Acórdão Nº 08231259520228205001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 21-12-2022

Data de Julgamento21 Dezembro 2022
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo08231259520228205001
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0823125-95.2022.8.20.5001
Polo ativo
MIAMIMED PRODUTOS ODONTOLOGICOS LTDA
Advogado(s): FREDERICO RODRIGUES MONTEIRO, ISABELLA SANTANA DE OLIVEIRA FROIS, THAIS VALERIANO DE OLIVEIRA GONCALVES
Polo passivo
RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DA ADMINISTRACAO e outros
Advogado(s):

EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DO DIFAL NO EXERCÍCIO 2022. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DO TRIBUTO APÓS A PUBLICAÇÃO DA LC 190/2022. DESNECESSIDADE DE OBEDIÊNCIA A ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA A PARTIR DE REFERIDA LEI. NORMA QUE APENAS REGULAMENTA O TRIBUTO. PRINCÍPIO CUMPRIDO A PARTIR DA LEI INSTITUIDORA. LEI ESTADUAL N° 9.991 DE 29/10/2015. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

A Primeira Câmara Cível, em Turma, por maioria de votos, conheceu e negou provimento à Remessa Necessária, nos termos do voto do Relator. Vencido o Des. Cláudio Santos.

RELATÓRIO



Trata-se de Reexame Oficial de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca de Natal/RN que, nos autos do Mandado de Segurança de nº 0823125-95.2022.8.20.5001, impetrado por MIAMIMED PRODUTOS ODONTOLOGICOS LTDA em face de suposto ato ilegal e abusivo perpetrado pelo Coordenador de Fiscalização da Secretaria de Tributação do Estado do RN (CACE) e outro, julgou os pleitos autorais nos seguintes termos (ID 17049916):

Em face do exposto, CONCEDO PARCIALMENTE a Segurança pretendida, somente para reconhecer a invalidade e inexigibilidade da cobrança do ICMS-DIFAL durante o período entre 1º de janeiro de 2022 a 04 de janeiro de 2022, sendo válida e exigível a cobrança do referido imposto a partir de 05/01/2022.

Em consequência, declaro o direito à restituição administrativa dos valores de DIFAL de ICMS eventualmente recolhidos pela Impetrante entre 01/01/2022 a 04/01/2022, devendo, para fins de compensação administrativa, haver a comprovação, perante o Fisco Estadual, da cobrança e do recolhimento indevido da exação no mencionado interregno.

Sem honorários (art. 25 da Lei nº 12.016/2009).

Custas na forma da Lei.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 14, §1º, Lei nº 12.016/2009).

Devidamente intimados do decisum acima, os litigantes não interpuseram recurso voluntário, ascendendo os autos a esta instância por força de reexame necessário.

A 9ª Procuradoria de Justiça manifestou-se pela ausência da configuração de qualquer hipótese inserta no art. 178 do Código Processual Civil (ID 17166535).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da remessa necessária, por força do que dispõe o art. 14, §1º da Lei nº 12.016/2009.

Sobre o assunto em espeque, sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1093, fixou a tese de que "a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.

No caso do Estado do Rio Grande do Norte, a lei que instituiu a cobrança do DIFAL/ICMS foi a Lei nº 9.991/2015, que, embora considerada válida pelo STF no julgamento do Tema 1093, não poderia produzir efeitos até que fosse editada lei complementar fixando as normas gerais, resguardadas as relações jurídicas legitimadas de forma extraordinária pelo Supremo através da modulação dos efeitos naquela decisão.

Em outras palavras, de acordo com o STF, em 01.01.2022, a Lei Estadual do Rio Grande do Norte nº 9.991/15 manteve-se válida e vigente (quanto às situações pretéritas submetidas à mesma), mas dotada de ineficácia técnica, à míngua de normas gerais regulamentadoras da matéria, que somente advieram em 05.01.2022 com a LC nº 190/2022.

A referida lei complementar em questão não instituiu o DIFAL, mas apenas estabeleceu normas gerais a serem observadas pelos entes estatais, a quem, de fato, compete, através de lei ordinária, a instituição do tributo, nos termos do art. 155, III, da CF/88. Assim, os princípios da anterioridade anual e nonagesimal não são aplicáveis às normas gerais em matéria tributária, tendo em vista não competir a estas a criação ou majoração de tributos, conforme disciplina o art. 146, III, da Constituição Federal.

