrer:

I - a transmissão da propriedade;

II - o decurso do prazo de que trata o caput deste artigo sem que ocorra a transmissão da propriedade ou o retorno da mercadoria, sujeitando-se o recolhimento espontâneo à atualização monetária e aos acréscimos legais, na forma prevista no § 1º do art. 8º-C deste Regulamento. (NR dada pelo Decreto 27.976, de 18/05/2018, Ajuste SINIEF 02/18, com vigência a partir de 1º/06/2018) (GRIFO NOSSO)

Tendo em vista que a Nota Fiscal foi emitida em 16.06.2020, estaria, o impetrante, dentro do prazo legal de suspensão do imposto, revelando que a apreensão coercitiva de mercadorias realizadas pelo Fisco, como forma indireta de cobrança de tributos, constitui um procedimento de natureza abusiva e ilegal, violadora de direitos e garantias assegurados constitucionalmente aos que exercem atividades profissionais, devendo, por isso, ser definitivamente abandonada pelos órgãos fiscais.

Nesta linha de pensamento, ressalto o entendimento doutrinário de Roque Antônio Carraza[1]:

“É muito comum o fisco, objetivando o recebimento do ICMS e multa devidos pelo contribuinte, apreender a mercadoria considerada em situação irregular (v.g. desacompanhada da competente nota fiscal).

Tal prática, todavia, é abusiva.

De fato, assim que lavrado o auto de infração e imposição da multa, a mercadoria há de ser imediatamente liberada. É que o ato de apreensão visa apenas assegurar a prova material da infração cometida. Por isso mesmo, deve subsistir somente enquanto estiver sendo realizada a coleta dos elementos necessários à caracterização de eventual ilícito tributário. As questões tributários-penais existentes deverão ser resolvidas no
procedimento administrativo ou no processo judicial adequado.
Em suma, é injurídica a retenção da mercadoria apreendida, para forçar o recolhimento do tributo ou da multa. Neste sentido, diga-se de passagem a súmula 323 do STF e a jurisprudência unânime do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”. (grifos acrescidos).

Registro que a Fazenda Pública não juntou documentos que comprovassem que a quantidade do produto apreendido estaria em desacordo com as normas regulamentadoras da atividade, de modo a afastar a característica de “amostra” ou “demonstração” dos produtos constantes da nota fiscal objeto da apreensão.

Ressalto, ainda, que os produtos apreendidos eram destinados ao ao diagnóstico e tratamento do vírus COVID-19, de modo que a apreensão indevida geraria enorme prejuízos tanto à empresa mas igualmente à população em geral, sobretudo por se tratar, in casu, de testes rápidos para diagnóstico da referida doença, na linha dos precedentes transcritos a seguir:

"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU ERRO MATERIAL. INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ARTIGO 1.022 DO CPC/2015. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA A PRETEXTO DE PREQUESTIONÁ-LA. IMPOSSIBILIDADE. QUESTÕES DEVIDAMENTE DEBATIDAS NO ACÓRDÃO EMBARGADO. TRANSFERÊNCIA DE BENS DO ATIVO IMOBILIZADO. CIRCULAÇÃO MERAMENTE FÍSICA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE. AUSÊNCIA DE MUDANÇA DE TITULARIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ATO DE MERCANCIA. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO ICMS. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 166 DO STJ. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. CONHECIMENTO E REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. Verificando-se que o...

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