Acórdão Nº 08229796420218205106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 1ª Turma Recursal, 28-02-2024

Data de Julgamento28 Fevereiro 2024
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo08229796420218205106
Órgão1ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0822979-64.2021.8.20.5106
Polo ativo
FLAVIA DE FREITAS LOPES
Advogado(s): DIEGO TOBIAS DE CASTRO BEZERRA, JOEL FERREIRA DE PAULA
Polo passivo
LIANE DANTAS DE OLIVEIRA EIRELI - ME
Advogado(s): KAYO HENRIQUE DUARTE GAMELEIRA

PODER JUDICIÁRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUIZADOS ESPECIAIS

PRIMEIRA TURMA RECURSAL

RECURSO CÍVEL VIRTUAL Nº 0822979-64.2021.8.20.5106

RECORRENTE: FLÁVIA DE FREITAS LOPES

ADVOGADOS: DIEGO TOBIAS DE CASTRO BEZERRA e JOEL FERREIRA DE PAULA

RECORRIDO: LIANE DANTAS DE OLIVEIRA EIRELI - ME

ADVOGADO: KAYO HENRIQUE DUARTE GAMELEIRA

RELATORA: JUÍZA SANDRA SIMÕES DE SOUZA DANTAS ELALI

EMENTA: RECURSO INOMINADO EM AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL, C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORMATURA QUE NÃO FOI INTEGRALMENTE CUMPRIDO EM VIRTUDE DA PANDEMIA DA COVID-19. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RESCISÃO QUE PODE OCORRER A QUALQUER TEMPO. CLÁUSULA PENAL QUE DEVE SER CUMPRIDA, DIANTE DA AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 14.046/2020, QUE DISPÕE SOBRE MEDIDAS EMERGENCIAIS PARA ATENUAR OS EFEITOS DA CRISE DECORRENTE DA PANDEMIA DA COVID-19 NOS SETORES DE TURISMO E DE CULTURA, NOS QUAIS NÃO SE INCLUEM OS SERVIÇOS CONTRATADOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso acima identificado, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, declarando a rescisão do contrato em questão e condenando a recorrida a restituir à recorrente o percentual de 63% (sessenta e três por cento) do valor por ela pago, nos termos do voto da relatora, parte integrante deste acórdão. Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios em face do disposto no art. 55, caput, da Lei nº 9.099/95.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por FLÁVIA DE FREITAS LOPES, já qualificada, contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos contidos na ação que ajuizou em face de LIANE DANTAS DE OLIVEIRA EIRELI – ME.

Ao fundamentar a sentença, o Juízo a quo registrou que “a empresa ré juntou documentos e cópia de contratos com outros fornecedores, evidenciando que pretende efetivar sua execução na quota parte do contrato, não se negando a isso”.

Em suas razões recursais, a recorrente, inicialmente, pleiteou a concessão da gratuidade da justiça, afirmando expressamente não possuir condições financeiras de arcar com as custas processuais sem prejuízo do seu sustento.

Aduziu que “o contrato de prestação de serviços fora celebrado pelas partes para o serviço de organização de festa de formatura. Ocorre, entretanto, que em razão da pandemia do COVID-19, a data do evento se tornou incerta".

Ressaltou que, “Em se tratando de festa de formatura, não é plausível que o consumidor seja compelido a reagendamentos – com o acréscimo das incertezas que circundam o momento pandêmico atual, sem previsibilidade concreta – isso por tratar-se de evento restrito a momento único na vida do indivíduo, com a perspectiva de que ocorra após o término da vida acadêmica, mas um após “limitado” e não perpetuado para “quando” e “se” for possível, diante do cenário de pandemia, que restringe os eventos deste porte”.

Argumentou que “o evento não será realizado na data pactuada, nem sequer há data prevista para tal, esvaziando o sentido da manutenção do contrato. Afinal, ainda que a festa fosse realizada em outra data, não seria correspondida a expectativa então contratada, que seria a comemoração do fim do curso”.

Alegou que “A situação sanitária, in casu, impõe o afastamento da culpa da consumidora, ora parte recorrente. Nessa toada, o afastamento do reconhecimento da culpa pela rescisão, implica, logicamente, no afastamento da incidência da multa contratual”.

Acrescentou que “a incidência da cláusula penal, no atual cenário, em que houve significativa alteração das condições ambientes entre o momento da celebração e da execução do negócio jurídico, configura-se, certamente, como excessiva onerosidade para a parte autora”.