Tal entendimento, inclusive, baseia-se na tese fixada em sede de repercussão geral pela Corte Constitucional no julgamento do Tema 1094, muito semelhante ao caso em comento, quando se assentou que uma lei estadual instituidora de tributo editada antes da lei complementar federal fixadora das normas gerais não padece de vício de inconstitucionalidade formal ou material, mas tão só de ineficácia. Vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 1094 DA REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS INCIDENTE NA IMPORTAÇÃO DE BENS E MERCADORIAS, POR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA, COM BASE EM LEI ESTADUAL EDITADA POSTERIORMENTE À PROMULGAÇÃO DA EC Nº 33/2001, PORÉM ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 114/2002. POSSIBILIDADE. (...) 3. As leis ordinárias estaduais que previram o tributo após a Emenda 33/2001 e antes da entrada em vigor da LC 114/2002 são válidas, mas produzem efeitos apenas a contar da vigência da referida lei complementar. 4. No caso concreto, o tributo é constitucional e legalmente devido com base na Lei Estadual 11.001/2001, cuja eficácia teve início após a edição da LC 114/2002. 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento, de modo a denegar a segurança, restabelecendo a sentença de primeiro grau. Atribuída repercussão geral a esta matéria constitucional e fixada a seguinte tese de julgamento: “I - Após a Emenda Constitucional 33/2001, é constitucional a incidência de ICMS sobre operações de importação efetuadas por pessoa, física ou jurídica, que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, devendo tal tributação estar prevista em lei complementar federal. II - As leis estaduais editadas após a EC 33/2001 e antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/2002, com o propósito de impor o ICMS sobre a referida operação, são válidas, mas produzem efeitos somente a partir da vigência da LC 114/2002" (RE 1221330, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 16/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204 DIVULG 14-08-2020 PUBLIC 17-08-2020)

Logo, entende-se que a prévia edição de legislação complementar pelo Congresso Nacional é exigida como requisito de eficácia da lei local, não de sua validade, sendo irrelevante, destarte, a circunstância de a lei estadual ter precedido o advento da lei complementar.

Partindo-se dessa premissa, deve-se, então, precisar que tendo entrado em vigor a Lei 190/2022, a cobrança do DIFAL passa a ser legal, por conta da validade da lei estadual que já dispunha sobre a matéria.

Conferindo a devida adequação do caso concreto à tese aprovada pelo STF no Tema 1093, como também ao Tema 1094, por guardar semelhança fática, a partir da publicação da LC nº 190/2022, em 05/01/2022, a Lei Estadual nº 9.991/2015, já dotada de validade e cuja eficácia estava sobrestada a partir do exercício de 2022, tornou-se apta a produzir efeitos, legitimando a cobrança do DIFAL ainda no exercício financeiro de 2022.

Desta forma, considerando que existe determinação específica na Constituição Federal acerca do respeito à regra da anterioridade nonagesimal e anual, e que a LC 190/2022 não instiutiu o DIFAL, mas apenas regulamentou as normas gerais aplicáveis à espécie, não há submissão desta à anterioridade anual e nonagesimal, isso por total ausência de competência constitucional ao legislador complementar para assim dispor.

Ora, os limites constitucionais ao poder de tributar, em que se insere a anterioridade, devem ser aplicados nos exatos limites impostos pelo legislador constituinte, sob pena de configuração de isenção heterônoma. Sendo assim, considerando que a Lei Complementar nº 190/2022 apenas supriu a lacuna tida por imprescindível para que a norma estadual pudesse ser dotada de eficácia técnica e integralmente vigente, a aplicação imediata de suas regras, a partir de sua publicação, não significa violação as regras das anterioridades anual e nonagesimal.

Ademais, cabível o reconhecimento da invalidade e inexigibilidade de recolhimento do ICMS-DIFAL tão somente referente ao período entre 1º de janeiro de 2022 a 04 de janeiro de 2022, em face da inexistência de norma que regulamentadora da cobrança da exação durante esse interregno, sendo válida e exigível a cobrança do diferencial de alíquota de ICMS relativamente às operações interestaduais envolvendo as vendas ou remessas de mercadorias aos consumidores finais não contribuintes de ICMS situados neste Estado durante o ano-calendário de 2022 a partir de 05/01/2022.

Portanto, estando o decisum em perfeita harmonia com o ordenamento aplicável e com os precedentes retromencionados, nego provimento à Remessa Necessária, mantendo na íntegra a sentença remetida.

É como voto.



Desembargador Cornélio Alves

Relator

Natal/RN, 15 de Dezembro de 2022.

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