Ao final, requereu “a reforma da sentença de primeiro grau para julgar procedente, declarando rescindido o contrato entabulado entre as partes, por fato superveniente, e condene a recorrida à devolução imediata do valor integral pago pela recorrente, acrescido de correção monetária, a data do arbitramento, e juros de mora de 1%, a partir do vencimento da obrigação, pelos demais aspectos meritórios; a condenação da recorrida ao pagamento das custas processuais, honorários advocatícios, à base de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação; seja deferida a justiça gratuita”.

Em contrarrazões, a recorrida, pugnou pelo desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos, aduzindo que “as partes não divergem quanto à impossibilidade de cumprimento integral do contrato pela Master, nas datas inicialmente previstas, em razão da pandemia - e não por culpa da empresa. Assim, não é justo e nem razoável que a recorrida suporte sozinha os prejuízos causados pela pandemia, sobretudo quando foi a própria turma que se recusou a remarcar os seus eventos”.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, há de ser deferido o pedido de gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98, § 1º, inciso VIII, e 99, § 7º, todos do Código de Processo Civil.

Assim é que a gratuidade da justiça é corolário do princípio constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República. E o colendo Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que, para a obtenção da gratuidade da justiça, é prescindível a declaração formal de hipossuficiência, tendo em vista que a simples alegação do interessado de que não dispõe de recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas processuais é suficiente para comprová-la.

Ademais, há de se observar que, para a concessão do benefício, não se exige o estado de penúria ou de miserabilidade, mas tão somente a pobreza na acepção jurídica do termo, a carência de recursos suficientes para suportar o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, não se admitindo que as custas processuais constituam óbice ao direito de ação, nem ao acesso ao Judiciário. E somente se admite o indeferimento do pedido de gratuidade da justiça na hipótese prevista no art. 99, § 2º do Código de Processo Civil.

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Pelo exame dos autos, verifica-se que da sentença recorrida consta o seguinte:

[...] 1) Indefiro eventuais pedidos formulados pelas partes de designação de Audiência de Instrução e Julgamento, pois entendo que tal medida é inócua ao deslinde da causa e servirá apenas para procrastinar o processo, porquanto as pretensões contidas nessa lide somente se provam por meio documental.

Ouvir depoimentos pessoais das partes serviria apenas para reiterar o que já foi dito na petição inicial e na contestação. E eventuais testemunhas/declarantes não teriam qualquer credibilidade nem interfeririam no livre convencimento motivado deste juízo, pois em nada acrescentariam como valor probante ao caso.

Assim, diante do indeferimento das provas acima especificadas e não tendo as partes requeridos outras, por entender se tratar de matéria de direito e não se fazerem necessárias maiores dilações, passo ao julgamento do processo nos termos do artigo 355, inciso I, do CPC.

2) Ressalto que se está diante de relação de consumo, o que atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois há a presença de uma pessoa no polo de consumo (consumidor) e outra fornecendo um serviço, no caso, de eventos de formatura (fornecedores) – CDC, artigos , , e 43.

3) No mérito, dos fatos alegados e provados nos autos, observo que a pretensão autoral não merece prosperar. Isso porque é público e notório que em decorrência da pandemia da COVID-19 foram impostos decretos que proibiam eventos públicos e particulares tais como eventos de formatura, ficando assim a empresa ré impossibilitada temporariamente de dar continuidade com a sua contraprestação contratual, visto que tais restrições possuíam como objetivo evitar a propagação do vírus SARS-CoV-2.

Pois bem. A situação aqui discutida trata-se de caso fortuito ou força maior, motivo pelo qual não se pode imputar à ré a responsabilidade pela não ocorrência do evento na data pactuada, em razão da persistência da situação de calamidade pública.

A Lei nº 14.046/20 dispõe sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos gerados pela pandemia nos setores de turismo e cultura, sendo que seu art. 2º aponta que as empresas prestadoras de serviço não são obrigadas a restituir o valor pago desde que assegurem ao consumidor a remarcação do serviço, a qual aqui reproduzo:

“Art. 2º Na hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, de 1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2021, em decorrência da pandemia da covid-19, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: (Redação dada pela Lei nº 14.186, de 2021)

I - a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados; ou

II - a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas.

No caso dos autos, a empresa ré juntou documentos e cópia de contratos com outros fornecedores, evidenciando que pretende efetivar sua execução na quota parte do contrato, não se negando a isso.

Outrossim, restou comprovado através das fotos coletivas e individuais acostadas aos ID´s nº 86337880 bem como da cópia do protocolo de entrega dos convites ao ID nº 86337879 que a...

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